Teses Defendidas

Portugueses de Torna-Viagem. A Representação da Emigração na Literatura Portuguesa.

Martina Matozzi

Data de Defesa
4 de Fevereiro de 2016
Programa de Doutoramento
Patrimónios de Influência Portuguesa
Orientação
Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Francavilla
Resumo
Como é representada a experiência migratória na Literatura Portuguesa?
Esta é a principal pergunta a que esta dissertação quer dar resposta, propondo um estudo que contribua para a compreensão de uma caraterística estruturante e diversificada da sociedade portuguesa: a emigração, aspeto persistente e marcante tanto no passado como no presente. O objetivo principal é traçar um mapa literário, que possa funcionar como um guia hermenêutico sobre o aparecimento e a caracterização desta temática. Realiza-se assim uma análise das representações da emigração desde meados do século XIX até à contemporaneidade - nas modalidades de romances, contos e crónicas - de forma a poder tecer considerações sobre a relevância da representação da experiência migratória no campo literário português. Norteiam o percurso traçado uma constelação de conceitos. A abrangência que a noção de império desempenha no horizonte da cultura portuguesa, bem como as diferenças que é preciso estabelecer entre o uso de termos como emigração, diáspora e exílio. A noção de migração torna-se assim estimulante e inclusiva no âmbito da análise literária, abrindo espaço de reflexão a noções como: outro/estrangeiro, estranheza, ausência, desenraizamento, hibridez e ambivalência.
A partir da personagem do "brasileiro de torna-viagem" dos romances de Camilo Castelo Branco e de Júlio Dinis, surgem caraterizações, questionamentos, reescritas e contrapontos desta mesma figura, nos textos de escritores da Geração de 70, bem como nos escritos finisseculares de Fialho de Almeida e de Trindade Coelho. A experiência migratória é ainda contada como uma vivência numa zona de contacto através do uso do compêndio discursivo das narrativas de viagem pela pena de Francisco Gomes de Amorim. No início do século XX estas mesmas narrativas são reescritas e questionadas nos romances de Ferreira de Castro. Durante todo o século XX, ao mesmo tempo que é possível observar a persistência na reformulação e negação do paradigma camiliano da personagem do "brasileiro", em alguns contos de Aquilino Ribeiro, Miguel Torga e Mário Braga, surgem também outros tipos de textos de emigração em que se torna clara a dificuldade de contar esta experiência de desenraizamento. Da dispersão geográfica da emigração portuguesa surgem, além do Brasil, outros grandes destinos como os Estados Unidos e a Europa. No caso dos EUA são de fundamental importância as narrativas produzidas no contexto açoriano com as suas miragens da América e a caracterização humanizada e realista da experiência migratória. O caso europeu abarca o surgimento de um conjunto heterogéneo de textos que testemunham viva e cruelmente a grande vaga de emigrantes dirigida principalmente para França e Alemanha durante as últimas duas décadas do regime ditatorial. Da descida ao abismo da emigração são ainda testemunho as reflexões de Miguel Torga e os textos de intelectuais exilados como Jorge de Sena, José Rodrigues Miguéis e Manuel Alegre. Finalmente, a literatura publicada depois do 25 de Abril, com os romances analisados de Olga Gonçalves, Manuel da Silva Ramos, João de Melo e José Luís Peixoto, carateriza-se pela reescrita da História e das memórias da emigração. São estas as obras literárias portuguesas que identifico com a atual definição de literatura de migração, no sentido extraterritorial.
É desta forma que a temática migratória se apresenta e representa no campo literário português e considera-se o corpus das obras estudadas nesta investigação um património da palavra migrante que, num percurso cíclico e inconclusivo de torna-viagem, se apresenta rico em temáticas, estruturas e estilos narrativos em constante reescrita e renovação.

Palavras-chave: Literatura Portuguesa; Emigração Portuguesa; Literatura de Migração; Estrangeiro/Outro; Desenraizamento; Exílio; Império.