Seminário

Obrigação ou direito? A biomedicalização da saúde e a política da saúde "positiva"

João Arriscado Nunes (CES)

9 de junho de 2011, 17h30

Sala de seminários (2º piso), CES-Coimbra

Resumo

Em 2003, num artigo publicado na American Sociological Review (Clarke et al, 2003, 2010,) era proposto o conceito de biomedicalização para caracterizar o conjunto de processos que, desde meados da década de 80, transformaram a medicina numa tecnociência, com consequências amplas e significativas no plano da redefinição do conceito e do campo da saúde, das profissões nele envolvidas, da economia política da saúde, das políticas e na constituição das subjectividades e formas de cidadania associadas à saúde. A concepção de saúde associada à biomedicalização assenta numa reorganização dos saberes em torno da molecularização, em conceitos como risco e susceptibilidade e na afirmação da saúde como uma obrigação e responsabilidade individual.

A abordagem proposta, contudo, suscita algumas perplexidades e interrogações. Para além da questão da sua adequação a contextos regionais e nacionais diferentes do dos Estados Unidos, ela parece ignorar a história mais ampla da emergência, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, de uma concepção “positiva” de saúde, entendida como um direito, a promover através de políticas públicas abrangendo domínios mais vastos do que o das políticas de saúde stricto sensu, e mobilizando modos de conhecimento para além da biomedicina. Essa concepção, proposta no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde, suscitou, ao longo de mais de seis décadas, intensos debates. No continente americano, algumas das iniciativas promovidas pela Organização Panamericana de Saúde – braço regional da OMS – e projectos nacionais como o da Reforma Sanitária no Brasil, assente no conceito de Saúde Colectiva, oferecem um ponto de entrada privilegiado para a investigação das potencialidades e dificuldades associadas à realização da saúde como direito e à sua reconceptualização nos planos epistémico e político, em termos distintos dos que configuram a dinâmica de biomedicalização.

Neste seminário, é proposta uma exploração preliminar das diferenças e tensões, mas também das intersecções/interferências entre estas dinâmicas, e do modo como procuraram realizar, por vias distintas, a ideia da saúde “positiva”, configurando políticas e subjectividades distintas, entre a afirmação da saúde como uma obrigação ou como um direito.


Nota biográfica

João Arriscado Nunes é Professor Associado com Agregação da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, co-coordenador do Programa de Doutoramento “Governação, Conhecimento e Inovação” e Investigador Permanente do Centro de Estudos Sociais. Foi Director Executivo do CES (1998-2000) Os seus interesses de investigação centram-se nas áreas dos estudos de ciência e de tecnologia (em particular, da investigação biomédica, ciências da vida e da saúde pública, da relação entre ciência e outros modos de conhecimento), da sociologia política (democracia, cidadania e participação pública, nomeadamente em domínios como ambiente e saúde) e teoria social e cultural (com ênfase no debate sobre as “duas culturas”).

Tem participado em vários projectos nacionais e internacionais (com coordenação de equipas portuguesas) entre os quais se incluem “Deepening Ethical Engagement and Participation in Emerging Nanotechnologies – DEEPEN”; "Researching Inequality through Science and Technology - ResIST", "Governance, Health and Medicine. Opening Dialogue between Social Scientists and Users - MEDUSE", financiados pela Comissão Europeia. É ainda membro das redes European Neuroscience and Society Network - European Science Foundation e Public Health Genomics European Network – PHGEN. Tem coordenado e (co) organizado vários eventos científicos nacionais e internacionais, entre os quais se destaca o Ciclo "Ciências da Vida e Sociedade: Desafios da Era Pós-Genómica" (2007/08) (em colaboração com o Centro de Neurociências da Universidade Coimbra) e “Exploring Biomedicine” (2007), em colaboração com o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e o Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto.

Foi co-organizador dos livros Enteados de Galileu: A Semiperiferia no Sistema Mundial da Ciência (Porto: Afrontamento, 2001); Reinventing Democracy: Grassroots Movements in Portugal (London: Frank Cass, 2005) e Objectos Impuros: Experiências em Estudos Sobre a Ciência (Porto: Afrontamento, 2008) e autor de publicações diversas. É membro do Conselho Editorial revista Ciência e Trópico (Fundação Joaquim Nabuco). Foi membro do Conselho da European Association for the Study of Science and Technology (EASST).

Organização: Núcleos POSTRADE e NECES