I Intersectional Conference 2020

Encarceramento e sociedade

29 a 31 de janeiro de 2020

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Grupos de Trabalho

GT 1

Título: Interseccionalidade nos media: dilemas e desafios
Coordenação: Carla Cerqueira & Ana Cristina Pereira, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade/ Universidade do Minho

Ainda que de forma subtil, os media sustentam, com frequência, a reprodução dos estereótipos sociais vigentes, embora também possam contribuir para a veiculação de discursos de resistência social.  Num período em que se multiplicam e diversificam os espaços mediáticos, as lógicas de poder e os regimes de inclusão e exclusão (em toda a sua complexidade) subjacentes aos quadros comunicativos necessitam de ser discutidos.

Este grupo de trabalho pretende, assim, analisar a forma como têm sido incorporados (ou não) os desafios da interseccionalidade pelos diversos meios de comunicação. Através da análise de casos práticos, procura-se refletir sobre a forma como os marcadores de género, raça e classe, entre outros que possam ser propostos, influenciam a constituição dos grupos profissionais da comunicação – mainstream e alternativa - bem como as construções discursivas dos media.

 

GT 2

Título: Ilhas-prisão como governo do corpo e do espírito do Outro
Coordenação: Ana Oliveira, Centro de Estudos Sociais (CES) e Marisa Gonçalves, Centro de Estudos Sociais (CES)

Atravessando tempos coloniais e pós-coloniais, o recurso à insularidade como território de encarceramento natural tem sido historicamente marcado por matrizes coloniais do poder e do saber, envolvendo tanto sistemas de racialização populacional, como estratégias governamentais de controlo político-cultural, religioso, securitário e de fronteiras, sanitário e higienista. A violência colonial, que era constitutiva destes espaços – operando como campos de concentração para onde eram enviados opositores políticos, sem julgamento e por decisão administrativa, ou outros condenados a medidas de segurança, sem pena certa, e onde, a partir do chamado “contrato racial”, era comum o trabalho forçado, a tortura, a violência sexual ou o isolamento –, actualiza-se em novas tecnologias coloniais, autorizadas por novos consensos formados em torno de discursos securitários: da construção de ilhas-prisão para requerentes de asilo e refugiados; à criação de espaços-tampão (como a Turquia, pela União Europeia); a espaços de “guerra contra o terrorismo”, como Guantanamo Bay (em Cuba) pelos EUA, onde são invocadas de situações de excepção para a não-aplicação dos regimes jurídicos desses estados ou a Lei internacional. Este Grupo de Trabalho acolhe contributos de diversos campos disciplinares, da História, à Sociologia, ao Direito, aos Estudos Literários e Culturais, que, a partir do conceito e da imagética de ilha, metáfora ou metonímia de fronteira, se proponham ilustrar, densificar ou problematizar as manifestações históricas e atuais destas ilhas-prisão, ou aldeias-ilhas, hospitais-colónias, ou ghettos-ilhas.

 

GT 3

Título: Cinema Blaxploitation - Análise do legado histórico
Coordenação: Érica Faleiro Rodrigues, Instituto de História Contemporânea IHC - Universidade NOVA de Lisboa

Iniciado nos Estados Unidos durante a década de setenta, o sub-género filmográfico Blaxploitation, foi, por um lado, um sucesso de bilheteira, tendo sido, por outro, sempre imbuído de um cariz político forte; o que, aliado ao modo como tocou em questões de índole étnica, sexual e ou ligada à violência, contribuiu para o tornar, desde logo, num género particularmente marcado pela controvérsia e polarizado em extremo — ora exaltado e venerado, ora perseguido e criticado pela comunidade afro-americana. Neste momento, quatro décadas passadas desde a sua época dourada, existe um distanciamento histórico importante, que consente alguma objectividade na tarefa de se analisar o seu impacto social, na dissecação do modo como as suas ferramentas narrativas funcionaram (ou não) como veículos de emancipação étnica e do género. O grupo de trabalho Blaxploitation - Análise do legado histórico focar-se-á, no decorrer de cada sessão, em questões políticas ou estéticas específicas, de entre as quais podemos salientar as seguintes:

  • Sedutoras, Guerreiras ou Vítimas? A Representação da Mulher Afro-Americana
  • Jackie Brown, Um Símbolo — Clichés e Contra-clichés
  • Blaxploitation, O Demónio interno — A Representação da Violência na Comunidade Afro- Americana
  • Entre o Gangster e o Proxeneta — Figuras de Empoderamento do Homem AfroAmericano?
  • Blaxploitation, Controvérsias Políticas — A Década de Setenta e a Luta pela Igualdade Étnica
  • Blaxploitation, Sub-Géneros — Crime, Ação, Artes Marciais, Westerns, Terror, Comédia, Nostalgia e o Musical
  • Blaxploitation, os Fundamentos do Ritmo — Vanguardismos e Tradições na Música e Banda Sonora
  • Blaxploitation, Entre a Popularidade e o Boicote — Terá sido este um Género Censurado?

 

GT4

Título: Corpo, Violência e Trauma
Coordenação: Michelle Sales, Centro de estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra / Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pablo Assumpção, Universidade Federal do Ceará

A colonização, como forma de poder constituinte próprio à modernidade, desencadeou

alucinações e paradoxos incalculáveis. Em Crítica da Razão Negra, Achille Mbembe nos ensina que a expansão territorial, econômica e política da Europa através dos vários continentes do planeta arrastou consigo um complexo de fantasias e delírios da onipotência e da imaginação europeia cujos efeitos aparentemente insondáveis coincidiram com o trabalho da morte. O poder da representação na materialidade histórica do colonialismo não se separa facilmente da captura, do esvaziamento e da coisificação dos muitos corpos encontrados pelo caminho, um escândalo que revela a força constitutiva e ao mesmo tempo devastadora dos signos, das ideias e das imagens no campo da economia política. Acreditamos que a crítica da modernidade, do imperialismo e do colonialismo permanecerá inacabada, portanto, enquanto negligenciarmos os diversos modos como a arte e a produção do sensível coincidem com a reprodução escandalosa do “alterocídio” (Mbembe, Crítica da Razão Negra), do

racismo e, em última instância, da proliferação da morte como modo de governança. O senso comum que sempre relegou aos povos originários, aos afrodescendentes e aos negros, o lugar esvaziado da representação/ilustração da vida é duramente questionado pela potência do debate, por exemplo, em torno da noção do “lugar de fala”, tanto no Brasil, como em Portugal. Esse conceito operativo surge no contexto do feminismo interseccional americano para reivindicar a diferença/alteridade dos sujeitos falantes – em detrimento de um sujeito que fala em nome de um saber “universal” – e para reivindicar a diferença reconhecida dos lugares de onde partem os discursos, marcados pela raça, pela classe social, pelo gênero e por outros diversos modos de “negatividade” social.

Este grupo de trabalho busca compreender a economia política das relações sociais na contemporaneidade como uma linguagem material da violência e as obras artísticas como respostas a esta violência estrutural (inerente à lei e à realidade social), obras que, por vezes, lançam mão da própria violência e de sua força de materialização. Interessa-nos, assim, interrogar a arte em sua potência de encenar e perturbar a violência do aparato jurídico-político do estado moderno ocidental, sua gênese na história de pilhagem e genocídio colonial e no acúmulo primitivo de capital, bem como a institucionalidade neoliberal que naturaliza uma ordem civilizatória que depende diretamente do monopólio do estado (agora expandido em mercado) sobre o uso da força e do direito de matar. Este GT interessa-se pelo campo das artes em suas diversas linguagens: cinema, artes visuais, artes performativas, música.

 

GT 5:

Título: Tecnologias de vigilância e controle: perspetivas descolonias e interseccionais
Coordenação: Fernanda Bruno, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Os estudos sobre tecnologias de vigilância e controle vêm sendo marcados, nas últimas três décadas, por uma forte interdisciplinaridade, cruzando campos como a sociologia, a comunicação, a antropologia, o direito, os estudos culturais,  a geografia, o urbanismo, a filosofia da técnica, a ciência da informação etc. Sobretudo após os atentados do 11 de setembro de 2001, uma agenda global tem se consolidado em torno questões relacionadas à privacidade e à proteção de dados pessoais no espaço informacional e no espaço urbano, à generalização das políticas securitárias e anti-terrorismo, ao monitoramento das ações e interações sociais em plataformas digitais, a processos automatizados de captura e análise de rastros digitais etc. Mais recentemente, as estreitas relações das tecnologias de vigilância e controle com o capitalismo contemporâneo e as formas de governo neoliberais têm sido ressaltadas em diversas publicações, assim como os procedimentos algorítmicos de controle da conduta. Neste âmbito da governamentalidade algorítmica (Rouvroy, 2017) e do capitalismo de vigilância (Zuboff, 2018), alguns trabalhos cruciais vêm apontando a presença de processos de discriminação racial, de gênero e/ou de classe (Eubanks, 2018; Noble, 2018; O’Neil, 2016). Além disso, relevantes pesquisas atuais reivindicam uma perspectiva atenta às questões raciais e feministas no campo dos estudos de vigilância (Browne, 2015; Dubrofsky and Magnet, 2015). Tais perspectivas ainda são, contudo, minoritárias. Apesar de os alvos privilegiados das tecnologias de vigilância e controle serem, historicamente, os povos originários, as mulheres e as populações negras e pobres, há ainda poucas pesquisas sobre o tema. Do mesmo modo, embora os estudos sobre tecnologia e sociedade contem, recentemente, com uma forte presença de perspectivas feministas, o campo mais específico de pesquisas sobre tecnologias de vigilância e controle ainda é relativamente carente de abordagens feministas e interseccionais. O mesmo vale para perspectivas descoloniais (Arora, 2019), ainda pouco presentes neste campo. Este Grupo de Trabalho visa, assim, convidar ao fortalecimento e à ampliação do debate intersecional e descolonial em torno das tecnologias de vigilância e de controle, tendo em vista tanto as suas matrizes históricas quanto os seus desdobramentos contemporâneos.

 

GT 6

Feminismo e punição: um debate em curso
Coordenação: Rita Luís, Instituto de História Contemporânea – Universidade de Lisboa

A emergência de fenómenos de denúncia pública como o #metoo tem vindo a espoletar um debate, já clássico no seio de movimentos antiautoritários, sobre o lugar que a lógica punitiva pode/deve ter no seio de movimentos que se entendem a si próprios como emancipadores. A denúncia pública, hoje facilitada pelo uso das redes sociais, tem as suas raízes no método encontrado pelo feminismo de segunda vaga – a par da utilização mais ampla do escrache na Argentina relacionada com legados da ditadura militar – para lidar com situações de violência e de impunidade resultantes da desigualdade de género.

Atualmente, perante um sistema judiciário e penitenciário que uma e outra vez devolve impunidade e gera frustração a um nível global (veja-se em Portugal os acórdãos produzidos pelo juiz Joaquim Neto Moura ou em Espanha o caso da Manada), abre-se caminho para que a crítica da cultura da violação (Herman, 1984), que permeia não só o Estado, como as instituições e as relações sociais no geral, extravase os meios militantes e se ponha em causa no espaço público a própria noção de justiça mediada pelo primeiro.  

Nestes processos de denúncia da lógica patriarcal intrínseca ao sistema judiciário a linha que separa a necessidade de lidar com a impunidade e obter justiça, por um lado, das lógicas de reforço da criminalização, da punição e do encarceramento, por outro, é muito ténue, pelo que é na ampliação do debate que o desenrolar dos processos de justiça institucional tem proporcionado que a antropóloga feminista argentina Rita Segato vê o seu resultado positivo. Segato tem advogado também pela necessidade de abandonar o pensamento binário que responde à impunidade com encarceramento. Não sendo uma posição consensual no seio do movimento feminista, permite colocar questões fundamentais no momento atual: que noção de justiça pode existir para lá da lógica punitiva e como obtê-la?

Este grupo de trabalho pretende contribuir para o debate em curso recebendo propostas teóricas, metodológicas e/ou de práticas, incluindo experiências de mediação de conflitos, cujo âmbito de análise inclua o conceito de justiça na sua relação com o feminismo, em particular a tensão entre formas concretas de lidar com a impunidade que desafiem a pulsão punitiva.