Teses Defendidas

Dispositivos do Sistema Defensivo da Província do Norte do Estado da Índia (1520-1739)

Sidh Losa Mendiratta

Data de Defesa
6 de Dezembro de 2012
Orientação
Paulo Varela Gomes e Walter Rossa
Resumo
Explicitação e pertinência disciplinar do tema.

Excluindo as suas quatro cidades principais (Baçaim, Damão, Diu, e Chaul), a Província do Norte do Estado da Índia tem merecido escasso estudo nos campos da história da arquitectura, do urbanismo e da arte por parte dos respectivos especialistas.
A caracterização e os contornos deste extenso território permaneceram até recentemente bastante difusos, à falta de um estudo pluridisciplinar que percorresse desde a escala territorial até à escala da arquitectura e dos objectos.
O projecto de investigação "Bombaim Antes dos Ingleses", coordenado pelo Doutor Arquitecto Walter Rossa e sedeado no Centro de Estudos do Departamento de Arquitectura da F.C.T.U.C. (com início em Setembro de 2004 e duração de 36 meses), desencadeou algumas iniciativas de pesquisa apontadas ao estudo da Província do Norte, entre quais se insere a presente proposta de dissertação. A pesquisa documental e as viagens de estudo efectuadas no âmbito deste projecto constituem a base de partida, metodológica e documental, para a mesma proposta.

A Província do Norte constitui o mais importante território do império português no Oriente até 1739. A sua administração de características que, simplificando em termos europeus, podem dizer-se feudais, sobreposta ao sistema indiano anterior, reflectia-se numa rede complexa de praças fortificadas, pequenas cidades, aldeias, conventos, baluartes, torres e casas senhoriais que pontuavam um território essencialmente agrícola.
Hoje em dia, o exercício de retratar ou cartografar o território em questão é dificultado não apenas pela obliteração da maior parte dessas estruturas como também pelo crescimento voraz da área metropolitana de Bombaim, que cobre quase todo o antigo Distrito de Baçaim.
Tendo em conta que o sistema de comunicações da Província do Norte assentava primordialmente no transporte marítimo ou fluvial, as alterações progressivas e notórias da geografia hidrográfica (provocadas por assoreamentos, sedimentações, aluviões e outros fenómenos similares) aumentam a dificuldade da reconstituição. Simultaneamente, as pistas para o conhecimento do passado são, muitas vezes, elementos imateriais como a linguagem, a toponímia e as tradições orais das comunidades.
Assim, torna-se incontornável utilizar uma abordagem transdisciplinar para o processo de pesquisa, análise e sistematização da informação pertinente.
Outra questão relevante prende-se com o estudo da progressiva miscigenação de culturas e regiões no território em causa, procurando os seus reflexos nas criações arquitectónicas e artísticas.
A Província do Norte foi cronologicamente o primeiro território colonial europeu de alguma dimensão na Índia. Importa portanto compreender toda a experiência de implantação, feita de adaptações ou imposições, e as consequentes repercussões dessa experiência noutros territórios do império (desde logo, em Goa, em Ceilão e no Brasil) e nos territórios colonizados por outros povos europeus no espaço do Índico.
Ao estudar a Província do Norte do ponto de vista da história da arquitectura, do urbanismo e do território, centrando-se nas diversas redes e estruturas que teciam os sistemas defensivos, esta dissertação procurará disponibilizar cartografia, imagens e documentos que possam ter valor operativo não apenas no sentido de consolidar o saber científico mas também do ponto de vista de uma desejável futura intervenção prática no campo da arqueologia, da conservação e do restauro.
De grosso modo, pode-se dividir os dispositivos relacionados com a defesa do território em dois grandes grupos: dispositivos de arquitectura e dispositivos de engenharia. Importa sublinhar que esta distinção insere-se numa interpretação da história da arquitectura e do urbanismo e não na aferição actual destes dois termos.
O primeiro grupo inclui todas as estruturas edificadas com escala e características intrínsecas que evidenciem uma clara dicotomia interior / exterior no sentido da sua vivência ou fruição; o segundo grupo inclui as diversas obras que não evidenciem esta dicotomia mas tenham uma clara influência no desenho do território (como pontes, estradas, vallados, poços, ou barreiras isoladas de estruturas arquitectónicas). Este segundo grupo merece, naturalmente, um estudo menos aprofundado do que o primeiro, dado o campo disciplinar onde este trabalho se integra.
Os dispositivos de arquitectura podem-se dividir em dois subgrupos: dispositivos militares e dispositivos híbridos. O subgrupo dos dispositivos militares inclui a praça fortificada; a fortificação principal; a fortificação secundária; e a torre, etc. O subgrupo dos dispositivos híbridos inclui as estruturas cuja função defensiva está subordinada a outra função primordial, como a habitacional ou religiosa.
De notar que dispositivos do tipo "praça fortificada" incluem geralmente vários dispositivos secundários integrados no mesmo sistema defensivo (como, nomeadamente fortificações secundárias, casas senhorias fortificadas, poços, etc.)

Metodologia.

Os instrumentos "clássicos" da história da arquitectura, nomeadamente o conhecimento directo do objecto e a sua análise através de documentação gráfica fidedigna, estão muitas vezes inacessíveis no caso das estruturas arquitectónicas da Província do Norte.
Assim, a análise e crítica sistemática dessas estruturas apoia-se geralmente num conhecimento transversal que engloba várias fontes "indirectas" ou graficamente mais difusas incluídas nas diversas áreas da história (como representações em elementos decorativos, descrições provenientes de livros de viagens, iconografia imprecisa, etc.)
Simultaneamente, o estudo das estruturas de vocação defensiva ainda existentes (geralmente, alteradas ou arruinadas) reveste-se de grande importância, especialmente porque ainda há a possibilidade de localizar estruturas nunca antes documentadas.
Uma dos meios fundamentais consiste essencialmente em localizar no terreno as aldeias mencionadas nos diversos documentos relativos à Província do Norte existentes no chamado "Tombo do Norte", estantes no Arquivo Histórico Ultramarino. A partir da reconstituição desta rede principal, poder-se-á avançar para estudo sistemático das diversas características e especificidades do território e arquitectura.
O nome destas aldeias figura em diversos documentos actualmente a serem estudados pelo Centro de História de Além-mar, no âmbito do Projecto "Bombaim antes dos Ingleses". Na maior parte dos casos, é possível associar a uma aldeia uma casa senhorial (fortificada ou não) que poderia ter estruturas anexas. Estes são os primeiros passos para o exercício de reconstituição territorial do sistema defensivo mais complexo: o das casas senhoriais.
A identificação dos locais onde existiam estruturas defensivas principais revela-se mais expedito devido ao facto de existir uma cartografia setecentista de vulto (na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Biblioteca Nacional e no Instituto Geográfico Português, por exemplo) e também devido ao reaproveitamento de grande parte dessas estruturas pelos maratas ou ingleses após a queda da Província do Norte.
Estabelecida esta cartografia base, pode-se esmiuçar a escala da pesquisa, ambicionando chegar em alguns casos ao nível da caracterização dos espaços arquitectónicos.

Tópicos a investigar.

- a rede defensiva do território e a sua evolução; estudo dos elementos híbridos (conventos fortificados, casas senhoriais fortificadas ou com torre incorporada, torres cavaleiras de senhorio particular, casas de capitães ou de tanadares fortificadas, etc.).
- a rede das aldeias e o seu papel estruturador no sistemas defensivos.
- a comparação dos dispositivos do sistema defensivo da Província do Norte com outras áreas do universo urbanístico português, nomeadamente, Goa, Ceilão e Brasil.
- o desequilíbrio territorial provocado pela cedência de Bombaim aos Ingleses em 1665.
- a evolução das estruturas militares face às ameaças Maratas (1680 - 1740).

Estado da arte.

Pode-se agrupar, de grosso modo, a produção historiográfica relativa à Província do Norte em quatro grupos: O primeiro resulta de estudos realizados a partir de meados do sec. XIX por Goeses, ou a partir de fontes documentais localizadas sobretudo em Goa; o segundo grupo relaciona-se com a sistematização de origem britânica, recolhida até a independência da Índia; o terceiro diz respeito a produções feitas por Indianos, a partir dos meados do século XX e centradas geralmente na evolução das comunidades católicas da zona de Bombaim; e o quarto grupo reflecte um impulso recente no sentido de compreender verdadeiramente a história da Província do Norte à luz da interdisciplinaridade e da pesquisa sistemática de fontes primárias diversas.
Em relação aos estudos mais recentes, deve-se salientar os de Luís Filipe Tomás (1994), Walter Rossa (1991, 2001), Artur Teodoro de Matos (1994, 1995), Rahul Mehrotra (1997), Dejanirah Couto (1996), e Mário César Leão (1996).
Todo este saber está presentemente (Janeiro de 2007) a ser condensado no projecto "Bombaim antes dos Ingleses" que referi anteriormente e cuja pesquisa documental revela claramente a riqueza do tema. Nos anexos referentes à bibliografia, iconografia e cartografia, podemos constatar o volume de material inédito ou por estudar que constitui a base de uma nova abordagem relativa à história da arquitectura no sentido de investigar e caracterizar um território quase desaparecido.


Coimbra, 20 de Janeiro de 2007