Teses Defendidas

Entre o perfeito e o possível. Uma etnografia do bom cuidado na doença mental grave em Portugal

Joana R. Zózimo

Data de Defesa
17 de Maio de 2022
Programa de Doutoramento
Sociologia
Orientação
Fátima Alves e Sílvia Portugal
Resumo
Em Portugal e em muitos países europeus, os cuidados prestados à doença mental estão concentrados no Hospital. Ainda que tenham existido vários esforços para a desinstitucionalização, atrasos sucessivos na reestruturação dos serviços e pouco interesse político, público e científico têm contribuído para a pouca visibilidade da experiência da doença mental e de outras formas de lidar com esta além da psiquiatria. Este estudo contribui para diminuir essa lacuna e muito embora se centre num estudo etnográfico em contexto hospitalar, permitiu documentar a variedade de atividades que lá se praticavam e a multiplicidade de combinações que essas vão assumindo consoante os intervenientes, os espaços e os recursos disponíveis, além da dinâmica usual entre psiquiatra, enfermeira e utente. A análise das notas, registadas durante seis meses de observação participante em duas unidades de cuidado ambulatório, num hospital geral em Portugal, norteia-se pela ética empírica e pelo método de montagem, enquadrando-se nos estudos da ciência e tecnologia e da semiótica material. Situo-me assim dentro de uma abordagem pragmática e pós-moderna da doença mental, em que a experiência de investigação desiste de ser neutra e se imbrica na experiência da investigadora. Esta opção além de procurar o rigor da análise radica-se também numa postura ética que atravessa todas as etapas da pesquisa e aceita as suas consequências metodológicas na produção do conhecimento apresentado. Tendo-me proposto a estudar o que significava o bom cuidado na doença mental grave e como este se concretizava na prática dinâmica de utentes, profissionais e familiares, descrevi e analisei atividades relacionadas com comida e bebida, psicomedicação e cuidados performativos, identifiquei empiricamente os ideais éticos que se pretendiam realizar e as tensões que diferentes medidas de bom produziam no dia a dia daquelas unidades. Dessa análise, pude identificar os hospitais dentro do hospital, ou seja, quatro repertórios de hospital baseados em quatro dimensões de cuidado: psiquiátrico, reabilitativo, lúdico e colaborativo. Este último constitui uma alternativa emergente e menos desenvolvida de práticas de cuidado, e surge como proposta de conciliação dos vários contributos e recursos existentes nas demais composições de hospital. O seu benefício assenta na interpenetração de vários ideais e estratégias para lidar com a doença mental e sugere a constante intercomunicação e adaptação de saberes dentro de um coletivo de cuidado, em que o utente é apenas um dos nós, consoante a situação que se apresente em necessidade de melhoria. Perante as diversas modalidades de bom cuidado identificadas, concluo que este é um compromisso quotidiano entre o perfeito imaginado e o presente possível, dentro das condições materiais e simbólicas disponíveis a cada momento. Por conseguinte, estas podem ser tão desfavoráveis dentro de uma instituição hospitalar como na comunidade para que se orientam as políticas de saúde mental, sempre que num e noutro contexto não se procurem negociar as normas de pertença, ação e pensamento para que incluam quem e o que é diferente.

Palavras-chave: doença mental; bom cuidado; etnografia; quotidiano; ética empírica