Mesa-Redonda

Por universidades comuns: Examinando as disjunções da pedagogia e da investigação nas universidades europeias

Ana Cordeiro Santos

Chiara Carrozza

Hermes Augusto Costa

Tiago Castela

Tiago Santos Pereira

29 de janeiro de 2016, 14h00

Sala 2, CES-Coimbra

Resumo

O objetivo desta mesa-redonda é discutir a emergente disjunção entre a pedagogia e a investigação nas universidades na região europeia, assim como a importância crescente de posições temporárias para académicas e académicos, nomeadamente no crescentemente separado domínio da investigação, e no quadro de trajetórias de despesa estatal que por vezes correspondem a um crescimento de investimento estatal em sistemas de Ensino Superior (ES), como em Portugal.

Os sistemas de ES na região europeia emergiram a partir de histórias nacionais diversas, e foram formados através de diferentes práticas governamentais nacionais e locais, em relação a condições económicas e políticas. Como o Observatório do Financiamento Público da Associação de Universidades Europeias notou, as tendências do financiamento estatal para o ES desde o início da crise financeira do Atlântico Norte em 2008 até 2014 foram marcadamente divergentes, tendo alguns países aumentado a sua despesa—por exemplo, Portugal, pelo menos em termos nominais. Outros países reduziram a sua despesa, e outros mantiveram-na estável.

A profissão académica em cada sistema nacional é também formada e estruturada de um modo diverso e de acordo com tradições situadas, para além de estar condicionada por trajetórias contrastantes da despesa estatal. Se dificilmente podemos falar de “uma profissão académica europeia” (Teichler & Höhle, 2013), uma tendência convergente é o aprofundar da segmentação do mercado de trabalho académico (Mullens, 2001), produzindo uma divisão entre docentes com nomeação definitiva e não-docentes sem nomeação definitiva (Castree, 2000: 966), ou entre contratos permanentes e contratos a termo (Shelton, et al., 2001), seguindo a tendência de uma “precarização do trabalho académico” (ibid.: 434). Como foi relatado pelo recente projeto de investigação EUROAC da Universidade de Kassel (Teichler & Höhle, 2013), nos países analisados o emprego estável de académicas e académicos seniores parece ser um padrão geral, enquanto académicas e académicos juniores tendem a ter apenas contratos temporários por um período relativamente longo das suas carreiras. Os contratos a curto prazo de académicas e académicos juniores representam cerca de um quarto de todos os contratos em universidades na Irlanda e no Reino Unido, enquanto em metade dos países europeus para os quais existe informação disponível os contratos de curto prazo representam mais de dois terços—no caso português, 69 por cento  (ibid.: 255). Os contratos a curto prazo não abrangem apenas posições de investigação ligadas a projetos específicos e temporalmente limitados, como acontecia no passado, mas são também utilizados para posições de docência, frequentemente durando apenas um ano, ou mesmo pagas à hora. Para além disso, um aumento da importância dos contratos a termo na investigação, com salários garantidos apenas até ao final do projeto, significa que investigadoras e investigadores passam muito do seu tempo buscando e procurando assegurar oportunidades de financiamento, em vez de se dedicarem ao projeto em si.

De acordo com Gill (2009), a academia representa um exemplo excelente da neoliberalização do local de trabalho, exibindo o trabalho académico cada vez mais os aspetos que uma extensa literatura tem examinado no campo da indústria cultural, incluindo o “web design”, a televisão, o cinema, ou a moda: uma preponderância de trabalhos temporários, intermitentes, e precários; longas horas e padrões bulímicos de trabalho; o colapso ou o apagar das fronteiras entre o trabalho e o lazer; salários baixos; altos níveis de mobilidade; dedicação apaixonada ao trabalho; e também a experiência da insegurança e da ansiedade em relação a encontrar trabalho, ganhar dinheiro suficiente, e acompanhar as mudanças de campos em fluxo (ibid.: 232).

No entanto, inspirados pela “etnografia crítica” proposta por Hart (2006), nós suspeitamos de narrativas teleológicas em relação à neoliberalização e ao sistema de ES. De facto, as práticas governamentais nacionais e locais que formam os sistemas de ES estarão ligadas a um enfoque nas hierarquias académicas globais, incluindo modelos normativos de como as universidades em todo o lado inevitavelmente devem ser estruturalmente ajustadas para que possam competir. No entanto, os aspetos emergentes do trabalho académico descritos acima não são meras “variações ‘locais’ de um processo ‘global’” (ibid.: 981), já que são constituídos de um modo contingente e através de práticas situadas. Sugerimos discutir coletivamente até que ponto o enganador fantasma da prestigiada universidade de investigação da América do Norte assombra os sistemas universitários europeus, como mostra a crescente literatura europeia sobre o “empreendedorismo universitário” (O'Shea et al., 2005), de um modo que é paradoxalmente contrário ao fomento de relações produtivas entre a pedagogia e a investigação, e ao sistema de acesso à nomeação definitiva que é crucial para tais relações produtivas. Finalmente, propomos também discutir a seguinte questão: para que as práticas governamentais fomentem paisagens académicas sustentáveis na região europeia, não será essencial desarticular a lógica da despesa dos discursos sobre a competição e o desenvolvimento, concentrando-nos em vez disso nas potencialidades situadas de “universidades comuns”, parafraseando o trabalho de Robinson (2006) sobre as cidades?
 

Oradores: ChiaraCarrozza, Tiago Castela, Hermes Augusto Costa, Tiago Santos Pereira e Ana Cordeiro Santos

Coordenadores: Chiara Carrozza  e Tiago Castela

Esta mesa-redonda será realizada em português e em inglês.