Seminário

Democracia e antidemocracia no Brasil: um movimento pendular

Leonardo Avritzer (CES/UFMG)

12 de dezembro de 2017, 15h30

Sala 1, CES | Alta

Resumo

Há um paradoxo na evolução da democracia no Brasil que precisa ser abordado analiticamente. Até 2013, todos os indicadores de curto prazo apontavam para a consolidação e o fortalecimento da democracia no país. Nos quase quatro anos que vão de junho de 2013 a meados de 2017, houve uma completa inversão de condições com a produção de um “mal-estar” na democracia. Tal “mal-estar” começou com manifestações importantes, ainda em 2013, por melhores políticas púbicas potencializadoras de um conjunto de ações que, dificilmente, contribuíram para o fortalecimento da democracia. Entre elas, valeria a pena destacar a hostilização pública de membros do sistema político e a concentração da atenção da sociedade em questões ligadas à corrupção. No ano de 2015, manifestações fortemente conservadoras no Brasil  reforçaram o clima de forte intolerância entre diferentes grupos sociais. Em 2016, ocorreu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff baseado em alegações extremamente frágeis porque a ideia de pedalada fiscal não constituía um diferencial de comportamento da presidente em relação a outros presidentes ou aos governadores. No mesmo ano, teve lugar também o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados,  sua prisão posterior e a tentativa de afastamento do presidente do Senado. Por fim, a população brasileira assistiu, pasma, a conflitos importantes entre o judiciário e o Congresso Nacional na tentativa de reversão de lei aprovada na câmara contra abusos de autoridade. A todos esses elementos institucionais se somam um conjunto de elementos extra institucionais, tais como os enfrentamentos nas redes sociais entre esquerda e direita, o novo nível de repressão dos movimentos populares e padrões renovados de violência policial. Todos esses elementos apontam para a necessidade de uma análise mais cuidadosa  da democracia brasileira e do seu estágio de consolidação.

É nesse sentido que se coloca uma questão teórica, analítica e metodológica: como entender as regressões pelas quais a democracia brasileira passou entre 2013 e 2017?  Seriam apenas uma derrapada em um longo processo de construção democrática, tal como aconteceu nos Estados Unidos durante o macarthismo ou na Itália durante o período de enfrentamento das Brigadas Vermelhas? Na minha opinião, temos evidências de retrocessos muito grandes para considerar essas mudanças apenas uma derrapada ou um “detour” em um longo percurso político. As evidências estão ligadas às fortes violações do capítulo das garantias na constituição de 1988 e à disputa interinstitucional iniciada  com a crise do governo Dilma Rousseff mas que atingiu proporções ainda preocupantes com a crise do governo Temer na qual poder executivo e Procuradoria Geral da República se enfrentam abertamente. Por fim, temos um nível de intolerância na sociedade que é inédito: artistas e políticos sendo agredidos verbalmente nas ruas e nas redes sociais; discursos de tolerância e diversidade sendo revertidos por propostas de legislação sobre a família ou pela defesa, por setores da mídia, de uma agenda anti-direitos e anti-igualdade de gênero. Todos esses reveses nos fazem supor que os elementos que motivaram a análise otimista das últimas duas décadas sobre a democracia no Brasil precisam ser colocados em perspectiva e substituídos por uma visão  pendular do processo de construção da democracia no Brasil.


Nota biográfica

Leonardo Avritzer é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi presidente da Associação Brasileira de Ciência Política 2012-2016. Investigador associado do CES, tem uma extensa obra publicada, sendo de destacar os livros que publicou em 2016 sobre a realidade brasileira, nomeadamente "Os Impasses da Democracia no Brasil"; "Un examen de la participación democrática en Brasil (1990-2014)" e "O papel do pluralismo na formação e consolidação da ciência política no Brasil".