Seminário #18 | «Conversas Desconfinadas»
Economia Social e Solidária e o Papel do Estado
Luciane Lucas dos Santos
Pedro Hespanha
Sílvia Ferreira
3 de novembro de 2020, 16h00 (GMT)
Evento em formato digital
Relatório do Seminários
Decorreu no dia 3 de novembro a 18.ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema Economia Social e Solidária e o Papel do Estado.
O seminário iniciou-se com a apresentação de Luciane Lucas dos Santos, investigadora do Centro de Estudos Sociais e cocoordenadora do grupo de Estudos sobre Economia Solidária do CES (ECOSOL). A presentação começou por abordar o imaginário focado no mercado, que se mantém durante a pandemia e impede-nos de ver outras soluções. O mercado não está em sintonia com as necessidades das pessoas, como pudemos ver nos preços exorbitantes de produtos como álcool, gel desinfetante, luvas ou máscaras observados no início da pandemia.
A investigadora também discutiu como quando a desigualdade e a vulnerabilidade social são lidas como pobreza, isso induz a um erro nas soluções produzidas. Durante a pandemia as assimetrias foram reforçadas, apesar de não estar diretamente relacionadas com pobreza, mas antes com outras formas de desigualdades, tais como desigualdades no espaço laboral, a maior pressão sobre as mulheres ou os constrangimentos materiais vividos pelos residentes de bairros sociais.
Para concluir, Luciane dos Santos deixou algumas questões em aberto sobre a economia social e solidária em Portugal, como as reiteradas ausências dos grupos vulneráveis na agenda europeia da economia solidária, como as pessoas de etnia cigana, os imigrantes, os afro-europeus ou os sem-abrigo. Deixou ainda a questão: como é que a economia solidária se tem preparado para fomentar uma relativa independência do modelo de assistência prestado pelo Estado?
Seguiu-se a apresentação de Pedro Hespanha, investigador do Centro de Estudos Sociais e também cocoordenador do grupo do ECOSOL, que falou num estudo prospetivo realizado no âmbito do Observatório sobre Crises e Alternativas do CES sobre as iniciativas solidárias de primeira linha em Portugal, sobretudo no período de confinamento. Estas iniciativas, apesar de muito abundantes e diversas, ainda não são bem conhecidas. Mas não se deve assumir que estas iniciativas provieram de coletivos já organizados e envolvidos em práticas solidárias – muitas dessas práticas são inovadoras, aparecem de um modo quase espontâneo e relacionam-se com as redes de solidariedade primárias: vizinhos, parentes e amigos. E nem sempre esta solidariedade é uma solidariedade igualitária e democrática, sendo, por vezes, paternalista, filantrópica ou até mesmo oportunista.
Pedro Hespanha explicou ainda o que estas manifestações de solidariedade trouxeram de novo, novas formas de compromisso social para melhorar o bem-estar das comunidades, conseguindo tornar aceitáveis as regras sanitárias como o confinamento, o distanciamento físico ou a etiqueta pessoal que limita fortemente a autonomia, permitiram mobilizar esforços e recursos para atender às necessidades básicas, intensificar, numa lógica de reciprocidade, atenção e cuidados para aqueles que mais sofrem, e revitalizar antigas formas de ação coletiva baseada na confiança e solidariedade entre iguais para responder a novas exigências.
A terceira apresentação coube a Sílvia Ferreira, investigadora do Centro de Estudos Sociais, que abordou alguns dos aspetos formais da economia social e solidária em Portugal. A investigadora começou por falar na Conta Satélite da Economia Social e do peso que este setor tem na economia nacional, destacando as quase 72 mil entidades que a compõem e as mais de 236 mil pessoas que empregam. As organizações que mais peso têm na economia social são as de cultura, comunicação e atividades de recreio, seguindo-se as religiosas, os serviços sociais e as atividades de intervenção cívica, jurídica, política e internacional. No que toca aos grupos de entidades, as associações com fins altruísticos são as mais comuns, representando perto de 93% das entidades da economia nacional.
Sílvia Ferreira mencionou também o Inquérito ao Setor da Economia Social promovido Instituto Nacional de Estatística, frisando o número de pessoas que estão relacionadas, inscritas, que são membros ou associados das organizações da economia social, que se aproxima dos 20,5 milhões, significando este valor que, em média, cada pessoa em Portugal está ligada a duas organizações da economia social, o que atesta o quão presentes estas organizações estão no nosso quotidiano. A investigadora salientou ainda que, de entre as IPSS, que são das entidades mais importantes da economia social, as mais comuns são as de serviços sociais (56%), seguindo-se as de saúde (26%) e as de educação (6%). As IPSS detêm também cerca de 60% dos equipamentos sociais e representam mais de metade dos trabalhadores da economia social.
Beatriz Caitana, investigadora do CES e membro do projeto URBiNAT fez o primeiro comentário da sessão, focando-se no conceito de solidariedade. No caso do Brasil, deu o exemplo da recente experiência do banco comunitário – uma instituição de desenvolvimento territorial financiado por empresas –, concebido para providenciar apoio de emergência para assegurar o acesso a alimentos, produtos de higiene ou limpeza, criando também uma moeda social.
A investigadora falou ainda nas condições pré-existentes e antecedentes, como as desigualdades raciais, que afetam particularmente a população negra do Brasil e a torna mais vulnerável à COVID-19 que as restantes populações, algo espelhado pela maior taxa de mortalidade da população negra no país. Pesa ainda o acesso aos serviços públicos, aos cuidados de saúde, aos recursos e ao acompanhamento educacional.
Para encerrar a sessão, Eber Quiñónez, investigador do ECOSOL, falou sobre o conceito de sindemia, que coloca em causa as nossas fragilidades, sistemas societais, na articulação de condições de saúde, pobreza, vulnerabilidade, cada vez mais visíveis. A sindemia coloca em causa a sociedade, mas não como o sistema capitalista está organizado, que é equivalente a dizer que não coloca em causa o que nos trouxe até aqui. Quando o surto de COVID-19 se globalizou e foi decretada a pandemia, os governos foram apanhados de surpresa e tiveram que tomar medidas de emergência para salvaguardar as necessidades básicas permanentes, entre as quais os bens-alimentares, que nunca deixaram de transitar.
O investigador referiu como exemplo o combate ao desperdício alimentar como prática de aproveitamento alimentar com fins solidários que aumentou com a pandemia, devido ao agravamento das carências alimentares causadas pela perda de emprego e quebra de rendimentos. Mas a pandemia também permitiu que se repensasse a produção local e que se torne, assim, mais independente de importações.