As mulheres nas magistraturas em Portugal: percursos, experiências e representações
Nas últimas décadas, uma significativa transformação das profissões jurídicas tem sido a sua crescente feminização. Se, até 1974 a magistratura era uma profissão vedada às mulheres, hoje de um total de 1970 juízes nos tribunais de primeira instância, da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça, 1040 são mulheres (53%). No Ministério Público (MP), 49,3% do total de magistrados são mulheres, sendo que a percentagem de mulheres magistradas do MP na base da carreira ultrapassa aquele número (61,3%). O peso das mulheres nas magistraturas é visível, desde logo, no Centro de Estudos Judiciários, em que 85% dos inscrito/as são mulheres. Estes números, bem como o crescente protagonismo de algumas magistradas, têm suscitado o interesse dos media e de alguns sectores do judiciário que promovem debates sobre o tema. Contudo, se noutros países podemos encontrar estudos sobre esta realidade, em Portugal esta é uma análise não realizada, pelo que a interpretação relativa à feminização do judiciário centra-se, sobretudo, no aumento do número de mulheres na profissão assentando ainda muito em especulações e em ideias estereotipadas. Neste cenário torna-se premente uma questão: quando se fala em feminização do judiciário, procura espelhar-se apenas o aumento do número de mulheres nas magistraturas ou, pelo contrário, estaremos perante uma outra forma de administrar e fazer justiça em que uma variável determinante é o género? Procurando preencher esta lacuna na investigação sócio-jurídica, o objectivo geral deste projecto consiste em estudar os percursos e experiências profissionais das magistradas em Portugal, procurando, ainda, conhecer as representações, quer por parte dos/as profissionais de justiça, quer por parte da sociedade, relativamente ao papel daquelas no sistema de justiça português. Para alcançar aquele objectivo geral, o projecto envolve seis objectivos específicos. O primeiro consiste em analisar o acesso das mulheres às diferentes profissões jurídicas e organizações profissionais. Pretende-se, com a construção de indicadores, por um lado, avaliar o percurso permitido e efectivado pelas mulheres desde que ingressam nas faculdades de direito até chegarem às magistraturas. O segundo passa por analisar se o crescimento das mulheres nas carreiras jurídicas tem sido acompanhado por igual crescimento das oportunidades de progressão na carreira. Estaremos atentos a dois aspectos. Em primeiro lugar, à evolução da presença das mulheres em posições de topo ou destaque (e.g., presidência dos tribunais, presidência das secções, coordenação de serviços do MP, etc.). Interessa-nos conhecer se a organização interna dos tribunais, as regras de progressão, de recrutamento e de selecção e a formação possibilitam, ou não, condições para o crescimento, progressão e exercício de posições de liderança das mulheres seja combatendo a discriminação, seja promovendo discriminação positiva. Em segundo lugar, às áreas de especialização das mulheres na magistratura, o que pode estar relacionada com opções próprias de carreira ou com uma imposição da lógica interna de hierarquização das organizações. O terceiro objectivo consiste em questionar as magistradas sobre as suas condições de trabalho, meio ambiente laboral, relações com os pares e satisfação profissional. Um quarto objectivo procura perceber se há um modelo feminino na administração e gestão da justiça e se há um modelo feminino no julgar. Mapeando as representações das próprias magistradas, dos seus pares do sexo masculino e de elementos de outras profissões jurídicas (e.g. advocacia), queremos saber: se há diferenças significativas entre homens e mulheres na prática administrativa e na prática jurídica; se há uma adequação da formação das profissões às questões de género e desigualdade entre homens e mulheres; se há, ou não, a reprodução de princípios de aplicação do direito baseado na representação do profissional neutro, sem identidade de género, responsável pela aplicação da letra da lei; se as representações sobre o papel da mulher na magistratura divergem consoante a área (e.g crime ou família). O quinto objectivo passa por conhecer as percepções das magistradas relativamente à aplicação do direito, em particular em questões legais onde o género tende a ser considerado relevante, como, por exemplo, a violência doméstica ou a discriminação laboral. Por fim, o sexto objectivo específico consiste na análise da imprensa e de inquéritos à população, quais as percepções dos/as cidadãos/ãs relativamente às magistradas: que imagem das magistradas os media tendem a reproduzir? Há o recurso a “mulheres-alibi”, com posições de topo na magistratura, para tornar visível a presença das mulheres no judiciário? Os estereótipos imputados à mulher na sociedade, transferem-se para a mulher magistrada? Este projecto pretende, pois, entender se existe uma feminização da justiça, em termos não apenas quantitativos, mas qualitativos e se tal contribui para a emergência de uma nova cultura judiciária.
Publicação de livro, artigos científicos e comunicações em encontros científicos; conferência internacional
Associação Sndical dos Juízes Portugueses; Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Conceição Gomes (coord)
Élida Lauris
Madalena Duarte
Maria Teresa Couceiro Pizarro Beleza
Paula Fernando