Teses Defendidas

A expressão normativa do assédio: aproximações sociojurídicas à sexualidade

Ana Oliveira

Data de Defesa
20 de Abril de 2018
Programa de Doutoramento
Estudos Feministas
Orientação
Cecilia MacDowell Santos e Maria Irene Ramalho
Resumo
O objectivo desta tese de doutoramento consiste em analisar a expressão jurídica do assédio a partir de uma incursão crítica na sua descrição, regulação e invocação em diferentes fontes de direito. O assédio constitui uma categoria que tem vindo a ganhar um espaço crescente no debate normativo contemporâneo, figurando nas agendas político-governamentais, no repertório do activismo social e na produção académico-científica. Tanto o movimento como o argumentário de inspiração feminista têm constituído um dos grandes impulsionadores da sua projecção pública, contribuindo para enquadrá-lo numa cosmovisão societal e numa economia de significado com especiais implicações regulatórias na esfera laboral e na esfera penal. Procuro, através deste trabalho de investigação, encarar o assédio como um dispositivo de observação dos limites, das potencialidades e das contradições epistemológicas que atravessam o campo intelectual feminista, colocando em evidência os consensos e os conflitos culturais que a função jurídica (laboral e penal), a presunção sobre o sujeito (homem e mulher) e o estatuto (opressivo e constituinte) da sexualidade colocam à teoria feminista e aos estudos sociais do direito.

Esta tese de doutoramento está estruturada em três partes. Na Parte I procuro ensaiar a linhagem sociojurídica do assédio através de uma aproximação genealógica à história jurídica dos regimes de subordinação laboral e de protecção penal da sexualidade, debatendo as raízes da gramática normativa do assédio e a sua relação problemática com as reivindicações laborais e criminais emergentes no panorama sociopolítico português.

Esta reflexão em torno da doutrina e da dogmática jurídica que estruturam a regulação e a imaginação do assédio dialoga, na Parte II, com a análise da sua expressão no domínio das políticas e das instituições governamentais. Este percurso vai do surgimento e da institucionalização de uma área de estudos sobre as mulheres até à consagração pública de poderes e saberes de matriz epidemiológica dirigidos à violência e à desigualdade sexuais. Confrontando diferentes modelos institucionais de observação e intervenção no assédio (entidades pré ou para-judiciais, como a CITE, Provedor de Justiça e Autoridade para as Condições do Trabalho), procurei situar e interpretar a variabilidade da semântica emprestada ao assédio em função do propósito, da competência e do domínio de intervenção que vincula os diferentes actores.

A análise crítica do referencial teórico-normativo e do tecido governamental que regulam e estabelecem a natureza e as fronteiras do assédio é triangulada, na Parte III, com a imersão no terreno e na casuística judicial do assédio, fazendo das narrativas e da argumentação laboral e criminal o meu objecto de estudo privilegiado. Nesta última parte, interrogo-me sobre o que e como estão os tribunais portugueses a julgar quando é convocada a categoria assédio, à luz da subordinação laboral e da protecção penal da sexualidade.

A ambivalência da relação entre a concepção e interpretação jurídica da sexualidade e a crítica feminista à natureza patriarcal do direito representa um dos principais fios condutores da inquietação intelectual impressa nesta investigação. Procurando expô-la e cartografá-la a partir da expressão normativa do assédio, esta tese procura demonstrar em que medida e em que termos a crescente densificação jurídica do assédio, impulsionada ou secundada por diferentes proveniências críticas e feministas, ao invés de testemunhar uma lógica progressiva, cumulativa e expansiva da aspiração anti-patriarcal, coloca sobretudo em evidência os vícios e os paradoxos político-epistemológicos que percorrem o modo como se pensa, se prescreve e se tutela o campo da sexualidade, obrigando a um regresso crítico ao sujeito, à estrutura e ao direito enquanto objectos inacabados e constituintes da vida social.

Palavras-chave: assédio; sexualidade; direito; feminismo