Teses Defendidas

Direito e cidade em movimento: Latências, emergências e resistências na construção do direito na cidade

Nathalie Nunes

Data de Defesa
23 de Maio de 2024
Programa de Doutoramento
Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI
Orientação
João Pedroso e Wanda Capeller
Resumo
A regeneração urbana constitui uma nova abordagem política holística, mediante uma intervenção integrada que abarca aspetos físicos, sociais, económicos e ambientais. Contudo, perfaz um fenómeno socioeconómico complexo e multifacetado, no âmbito de parcerias público-privadas, as quais integram contributos de múltiplas áreas e disciplinas, e condicionantes técnico-operacionais.

A presente pesquisa analisa o potencial emancipatório da regeneração urbana, com o objetivo de se repensar os modos de intervenção na cidade. Considera-se um processo de emancipação social o estabelecimento de novas relações entre indivíduos, sociedade e Estado em situações de autoritarismo, discriminação ou exclusão. A investigação-ação sociojurídica conduzida interroga especificamente a prática do projeto URBiNAT e processos gerais de regeneração urbana. Colocam-se questões quanto ao potencial de transformação social de intervenções inovadoras que visam a inclusão de territórios em contexto de relegação urbana. A unidade de análise abarca um processo participativo para cocriar uma intervenção no espaço público urbano, a partir de soluções baseadas na natureza. Analisa-se a arena de cocriação, onde participam beneficiários e partes interessadas, e seus bastidores que integram os promotores da intervenção.

Empreendeu-se uma observação participante com significativa reflexividade. Empregou-se ainda o método de análise secundária mediante análise de conteúdo aplicada a transcrições de entrevistas. A demonstração do potencial emancipatório assenta em quatro hipóteses: (re)construção social da cidadania na cidade; consciência do direito entre latências e emergências; poder de agir de beneficiários, partes interessadas e promotores; ação e investigação emancipatórias.

Como resultado, formulam-se doze conclusões que constituem diretrizes para um modelo emancipatório de regeneração urbana. Provêm da verificação empírica de latências, emergências e resistências na construção do direito na cidade, e da caracterização da ação e investigação no contexto mais amplo da regeneração urbana. Segue-se uma linha emancipatória que decorre da abordagem sociojurídica sustentada, ou seja, uma sociologia crítica da mobilização do direito, considerando-se a apropriação do direito na sua construção social, na cidade, e quanto à cidadania.

Conclui-se que a mobilização do direito na regeneração urbana assenta substancialmente na comunicação e interação entre instâncias envolvidas. Conceitualiza-se a regeneração urbana inclusiva como processo transformador para todas essas instâncias, visando alternativas inclusivas de vida, políticas e económicas, e práticas inovadoras de ação e investigação. Tais transformações incidem sobre relações de poder, suas intrínsecas tensões, vários tipos e modalidades de exercício. Perante limitações e desafios, quanto à complexidade das parcerias de regeneração urbana, evidencia-se necessário integrar, nos meios e fins do processo participativo, práticas de reflexividade e análise crítica que contribuam para desenvolver capacidades éticas e políticas de escuta, criar relações sólidas, solidárias e entendimentos conjuntos.

Conclui-se ainda que a cidadania se pode ativar no âmbito de uma força sociocultural coletiva, cujo poder de agir e desenvolvimento não dizem respeito apenas a beneficiários da intervenção urbana, abrangendo partes interessadas e promotores com fins e meios para adotarem posições e disposições emancipatórias. Demonstra-se que se requer integrar a perspetiva sociojurídica numa regeneração urbana com aspiração emancipatória, para mobilizar, captar, desenvolver e concretizar o direito. Tal demonstração expressa a construção social de uma vida digna para todos na cidade, como direito vivo que se traduz numa cidadania substantiva e plena. Conceitualiza-se que o poder constitutivo da cidadania se expressa na comunicação e inter-relações estabelecidas pela ação e investigação na cidade, como artesanato de práticas que participa criativamente na reinvenção da emancipação social, ao compor a trama sociopolítico-cultural da cidadania. Neste sentido, profissionais e investigadores necessitam de desenvolver competências de mediação e interculturalidade.

Em simultâneo, corrobora-se uma nova conceção do direito como conhecimento cultural constitutivo de identidade social, relações e lutas, a qual integra a rutura epistemológica quanto à perceção do direito sustentada na sociologia do direito, para que este também se capte em termos de expectativas, aspirações e reivindicações, e não apenas quanto à ordem que deve produzir. Esta pesquisa pretende ser um contributo para visibilizar dimensões sociojurídicas pouco exploradas, e aprofundar a aplicação dos estudos da consciência do direito. Perspetiva-se que o modelo analítico desenvolvido, em torno de ação de mobilização, poder de agir, consciência do direito e construção social, possa explorar-se noutros contextos investigativos interdisciplinares e intersetoriais.

Palavras-chave: regeneração urbana; cidadania; poder de agir; consciência do direito; emancipação