Ciclo de Debates
Religião, nacionalismo, neofascismos
2017
Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa)
Enquadramento
Parecem existir teorias segundo as quais duas linhas retas, no infinito, poderão encontrar-se. Vivemos num tempo pródigo em “linhas cruzadas”, nas quais interferências em discursos e práticas do outro não constituem diálogos, mas sim formas de tentar eliminar a diversidade, o pluralismo, a hospitalidade como um princípio político nas democracias. Pensamos, nomeadamente, na questão do burkini, na ascensão vertiginosa do populismo e no crescimento de movimentos políticos de extrema-direita que reclamam o fechamento da Europa sobre si, ou ainda nos argumentos religiosos proferidos pelos apoiantes da destituição da Presidente do Brasil, como formas de manter a identidade e a segurança. Um dos elementos invocados para este fechamento é religioso: por um lado, invoca-se a laicidade, falando-se, afinal de contas, de um laicismo que se pretende apresentar como laicidade.
De facto, enquanto o laicismo pretende dissolver a questão religiosa negando a possibilidade de múltiplas expressões públicas das religiões no espaço público, a laicidade reconhece o espaço público como um fórum onde cidadãos com opções religiosas e não religiosas participam, construindo uma casa comum. Aliás, na redução de determinados temas a uma “questão religiosa”, o que parece estar em causa é, realmente, a vontade ou a repulsa da própria possibilidade de construção de uma casa comum, mascarada consciente ou inconscientemente de debate em torno da “religião” daqueles que são todos “os outros” ou “as outras”.
Será impossível a construção de uma casa comum? Vivemos numa época histórica em que parece recuar-se ao tempo das ideias impostas demagogicamente e do não-diálogo? É que este supõe vontade política e cívica. Parece que não estamos a aproximar-nos desta etapa, já que o diálogo pressupõe que a todas as vozes é reconhecido igual estatuto de importância, sem paternalismos, sem ceder à tentação de uma arrogância que relega imediatamente a posição do outro para a inferioridade cultural e a nossa para uma suposta universalidade. Enfim, mais do que um diálogo, aquilo a que temos assistido assemelha-se a um alinhamento de discursos em paralelo, sem esperança de encontro, ou linhas cruzadas num emaranhado de equívocos.
De facto, está em causa a capacidade de construir diálogos em que se reconheça que todas e todos falam a partir de um dado lugar, da sua “casa”, no seu “idioma”, de uma posição da qual se vê o mundo. A construção da possibilidade de diálogos só é possível se não se confundir o lugar de onde se fala com o lugar de normatividade à qual terão de “obedecer” os que “entram numa casa” (seja ela qual for) já formatada à partida, sem predisposição para receber hóspedes ou sequer com atenção àqueles que deixaram há muito de ser hóspedes, mas que continuam a ser considerados como “não fazendo parte da casa”.
Será ou não o diálogo intercultural e, com ele, o diálogo inter-religioso, entre diferentes que se reconhecem mutuamente como parceiros iguais, apesar de árduo e perturbador de pensamentos dogmáticos, o futuro?
Ciclo de debates no âmbito do Observatório da Religião no Espaço Público (POLICREDOS)
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