Prémio Agostinho da Silva

Sara Araújo distinguida pela Academia de Ciências de Lisboa

Março de 2010

O prémio distinguiu a tese de mestrado da investigadora do CES intitulada “Pluralismo jurídico e acesso à justiça. O papel das instâncias comunitárias de resolução de conflitos em Moçambique”. A dissertação, orientada por Boaventura de Sousa Santos, analisou o papel das instâncias comunitárias de resolução de conflitos que usam direito não estatal e compõem, em conjunto com os tribunais judiciais, a realidade jurídica e judiciária moçambicana.

Este prémio, de atribuição anual, destina-se a galardoar dissertações de mestrado ou doutoramento realizadas em universidades nacionais ou estrangeiras que tenham tido por objecto a problemática interna e externa da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) ou das comunidades da diáspora portuguesa.

A data de entrega do prémio será anunciada brevemente.

 
Sobre a dissertação

O pluralismo jurídico, que de forma muito simplificada pode ser definido como a presença de múltiplas ordens jurídicas no mesmo campo social, tende a estar presente em todas as sociedades, ainda que assumindo formas e significados sociais e políticos muito diversificados. Em Moçambique, essa realidade é bastante rica e complexa, sendo múltiplas as instâncias comunitárias de resolução de conflitos que usam direito não estatal e compõem, em conjunto com os tribunais judiciais, a realidade jurídica e judiciária moçambicana. O ponto de partida desta dissertação prende-se com o pluralismo jurídico e o acesso à justiça, questionando se aquelas instâncias contribuem para a democratização do acesso à justiça ou se, pelo contrário, para a distribuição de uma justiça inferior.

O trabalho, orientado pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, foi desenvolvido no contexto de um projecto de investigação bastante mais alargado sobre a Reforma da Organização Judiciária Moçambicana, realizado em parceria pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) e pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária de Moçambique (CFJJ). No âmbito desse projecto foi possível desenvolver o trabalho de terreno, que assentou sobretudo na realização de entrevistas a actores chave, observação directa do trabalho das instâncias estudadas e, sempre que possível, em análise documental. Para além de ter beneficiado da estrutura dessa investigação, a segunda fase de elaboração da dissertação contou com o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, através de uma bolsa de mestrado.

Após uma análise do conceito de pluralismo jurídico, e a abordagem teórica de alguns debates fundamentais que envolvem o pluralismo jurídico africano e o acesso à justiça, a tese percorre a história de Moçambique entre o período colonial e os nossos dias, procurando mostrar como o Estado, em diferentes momentos e sob diferentes pressões externas e internas, foi integrando ou excluindo as justiças comunitárias, bem como a forma como estas foram resistindo às imposições estatais e, em alguns momentos, servindo-se das mesmas para consolidar a sua legitimidade. São três os estudos de caso apresentados: dois realizados na cidade de Maputo, a capital de Moçambique; e um terceiro desenvolvido em Macossa, um distrito do interior centro do país.

Entre as várias instâncias encontradas, destacam-se os tribunais comunitários, as autoridades tradicionais, os secretários de bairro/grupos dinamizadores, a Associação de Médicos Tradicionais e as ONGs. A realidade varia substancialmente consoante o espaço geográfico, sendo difícil obter uma resposta unidimensional à questão de partida. O trabalho não procura promover uma imagem romântica das instâncias comunitárias de resolução de conflitos, mas reconhece que as mesmas continuam a desempenhar um papel preponderante na resolução de litígios e, no uso selectivo que os cidadãos fazem das mesmas, promovem, em muitas situações, o acesso à justiça. Conclui-se que, tal como os tribunais judiciais não são excluídos do debate sobre o acesso ao direito e justiça pelos problemas e as dificuldades que enfrentam, outras formas de resolução de conflitos, ainda que imperfeitas, devem ser parte relevante no mesmo, podendo mostrar-se apropriadas não apenas nos seus contextos culturais específicos, mas igualmente como referência à criação de modelos mais democráticos de justiça em todo o mundo.

 
Sobre a investigadora

Sara Araújo é investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e doutoranda no programa «Direito, Justiça e Cidadania no século XXI» da mesma universidade, no âmbito do qual está a desenvolver um estudo comparado entre Portugal e Moçambique sobre acesso à justiça e instâncias comunitárias de resolução de conflitos. Fez parte do Observatório Permanente da Justiça e participou num projecto de cooperação entre o CES e o Centro de Formação Jurídica e Judiciária de Moçambique sobre a Reforma da Justiça Moçambicana. É, desde 2008, membro associado do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane. Defendeu uma tese de Mestrado em Sociologia com o título «Pluralismo Jurídico e acesso à Justiça. O papel das instâncias comunitárias de resolução de conflitos em Moçambique».