CES (com)vida 2020
Pandemia, crise económica e mudança
Hugo Pinto
Ainda não sabemos a magnitude da crise económica que se avizinha. Mas ela será grande. A Comissão Europeia prevê uma contração da zona Euro de 7.7% em 2020. A pandemia é considerada um choque simétrico, como designam os economistas, uma vez que todos os países e regiões irão ser afetados. No entanto, a capacidade de responder ao choque é diferenciada o que provocará impactos distintos por toda a Europa e pelo mundo.
A investigação económica sobre esta capacidade de responder aos choques – que podemos designar por resiliência – mostra que esta característica tem quatro formatos: (i) resistência que se refere a aguentar o choque; (ii) recuperação, sofrer o choque, mas recuperar rapidamente; (iii) reorientação, alterar a tática de acordo com os recursos disponíveis; e (iv) renovação, uma alteração mais profunda, envolvendo a estratégia e modificando recursos e capacidades disponíveis.
Esta clarificação é relevante porque a crise vem aproveitar-se das debilidades dos sistemas económicos. Tal como o novo coronavírus ataca com mais força aqueles que têm debilidades, assim o faz também a crise económica. Voltar à “normalidade”, um regresso ao “passado” pode não ser o melhor, quando o “normal” era parte do problema. Por este motivo é preciso mudar.
O capitalismo contemporâneo deveria mudar porque o seu carácter financeirizado e desconectado da economia real ficou bem patente com a pandemia. Mas também tem de mudar a economia portuguesa, no sentido da intensificação tecnológica, da recuperação da capacidade produtiva, da mudança estrutural, da diversificação. Deverá focar-se uma transição sustentável, alicerçada no consumo sustentável. Quem sabe se o Green New Deal, recentemente anunciado pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, poderá dar um impulso crucial neste tema. O Estado terá sem dúvida um papel fundamental na resolução dos problemas societais. A obsessão com o crescimento económico terá de ser reduzida. É bem provável que a ideia de “decrescimento” entre gradualmente no léxico dos economistas, dos governantes e das pessoas em geral.
Finalmente, quero terminar com a ideia da importância crucial da universidade. As décadas recentes mostraram que a informação e o conhecimento não são suficientes para a sociedade caminhar num sentido desejável. Nunca houve tanto acesso à informação como hoje. Mas sem os valores certos, éticos e morais, a sociedade do conhecimento nunca será uma sociedade de sabedoria. E precisamos muito de sabedoria. Para ultrapassar a pandemia, a crise económica, a emergência climática que ainda aí está. A universidade é o lugar para criar não só conhecimento novo, especialistas, mas cidadãos com valores.
Este texto foi exibido na rúbrica “Conversas com a Ordem”, dia 12/05/2020, no âmbito do protocolo da Rádio Solar FM (94.0) com a Ordem dos Economistas - Delegação Regional do Algarve.