Os/As magistrados/as em Portugal frente à sua mediatização e feminização

Qual era o problema?
As últimas décadas têm sido marcadas pela crescente mediatização dos tribunais. No seio dessa mediatização, um dos enfoques tem sido a crescente visibilidade dos juízes/as e magistrados/as do Ministério Público no espaço público, bem como a transformação das profissões jurídicas por esforço de várias reformas judiciais. No entanto, quem são os/as nossos magistrados/as? manteve-se por largos anos uma pergunta sem resposta. Importava, portanto, caraterizar e dar a conhecer as “representações sociais” destes/as profissionais, contextualizando-as nas suas dinâmicas profissionais, motivações pessoais e profissionais ou os valores que contextualizam a “interpretação de certa lei”. A par desta necessidade, Portugal assistiu a profundas transformações das profissões jurídicas, entre as quais a sua feminização. Atualmente, o peso das mulheres na magistratura é significante, facto que não passou também despercebido do olhar dos media e de alguns setores do judiciário. Apesar desta crescente representatividade das mulheres, os estudos sobre a feminização do trabalho revelaram-se deficitários, assentando muitas das vezes em especulações e ideias estereotipadas.

Foi perante este cenário que o CES desenvolveu, entre 2010 e 2013, dois projetos, financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, cujos contributos foram essenciais para a compreensão de um entendimento sociológico das profissões judiciais, bem como da forma como estas evoluíram desde os anos 70 em frente de um contexto emergente de mediatismo, feminização e desafios teóricos e éticos efetuados tanto ao direito como à justiça.
 

O que fizemos?
Os estudos levados a cabo no CES desenvolveram-se em estreita parceria com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, tendo ainda a aprovação e colaboração dos Conselhos Superiores. Em ambos, procurou-se, através da análise dos percursos e experiências profissionais dos/as magistradas/as em Portugal, bem como das representações por parte da sociedade sobre estes/as, traçar os seus perfis sociográficos e as representações e atitudes sobre questões sociais quotidianas que crescentemente são levadas aos tribunais. Paralelamente, procurou-se perceber, tendo em conta a feminização do trabalho judicial, se este fenómeno promovia um modelo feminino na administração e gestão da justiça e no ato de investigar, acusar e julgar.

Os projetos tiveram como base tanto análises quantitativas como qualitativas, e incluíram diversas técnicas sociológicas e socio-históricas. Para entender melhor as perceções dos/as cidadãos/ãs relativamente às magistradas foram realizadas ainda análises sobre notícias e reportagens da imprensa e realizado um inquérito à população. Em suma, estes projetos permitiram caraterizar pela primeira vez em Portugal, e de forma multidimensional, o perfil dos/as profissionais do judiciário, bem como a crescente feminização da justiça e suas reformas, contribuindo para entender como estas contribuem para a construção de uma cultura judiciária.
 

O que aconteceu?
Os resultados dos estudos “Quem são os nossos magistrados? Caracterização profissional dos juízes e magistrados do Ministério Público em Portugal” e “As mulheres nas magistraturas em Portugal: percursos, experiências e representações” foram, respetivamente, apresentados em 2013 no Centro de Informação Urbana de Lisboa e na Assembleia da República. Presentes na divulgação e discussão dos resultados estiveram, à data, a Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, a Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal e António Joaquim Piçarra, vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura. Estiveram ainda presentes diversos/as académicos/as e profissionais de justiça, nacionais e internacionais, bem como representantes dos grupos parlamentares e associações profissionais e sindicatos.

Estes estudos, que permitiram compreender as alterações dos perfis destes profissionais ao longo das últimas décadas, determinaram ainda a necessidade de uma nova cultura de cidadania dos/as magistrados/as como forma de fazer frente ao afastamento formal entre o Ministério Público e os/as cidadãos/cidadãs; cuja perceção da justiça se revelou nos 64% dos inquiridos que fizeram uma avaliação negativa da justiça e nos 60% que consideraram que os tribunais são lentos; o que contribui para a promoção do descrédito social do sistema de justiça português. No entanto, e relativamente à prestação das mulheres magistradas, a perceção pública é que não existem diferenças de género na altura de decidir o processo judicial.

Este descrédito é acompanhado pela perceção dos/as magistrados/as da sua perda de prestígio profissional, onde ainda um terço destacou perda significativa da sua independência no exercício da profissão, condições de trabalho e salário. Os estudos destacaram ainda a necessidade de os tribunais se adaptarem à crescente mediatização de alguns processos de forma a assegurar a predominância do Estado de Direito.

Joana Marques Vidal destacou que o estudo “Quem são os nossos Magistrados” desfez o mito que o Ministério Público é muito mais de esquerda do que a judicial”, demonstrando-se, na generalidade, surpreendida pelos resultados do estudo.
O CES participa ainda hoje, através dos/as investigadoras/as envolvidas nestes dois projetos, em diversos projetos, debates e reflexões sobre a justiça em Portugal, contribuindo para um crescente entendimento da profissão e do exercício da justiça; como revelam inúmeras intervenções, artigos de opinião e participações em comissões de trabalho e consultorias.


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