Teses Defendidas

Entre os “saberes locais” e o “saber universal”: a modernização das comunidades manjaco e a mandjização do estado na guiné-bissau

Paulina Mendes

Data de Defesa
15 de Maio de 2015
Programa de Doutoramento
Pós-Colonialismos e Cidadania Global
Orientação
Georg Klüte e Maria Paula Meneses
Resumo
O presente trabalho visa analisar o modo como os saberes locais e o saber universal se cruzam nas atitudes e nos comportamentos de atores das comunidades manjaco e de atores estatais na Guiné-Bissau, particularmente no domínio da resolução de conflitos. Pretende-se, igualmente, investigar em que circunstâncias estes atores recorrem à prática de mandji para resolver conflitos e em que moldes ela é concretizada. Para alcançarmos este propósito, ancoramos a nossa análise em epistemologias do Sul, perspetiva teórica que abre a janela para a discussão do objecto desta tese, que integra as formas de conhecimento que emergem de espaços sem voz, que foram invisibilizados pelo paradigma socioeconómico e cultural dominante.

As informações foram recolhidas na região de Cacheu, nomeadamente no setor de Cacheu (Bachil) e setor de Canchungo (Utia-Côr), através das técnicas de observação participante, entrevistas semiestruturadas e djumbai (convívio).

A análise dos dados recolhidos permite-nos destacar que fatores como a escravatura, a evangelização, a colonização, a emigração e a globalização contribuíram para uma transformação das comunidades manjaco, que se refletiu na modernização progressiva das mesmas. Esta mudança exigiu um novo redimensionamento destas comunidades, tendo culminado na substituição progressiva de instituições como a gerontocracia pelo poder económico, das redes comunitárias pelo individualismo e dispensabilidade das instituições de vigilância pela criação de grupos de vigilância. A emigração assume um papel fundamental nestas comunidades, pelo facto de os projetos de desenvolvimento comunitários e individuais implementados com as remessas de emigrantes contribuírem para a melhoria das condições de vida, a mobilidade social ascendente e a emancipação social dos seus atores.

Apesar da modernização registada nas comunidades de Tchur e de Babok, a prática de mandji permanece inabalável, constatando-se a sua penetração no setor moderno, influenciando os atores no exercício das funções burocráticas, ou seja, constata se a mandjização do sistema estatal guineense. Grosso modo, o Estado pós-colonial guineense padece do paradoxo que explica, por um lado, a veneração da sua elite política pela prática de mandji e, por outro, a sua obsessão pela modernização.

Os casos de conflito analisados testemunham a existência de uma simbiose entre o saber local e o saber universal, nas atitudes e nos comportamentos de atores nas comunidades de Tchur e de Babok e no sistema estatal na Guiné-Bissau. Igualmente, evidenciam a existência de uma pluralidade de ordenamentos jurídicos, por em cada caso de conflito participarem várias instituições na sua resolução.