TRAUMA
Vítimas, trauma e processos institucionais: para além de uma ética da vítima

Período
1 de março de 2011 a 31 de agosto de 2014
Duração
42 meses
Resumo

A questão central desta pesquisa é a de saber que alterações societais ocorreram para que os discursos sobre as vítimas e os dispositivos de apoio às vítimas se tornassem formas legitimadas de acesso ao espaço público e de reclamação de direitos. Questão que, abordando a face visível de um fenómeno em expansão, implica igualmente a abordagem do modo como as pessoas que, inseridas em comunidades de trauma, se situam fora dos dispositivos de apoio convencionais, gerem a sua condição de vítimas e reclamam os seus direitos. A pesquisa situa-se na análise da tensão das relações entre comunidades de trauma (o conjunto das pessoas afectadas por um determinado acontecimento ou uma determinada experiência traumática), vítimas atomizadas (pessoas que não participam em associações de apoio às vítimas) e vítimas organizadas (pessoas que participam em associações de apoio resultantes de um acontecimento particular ou da organização de experiências traumáticas partilhadas). A premissa de partida é a de que a compreensão das razões que subjazem à participação nas formas de associação convencionais, daquilo que as torna sociologicamente possíveis e individualmente necessárias, é tão importante quanto o seu reverso, ou seja, as razões que subjazem à possibilidade de recorrer a formas alternativas de gestão do trauma existentes nas comunidades. Para além dos discursos e dos dispositivos construídos e propostos pelas associações de vítimas e consolidados numa particular «ética da vítima», que outras lógicas de subjectivação emergem e quais os seus pressupostos materiais, simbólicos e políticos? A análise implicará que se proceda a uma genealogia dos conceitos de vítima, trauma, e de stress pós-traumático e da sua progressiva institucionalização em manuais de referência, metodologias de intervenção, nos discursos das agências internacionais e nacionais e das associações de apoio, ou seja, a afirmação do paradigma do trauma. Posteriormente, serão analisados os extravasamentos desses conceitos, discursos e dispositivos do trauma para campos tão distintos quanto a justiça, a mobilização cívica, a governação dos riscos e, principalmente, a economia das vítimas. Procura-se aqui a temporalidade longa que formata e legitima a afirmação daqueles conceitos e dos dispositivos e práticas de apoio às vítimas. Empiricamente, o projecto propõe-se estudar associações de vítimas em três países europeus: Portugal, França e Holanda. Em Portugal: a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima; a Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios, e a Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Em França, a Federação Nacional de Vítimas de Acidentes Colectivos (Fédération Nationale des Victimes d'Accidents Collectifs) e a Associação Geral dos Mutilados de Guerra (Association Générale des Mutilés de la Guerre). Finalmente, na Holanda, serão consideradas uma associação generalista, a Associação de Apoio a Vítimas Holandesas (Slachtofferhulp Nederland), o Centro de Aconselhamento e Informação de Volendam (Advies en Informatiecentrum in Volendam), criado para apoiar as vítimas do incêndio em Volendam, em 2001, e a Associação de Militares Holandeses Vítimas de Guerra (Bond van Nederlandse Militaire Oorlogs). Pretende-se, complementarmente, abordar os modos individuais de gestão da condição de vítima para além dos dispositivos convencionais e da pertença a essas associações. Propõe-se uma sociologia do trauma que, para além das abordagens culturalistas de Jeffrey Alexander, se fixe na intersecção entre discursos, dispositivos, materialidades e formas de subjectivação em torno do paradigma da vitimização e nas suas formas de consagração e legitimação. No final, a pesquisa propõe-se testar uma tipologia da relação complexa entre comunidades de trauma, vítimas atomizadas e associações de apoio. A hipótese é a de que determinados acontecimentos traumáticos possuem diferentes ritmos e tempos, que poderão originar três lógicas de relação entre comunidades de trauma e associações: uma de intersecção – em que comunidades de trauma e associações de apoio encontram pontos comuns de aproximação -, uma de sobreposição – em que comunidade de trauma e associações se confundem pela prevalência e hegemonia de uma delas -, e, finalmente, uma separação – em que comunidades de trauma e associações de apoio se mantêm discursivamente e nas suas práticas autónomas. As diferentes temporalidades e as lógicas de relação entre comunidades de trauma e associações de apoio são marcadas por processos de negociação de enquadramento dos acontecimentos e de legitimação de determinados discursos, práticas e interlocutores, desempenhando o Estado e as agências internacionais nesse particular um papel fundamental, na medida em que tomam por interlocutor privilegiado as vítimas e os seus representantes que veiculam a ética normalizada de vítima.

Investigadoras/es
Aida Dias
Alain Lantoine
Ângela Rosa Pinho da Costa Maia
José Manuel Mendes (coord)
Luisa Sales
Pedro Araújo
Rafaela Lopes
Palavras-Chave
trauma, vítimas e associações de vítimas, identidade, cidadania
Financiamento
Fundação para a Ciência e Tecnologia