Projeto de Tese de Doutoramento
Contra-dições colaborativas: sociabilidades contra-hegemónicas e (re)conhecimento social em oficinas de poesia. Dois estudos de caso entre Itália e Portugal
Orientação: Graça Capinha, André Brito Correia e Tiago Pires Marques
Programa de Doutoramento: Discursos: Cultura, História e Sociedade
Esta pesquisa, baseada em Portugal e em Itália, visa analisar as práticas de escrita e leitura de algumas oficinas de poesia descendentes de experiências vanguardistas na literatura - nomeadamente, da Neo-avanguardia e da L=A=N=G=U=A=G=E poetry - e as sociabilidades decorrentes da colaboração crítica entre participantes engajados no escrutínio das convenções linguísticas e histórico-literárias do próprio contexto social. Particularmente, pretende-se analisar a oficina de escrita enquanto espaço de reivindicação pública, ou seja, enquanto espaço discursivo de tradução do sofrimento social por parte da cidadania e, consequentemente, os recursos utilizados pelos participantes na colaboração entre pares, na crítica dos textos bem como na inclusão em publicações de coletâneas e performances orais.
Para tal, tendo em conta a história da Creative Writing nos Estados Unidos, esta pesquisa pretende aprofundar, de forma interdisciplinar e qualitativa, as heterodoxias metodológicas resultantes de algumas oficinas de poesia em dois países europeus - onde a metodologia do workshop chegou mais tarde - e as formas de emancipação social que alimentam a imaginação cívica no espaço de co-criação artística entre poetas. Num sentido diacrónico, tratar-se-á, por um lado, de dar conta das oficinas conduzidas por Elio Pagliarani entre Milão e Roma no final da década de 1970, enquanto, no caso português, serão analisadas as oficinas conduzidas por Graça Capinha em Coimbra, a partir da década de 1990. Os dois casos de estudo serão examinados detalhadamente através de entrevistas, close reading dos textos e observação participante, tendo em consideração as mudanças históricas e culturais que nestas alturas interessaram a produção poética nos dois países, bem como as práticas de formação e familiarização à literatura que desde então se direcionaram para o "público da poesia".
A dimensão sincrónica desta pesquisa visa dar conta das expectativas e das experiências de (re)conhecimento entre os participantes nas oficinas, as sociabilidades contra-hegemónicas baseadas no "prazer do texto" e no exercício contra-ditório da poesia entendida enquanto ferramenta cultural, especialmente na articulação colaborativa com comunidades marginalizadas e movimentos militantes. Considerando a escrita como procura e performance da própria autoria, oferecer-se-á um estudo etnográfico da tensão entre regulação e emancipação nas sociabilidades das oficinas, a partir das diferentes competências técnicas, analíticas e interpretativas utilizadas na interação entre poetas. Pretende-se, logo, aprofundar as críticas das convenções linguísticas e poéticas que, em contextos de colaboração e de "público difuso", tomam forma nos textos e nos discursos dos participantes, com o objetivo de averiguar as potencialidades da experimentação verbal no sentido da emersão de subjetividades desestabilizadoras. Para tal, a análise será complementada com dados de observação resultantes da condução, por minha parte, de oficinas de poesia em colaboração com movimentos de ativistas e (ex-) utentes dos serviços de saúde mental. Em última análise, a investigação pretende discutir a trajetória que, partindo da imaginação contra-cultural de uma possível "cidadania poética", permite hoje destacar a dimensão política das formas poéticas contemporâneas no sentido de uma democracia alternativa, baseada menos na estetização do político do que na politização do estético, especialmente quando as oficinas de poesia são implementadas de forma colaborativa com movimentos sociais.