Gender workshop

Misoginia e Política: o caso do golpe de Estado no Brasil

Augusto Jobim do Amaral

Fernanda Martins

23 de fevereiro de 2017, 17h00

Sala 2, CES-Coimbra

Resumo

O processo de impeachment que levou ao afastamento da Presidenta eleita democraticamente no Brasil, Dilma Rousseff, estabelece-se, sobretudo, a partir do manto patriarcal, sexista e elitista, marca indelével da relação pública na estrutura política nacional ocultada pelo discurso da pluralidade nacional. Desde os bastidores do jogo político até a efetivação pública do processo de impedimento, o discurso de ódio a mulher deu-se através de votos e posições completamente alheias à discussão constitucional e propriamente jurídica acerca da prática de crimes contra a ordem financeira – posturas plenamente espelhadas nos relatórios das comissões habilitadas a examinar o tema, bem como nas votações em plenário na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. É possível afirmar, que os alicerces constitucionais foram derrubados não em nome da defesa da democracia institucional brasileira, pois viu-se arrebatada, em verdade, pelos recorrentes epítetos fascistóides de Deus, família e propriedade.

Contudo, seria ingenuidade de qualquer analista supor que o desejo de derrubada da Presidenta diz respeito somente às violências de gênero, na medida em que possui base complexa, imbricada em motivos que vão desde o esgotamento próprio do modelo governista de consenso (“lulopetismo”) passando pela busca de imunidade político-jurídica dos agentes públicos pelas práticas de corrupção institucionalizadas até, sobremaneira, o rechaço a medidas de redução da desigualdade social, mesmo que de efeitos limitados.

Entretanto, ignorar a violência de gênero aí envolvida na figura da Presidenta nesta conjuntura seria igualmente inocente. Como colocado, o que foi postulado em todo o processo de derrubada da primeira mulher eleita para o mais alto cargo da nação não foi meramente a queda da “querida” (slogan pejorativo entoado à náusea pelos defensores do golpe) Dilma Rousseff, mas o novo rearranjo das forças que reiteradamente se engendram no Brasil quando são ameaçadas em perder o protagonismo na atuação estatal. Portanto, a certos valores morais e a certas normas profundas a pautar as sociabilidades brasileiras. É neste cenário mais amplo que a proposta de análise sobre investigação de gênero impõe-se, em suma, para destrinchar a misoginia envolvida no processo político brasileiro que vez mais condensou o poder patriarcal.


Texto Recomendado:

Tiburi, Marcia (2016), «A máquina misógina e o fator Dilma Rousseff na política brasileira», Revista CULT. (http://revistacult.uol.com.br/home/2016/07/a-maquina-misogina-e-o-fator-dilma-rousseff-na-politica-brasileira/)


Notas Biográficas

Fernanda Martins é Professora na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e Professora substituta na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (área de Teoria, Filosofia e História do Direito). Bacharela e Licenciada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e Bacharela em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Integrante do Projeto de Pesquisa Bases para uma Criminologia do controle penal no Brasil: em busca da brasilidade criminológica - CNPq e do Projeto de Extensão Universidade Sem Muros - UFSC. Advogada criminalista.

Augusto Jobim do Amaral é Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Doutor em Altos Estudos Contemporâneos (História das ideias, Ciência Política e Estudos Internacionais Comparativos) pela Universidade de Coimbra; Doutor, Mestre e Especialista em Ciências Criminais pela PUCRS.