Teses Defendidas

Rupturas ou continuidades na administração do conflito penal? Os protagonistas e os processos de institucionalização da justiça restaurativa em Portugal e no Brasil

Cristina Oliveira

Data de Defesa
30 de Junho de 2020
Programa de Doutoramento
Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI
Orientação
João Pedroso
Resumo
A justiça restaurativa se apresenta como uma proposta de resolução do conflito penal que pressupõe a ressignificação do papel dos atores tradicionalmente afetados pelo crime (autor, vítima e comunidade). Utilizando-se de práticas centradas no diálogo entre tais sujeitos, prima-se pelo afastamento da punição e da aflição (expressões máximas do paradigma penal tradicional, legitimado pela imputação da pena) substituindo-os pela escolha, consensuada, de medidas não-sancionatórias voltadas à satisfação das suas necessidades através da reparação dos danos. A emergência do tema associa-se aos movimentos (teórico-práticos) que contestaram as dinâmicas de funcionamento do sistema punitivista, especialmente a necessidade/utilidade da pena de prisão frente ao crescente hiperencarceramento em massa ("abolicionismos penais"), a seletividade socioeconómica da clientela inserida no sistema ("criminologias críticas") e o tratamento instrumental destinado às vítimas no curso do procedimento e o alheamento das suas demandas ("vitimologias"). Através da construção do campo da justiça restaurativa e da delimitação das suas estruturas fundantes - conceitos, princípios, valores e ferramentas práticas que se destinam a solucionar o crime pela via dialogada - o estudo procura compreender quais são as relações que esse novo modelo estabelece (e os espaços que ocupa) com o sistema de justiça penal tradicional a partir da observação de iniciativas no terreno. Associando-se teoria e prática, elegeram-se dois casos em que são díspares os processos de institucionalização de diferentes ferramentas práticas de justiça restaurativa (porque efetuados desde perspectivas top-down ou bottom-up) e que foram desenvolvidos por distintos atores protagonistas. No primeiro caso, a criação do regime jurídico da mediação vítima-ofensor para o público adulto em Portugal está previsto na Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho, pressupondo diferentes atores atuando tanto na implementação/estruturação do sistema público (Poder Legislativo e Poder Executivo) quanto na sua aplicabilidade/execução (de responsabilidade do Ministério Público e do Mediador de Conflitos). Por sua vez, no Brasil, apesar da ausência de lei regulamentadora da matéria, as práticas se multiplicam no terreno - o que obrigou a eleição de quatro diferentes programas/projetos de implementação de processos circulares desenvolvidos na região sul do país - e são majoritariamente conduzidas por atores do Poder Judiciário. Diante da complexidade do tema, utilizou-se da mixagem metodológica para compreender, pela via qualitativa, as dinâmicas de produção da justiça restaurativa através de entrevistas semiestruturadas dirigidas aos seus atores protagonistas; no que toca à análise quantitativa, foram consultados os inquéritos remetidos ao sistema de mediação pelo Ministério Público do Porto, no intuito de caracterizar e compreender as dificuldades enfrentadas pela mediação penal no país. Através da aprendizagem decorrente do estudo dos dois casos, foi possível identificar que no campo da administração do conflito penal a justiça restaurativa tende-se a tornar um modelo dependente e inserido nas dinâmicas da justiça tradicional, que, por ser cooptado pela lógica desse sistema, pode expandir o controle punitivo sobre a comunidade.

Palavras-chave: justiça restaurativa, justiça penal, processos de institucionalização, atores protagonistas, práticas restaurativas