ECOSOL - Economia Solidária

Seminário #19 | «Conversas Desconfinadas»

Representações mediáticas, alterização e securitização na pandemia

Ana Cristina Pereira

Gaia Giuliani

Rita Santos

Sílvia Roque

10 de novembro de 2020, 16h00 (GMT)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 10 de novembro a 19ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, esta semana no âmbito do projeto (DE)OTHERING - Desconstruindo o Risco e a Alteridade: guiões hegemónicos e contra-narrativas sobre migrantes/refugiados e "Outros internos" nas paisagens mediáticas em Portugal e na Europa, e dedicada ao tema Representações mediáticas, alterização e securitização na pandemia.

A sessão teve início com a apresentação de Sílvia Roque, que abordou como os migrantes, refugiados e outros grupos são discutidos durante a pandemia. Estas pessoas são na prática racializadas, apesar de serem internas à comunidade nacional são vistas como externas. A questão central é de que forma durante a pandemia estas narrativas adquiriram um pendor mais fortemente relacionado com questões de segurança e de punição através de discursos sanitários.

Nota-se um uso recorrente de expressões que remetem para uma linguagem bélica: “frente de batalha”, “heróis”, etc. E estas analogias, perante um inimigo invisível, contribuem para o tornar mais visível, centrando em determinados grupos. Simultaneamente, verifica-se uma contestação a este tipo de produção de alteridades anti-higiénicas, contra as medidas de segurança e como isso vai sendo contestado fundamentalmente pela sociedade civil e expressadas na comunicação social.

A investigadora introduziu também o conceito de pânico moral, que está relacionado com a identificação e criação mediática de um determinado problema social (como a pandemia), exagerando-o e dando-lhe uma dimensão que não tem reflexo na realidade, encontrando um grupo que consideram desviante às normas sociais e o culpabilizam pela transgressão das normas. Os media têm um papel-chave na promoção do pânico moral.

Sílvia Roque abordou também o caso dos refugiados que foram temporariamente alojados em hosteis, assim como discursos reproduzidos pela comunicação social sobre focos de contaminação nestas comunidades, descurando, porém, a falta de alimentos, de medidas de segurança, materiais de proteção ou as condições indignas em que muitos se encontravam.

Ana Cristina Pereira deu continuidade à apresentação, começando por frisar que os efeitos da pandemia não são iguais para todos e afetam de forma particularmente agressiva grupos racializados, pessoas indocumentadas, migrantes em geral, assim como mulheres. As vítimas de violência doméstica viram os seus mecanismos de apoio ser significativamente reduzidos e tiveram de conviver mais tempo dentro de casa com os seus agressores. Apesar de medidas de apoio do Governo, continuam a estar à margem as mesmas pessoas, como os trabalhadores do sexo, que são frequentemente racializadas e imigrantes.

Outro caso abordado foi o da proposta de confinamento especial das comunidades de pessoas ciganas, apresentada pelo partido Chega, que era inconstitucional. A iniciativa foi amplamente divulgada pela comunicação social, tendo tido um tratamento noticioso que vai ao encontro da narrativa do senso comum que vigora em Portugal sobre a etnia cigana e serviu para alimentar o sentimento de discriminação para com estes indivíduos.

Também as comunidades africana e afrodescendente foram retratadas como particularmente resistentes a cumprir regras e perigosas para o resto da população. A tendência para a categorização dos negros como violentos, desordeiros e propensos ao abuso de álcool e drogas é comum em Portugal e foi reforçada com o tratamento noticioso da comunicação social sobre notícias alusivas à pandemia e que visavam estas comunidades.

Para terminar a apresentação, Gaia Giuliani alargou a discussão ao resto do mundo para destacar semelhanças e diferenças com o caso português. A questão da guerra ao inimigo invisível materializou-se no corpo das pessoas que se definem como marginais, mas que estão expostas de forma diferente aos perigos da pandemia.

O caso de Itália aproxima-se ao português em alguns aspetos. Fala-se muito de pânico moral, do medo, da invasão. A invasão é retratada como algo que redefine os papéis masculinos dos defensores, como se exemplifica no caso de Matteo Salvini, da sua figura de “capitão” e do seu discurso da salvação moral, física, eugénia, política e económica.

A investigadora concluiu sublinhando que um olhar focado na nação e na Europa é hoje mais destrutivo do que sempre e que não resolve problemas transfronteiriços como a pobreza e a vulnerabilidade.


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