Gender workshop

Boys will be boys: you just have to be a good girl. Uma perspetiva crítica sobre o assédio sexual

Ana Oliveira (CES)

30 de abril de 2014, 17h00

Sala 2, CES-Coimbra

Resumo

O reconhecimento da igualdade de direitos entre mulheres e homens, consagrada na Constituição da República Portuguesa, em 1976, tem sido confrontado com micro e macro resistências, de ordem relacional e estrutural, que condicionam a cidadania plena das mulheres. A desigualdade sexual permanece uma importante forma de violência e hierarquização, constituindo o assédio sexual contra as mulheres uma evidência dessa realidade, disseminada tanto de forma manifesta, como subtil. Trata-se de um fenómeno com contornos invasivos e invisíveis, alimentado por lógicas estereotípicas e pouco protegido do ponto de vista legislativo, apesar dos significativos avanços registados em Portugal nas últimas décadas.

Os Planos Nacionais para a Igualdade têm vindo a aproximar-se desta problemática, não lhe conferindo, no entanto, a atenção e a concretização que ela merece. O mesmo pode dizer-se relativamente à legislação sobre assédio no Código do Trabalho e na Constituição da República Portuguesa. Não obstante, apesar das fragilidades de implementação, o assédio sexual no local de trabalho tem sido alvo de diretivas europeias e de políticas nacionais, ao passo que o assédio sexual nos espaços públicos tem uma menor visibilidade na agenda política e não é reconfigurado como um comportamento antijurídico. A espacialização de tal conceito e os contornos do que poderá constituir assédio sexual têm sido trazidos a debate sobretudo a partir de uma ideia inofensiva de piropo, desvalorizando ou relativizando, entre outros aspetos, a sua incidência, impacto e o seu significado, a tensão entre autonomia e vulnerabilidade dos sujeitos, a legitimidade e os modelos regulatórios ou mesmo uma eventual autonomização criminal de tais condutas. A menorização e caricaturização de tais condutas tem, portanto, pautado grande parte da receção pública do tema, à semelhança, aliás, das longas negociações que ocorreram em torno da violência doméstica: veja-se a evolução da consciência social sobre a gravidade e censurabilidade do fenómeno, bem como os modos de construção de consensos políticos e epistémicos sobre o que é ou não violento e aceitável – com as respetivas consequências na esfera penal.

Este gender workshop parte da seguinte interrogação: se já foi admitido – após as ações positivas – o comportamento antijurídico do assédio sexual no Código do Trabalho, o que impede o alargamento da sua censurabilidade jurídica aos espaços públicos? Tal questão não ignora a natureza desigual das relações de trabalho – argumento aliás que está na origem do nascimento do próprio direito do trabalho – e o modo como este desequilíbrio confere especial vulnerabilidade às vítimas, porque submetidas a uma hierarquia baseada no exercício de poder e na obtenção de vantagens sobre a/o subordinada/o. O que se debate é se poderá esta ideia ser pensada no quadro das relações sociais tout court, marcadas pelas desigualdades sexuais.

A parca investigação, em Portugal, sobre esta temática centra-se sobretudo em formas de assédio no local de trabalho ou em aspetos psicológicos desta forma de violência. Importa, todavia, desenvolver uma abordagem estrutural e sistémica, que repolitize o fenómeno enquanto produto específico de um sistema de relações de poder. A teoria feminista do direito, na sua diversidade de perspetivas, constitui um referencial com particular utilidade, abrindo espaço à problematização do assédio sexual tanto a partir de baixo – com base no vasto campo da consciência jurídica –, como a partir do debate sobre o papel, a legitimidade e a pertinência do Estado e das instituições na regulação das relações sociais.

 

Artigos em discussão

Tinkler, Justine E. (2012), “Resisting the Enforcement of Sexual Harrassment Law”, Law & Social Inquiry, 37 (1), 1-24.

Blackstone, Amy; Uggen, Christopher; McLaughlin, Heather (2009), “Legal consciousness and Responses to Sexual Harassment”, Law & Society Review, 43(3), 631-668.

[Quem desejar participar e ler previamente os artigos em discussão deverá enviar um e-mail para gw@ces.uc.pt]



Nota biográfica

Ana Oliveira é socióloga e investigadora júnior do CES, membro do Núcleo de Democracia, Cidadania e Direito, integrando, atualmente, o Projeto de Investigação "THB:COOPtoFIGHT - The fight against trafficking in human beings in EU: promoting legal cooperation and victims' protection", coordenado por Boaventura de Sousa Santos, financiado pela Comissão Europeia. Licenciada em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e mestre em Sociologia da Música pela Universidade de Edimburgo, é, desde 2011, doutoranda no Programa de Estudos Feministas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.