Seminário #15 | «Conversas Desconfinadas»
O direito e a justiça durante e no pós-pandemia
Alex Ferreira Magalhães
João Pedroso
13 de outubro de 2020, 16h30 (GMT +01:00)
Evento em formato digital
Relatório do Seminário
Decorreu no dia 13 de outubro a 15ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema O direito e a justiça durante e no pós-pandemia.
A sessão iniciou-se com a apresentação de Alex Ferreira Magalhães, com o investigador a mencionar a produção legislativa no contexto da pandemia no Brasil, acompanhado também de inúmeras iniciativas do Ministério Público e demais órgãos jurídicos do país, numa manifestação de ativismo do Estado perante o COVID-19. A pandemia também provou um surgimento de iniciativas no campo da sociedade civil, no sentido de fazer face às necessidades que o Estado brasileiro não conseguiu dar resposta, em não pequena parte devido ao negacionismo que grassa várias partes do planeta e ao comportamento irresponsável de alguns decisores.
Também foi referido o aumento do número de despejos no Brasil durante a pandemia, sendo que no estado de São Paulo duplicaram no segundo trimestre de 2020 face ao primeiro trimestre, totalizando cerca de 80 mil vítimas de despejo ou em processo de despejo em todo o país desde o início da pandemia até ao momento. Os dados destas situações têm sido produzidos sobretudo pelas universidades públicas em parceria com movimentos sociais.
Alex Ferreira Magalhães concluiu questionando se a pandemia não estará a ser uma janela de oportunidades para o que de pior há na humanidade, como a obtenção de lucros exorbitantes, os danos ambientais em trajetória crescente pela exploração dos recursos naturais, a flexibilização de limites impostos aos gestores e administradores públicos – sempre em nome do combate à pandemia. Em suma, uma exploração da Terra menos socialmente vocacionada.
Seguiu-se a intervenção de João Pedroso, a qual abordou a regulação política, jurídica e social nas sociedades do século XXI através do conceito de desordem, no sentido de um conjunto de desordens que se instalaram na sociedade ainda antes da pandemia e que geravam erosão da democracia e do Estado de Direito Democrático e social, materializando a ideia de que os mercados globais venceram a Constituição dos Estados e manifestando-se naquilo que Casimiro Ferreira designou de sociedade de austeridade, ao invés de sociedade de bem-estar.
Aludindo a Boaventura de Sousa Santos, a pandemia não é algo intermitente e é importante que tenhamos em consciência que a pandemia não vai acabar amanhã e faz parte da vida e da biodiversidade que venha outra pandemia. E sendo assim, mantêm-se todas as desordens que existiam antes da pandemia, agravam-se as desigualdades sociais decorrentes do confinamento, mas o que é que mudou? O que mudou foi a nossa configuração do medo, que antes era um medo moderno ou pós-moderno, que tinha a ver com a segurança da vida na sociedade e voltámos ao medo pré-moderno da peste, tendo o autor exemplificado com obras de Foucault e Camus.
Abordando a produção do direito na pandemia, João Pedroso destacou que Portugal não abrandou a produção legislativa durante a pandemia, tendo a nova legislação seguido duas tendências: um foco nos direitos sociais para fazer face às desigualdades e tentativas de regular os mercados (nacionais ou internacionais) através de novas leis.
O primeiro comentário da sessão coube a Patrícia Branco, que falou no que é possível tirar de positivo da pandemia, em termos de mudanças para melhor. Um destes casos é o das reivindicações, que se manifesta na oposição entre rua e confinamento. A rua é o palco das reivindicações e é na rua que a cooperação e o espírito comunitário têm emergido, sendo possível que esta resiliência perdure após o fim da pandemia.
A investigadora também falou da solidariedade que se tem verificado, não só entre pessoas, da parte das instituições, através de medidas de apoio e proteção ao emprego, suspensão dos despejos, suspensão do corte de serviços da água, eletricidade e telecomunicações, etc.
O último comentário ficou a cargo de Sara Araújo, tendo a investigadora começado por falar de como a pandemia constitui um breaching experiment, permitindo-nos constatar como a sociedade realmente funciona e de vermos quais as formas de opressão, quais as desordens que existiam anteriormente à pandemia, quem era verdadeiramente afetado, quais são as populações mais excluídas e quais as principais zonas de exceção.
Ficou evidente que são as periferias quem mais sofreu com a pandemia. Houve um agravamento das assimetrias, das desigualdades, da precarização e são também estes quem mais sofrerão com as várias formas de violência. Sempre existiram zonas de exceção e a pandemia não alterou isso. Contudo, não só se agravaram essas zonas de exceção como a classe média se tem vindo a aproximar das linhas abissais.