LAWCUS
O assédio sexual nas paisagens jurídicas e extra-jurídicas
O tema do assédio sexual tem vindo a ganhar um espaço crescente no debate normativo contemporâneo, figurando nas agendas político-governamentais, no repertório do activismo social e na produção académico-científica. O movimento #metoo tem suscitado uma atenção virulenta para o que era, desde a década de 1980, um tema polémico na academia e um objecto privilegiado de estudo, nos fóruns jurídicos, dos globais aos locais, com especiais implicações regulatórias nas esferas laboral, organizacional e criminal. Questionando o papel e o protagonismo do direito como um lugar de verdade e de justiça, e mostrando o carácter escorregadio do universo do assédio sexual, esta dinâmica social e política tem revelado velhas e suscitado novas interpelações sociológicas sobre as maneiras de descrever, interpretar e julgar sujeitos e práticas pela lente da sexualidade. Trata-se de um processo que desafia também a própria concepção de direito como fenómeno social, expondo-o como um sistema aberto, que produz e recebe categorias de diferentes paisagens – científica, artística, política, ética – frequentemente consideradas extra-jurídicas.
Lawcus procura preencher uma dupla lacuna na investigação sociojurídica portuguesa, referente quer ao objecto de estudo (assédio sexual), quer ao tipo de abordagem (estudos culturais do direito). Por um lado, a popularização do assédio sexual na esfera pública e a sua entrada e expansão na governação criminal, laboral e disciplinar não tem sido acompanhada por uma análise crítica sobre os seus usos, presunções e implicações, especialmente na ordem jurídica portuguesa. Por outro lado, os estudos culturais do direito vêm colocando questões às práticas jurídico-judiciais e desenvolvendo métodos de inquirição que permitem trazer novas perspectivas sobre a relação entre poder e conhecimento no governo das diferentes esferas da vida social. Privilegiando esta aproximação cultural, Lawcus dirige a sua investigação para as fontes do direito nos seus modos de imaginar, conceptualizar e julgar o assédio sexual. Este percurso analítico tem como ponto de partida a identificação da materialização do assédio sexual nas ordens jurídicas criminal, laboral e organizacional (enquanto enunciação jurídica abstracta) e nos processos judiciais – laborais e criminais – e disciplinares (enquanto materialização jurídica concreta). A constelação formada por normas, doutrina e jurisprudência será colocada em diálogo com a expressão e a imagética do assédio sexual em diferentes fontes extra-jurídicas que, de modos específicos e heterogéneos, fornecem ideias e crenças sobre o assédio sexual ao raciocínio jurídico. Estes materiais serão reunidos em quatro arquivos empírico-conceptuais centrados nos campos científico, artístico, político e ético. Através de um conjunto de tarefas e metodologias de pesquisa (análise documental, análise de discursos, representações e práticas judiciais, estudos de caso e arquivos empírico-conceptuais), focadas no 'locus' do assédio sexual tanto a partir de fontes jurídicas do direito como de universos extra-jurídicos, este projecto procura aceder a camadas de interpretação e a diálogos epistemológicos pouco desenvolvidos na academia portuguesa. Este trabalho permitirá contribuir para aprofundar e inovar os modos de captar o lugar da sexualidade no direito e o lugar do direito nas sociedades contemporâneas.
António Guerreiro
Cátia Guerra
Elena Loizidou
Ian Ward
Mário Montenegro
Vânia Alvares