Seminário

Riqueza financeira das famílias na Europa: O caso das pensões

Ana Cordeiro Santos

Nuno Teles

20 de maio de 2013, 17h00

Sala 2, CES-Coimbra

Comentário: Maria Clara Murteira (Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra)


Resumo

Com a recente crise financeira, a financeirização das famílias tem sido objeto de crescente atenção na academia. No entanto, esta análise tem focado sobretudo as questões do endividamento das famílias e a sua relação com a desigualdade e o rendimento. Este artigo procurará colmatar um dos aspetos negligenciados nesta literatura: o papel crescente das famílias enquanto detentores de riqueza financeira, particularmente na forma de fundos de pensões e outros produtos similares de poupança para a reforma.

Embora o crescimento dos ativos financeiros detidos pelas famílias, relativamente ao seu rendimento disponível, tenha crescido em todos os países europeus, as diferenças observadas na evolução da desigualdade e rendimento para estes países põem em causa o nexo causal desigualdade-riqueza financeira. Neste artigo, argumentaremos que o aumento da riqueza financeira deve ser sobretudo entendido no contexto da crescente privatização da segurança social empreendida nestes países. Esta agenda política, originalmente promovida pelas grandes instituições financeiras internacionais (Banco Mundial e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Europeu), foi, mais recentemente, adotada pela União Europeia. A UE, ao promover a passagem de sistemas de segurança social guiados pelo princípio de redistribuição para sistemas de capitalização, tem contribuído para um recuo da provisão pública de pensões em todos os Estados-membros. Com efeito, prevê-se que os rácios de cobertura (fração de pensionistas na população acima de 65 anos) e de substituição (fração da pensão média sobre o salário médio) venham a cair para a generalidade destes países.

A presente crise financeira, embora vincando a vulnerabilidade dos fundos de pensões privados face à volatilidade financeira, tem-se apresentado como uma oportunidade para o aprofundamento desta agenda política. A União Europeia, ao alertar para o problema da adequação das futuras pensões, reorientou a sua agenda no sentido da promoção da poupança e de maiores contribuições para sistemas privados (canalizados para os mercados financeiros). No entanto, esta tendência de individualização e privatização dos planos de reforma deve ser avaliada tendo em conta o atual contexto de precarização das relações laborais e aumento do desemprego. Fatores que colocam em risco as contribuições dos trabalhadores e, consequentemente, as suas pensões futuras. O aparente aumento da riqueza financeira, produto da financeirização das famílias, deve por isso ser avaliado à luz do provável aumento da desigualdade e da vulnerabilidade social na Europa.


Nota: Atividade no âmbito do FESSUD - Financialisation, economy, society and sustainable development projeto que integra diferentes tradições e métodos disciplinares tendo em vista a proposta e desenvolvimento de uma agenda política que contribua para um sistema financeiro sustentável. Constituído por 16 equipas de diversas nacionalidades, o programa de investigação é assumidamente pluralista e, através da construção de alianças entre as ciências sociais, procura explicar e compreender de que modo a finança pode melhor servir necessidades económicas, sociais e ambientais das sociedades contemporâneas.