Colóquio

Mundos em Estudo

30 de novembro de 2010, 09h00

Sala de seminários (2º piso), CES-Coimbra

Resumo das comunicações

 

     

1- Carmen Diego. “Catástrofes Naturais: Risco de DSPT, Vulnerabilidade, Resistência e Medidas Preventivas”.


A vulnerabilidade e a resistência, tanto colectivas como individuais, são dimensões essenciais da componente sócio-psicológica da exposição a catástrofes naturais, descrevendo o nível a que uma sociedade e os indivíduos estão susceptíveis a, e/ou são capazes de, uma reconstrução positiva, ultrapassado, a curto e médio prazo, os impactos de um forte terramoto. A percepção do perigo, as políticas públicas e a preparação são factores que determinam o grau de vulnerabilidade. Além disso, outro factor é a saúde mental geral de uma população e a força e vitalidade da rede de relações que suportam a dinâmica psicológica de uma comunidade, antes e depois de eventos traumáticos. A determinação dos níveis de ansiedade e de outros efeitos psicológicos, que são consequências directas e imediatas de um forte terramoto, e que consistem na perspectiva de grandes sequelas e na consciência de que os desafios a enfrentar, será particularmente difícil, em especial se tal for executado com métodos tradicionais de investigação sociológica (por exemplo, inquéritos e entrevistas). De facto, e por motivos de precisão, estas avaliações têm de ser feitas imediatamente após o terramoto, num momento em que as populações afectadas estarão, certamente, menos disponíveis ou dispostas a participar. Por esta razão, sugerimos que a exploração de textos produzidos imediatamente após o terramoto (novas comunicações, mensagens electrónicas, blogues) seja utilizada como fonte de dados brutos para a análise sociológica Isto exige uma abordagem multidisciplinar que inclua a ciência informática para a exploração de textos, a ciência estatística para a redução e modelação de dados, e a teoria sociológica para interpretar os resultados.


2- Catarina Gomes. “Poder e memória. O Estado pós-colonial angolano nas narrativas de jovens universitários na diáspora”.


O presente projecto parte da interrogação sobre a forma como a transição política de Angola e os processos formais de democratização são problematizados e avaliados por jovens universitários angolanos na diáspora. Considerando-se que a problematização e avaliação de tais processos não se efectuam no vácuo, a interrogação fundadora assume a seguinte formulação:
como a memória social densa do exercício do poder no Estado pós-colonial angolano condiciona:
a. a avaliação da transição política e dos processos formais de democratização.
a.1.Ao nível da interpretação do presente.
a.2. Ao nível das expectativas de futuro.
b. a constituição da subjectividade política, a experiência do poder e a participação pública/política.

 

3- Gisele Wolkoff. “Identidades em Poesia: o público e o privado em comparação”.


Este trabalho pretende discutir comparativamente tanto a representação quanto a constituição das identidades presentes na poesia de algumas poetas irlandesas e portuguesas que escrevem a partir da experiência do contemporâneo, considerada a época pós 1960, em Irlanda,com o advento de espaços de reinserção da mulher na publicação literária, nomeadamente, poética, por meio de um movimento iniciado com escritoras como Eavan Boland e Anne Le Marquand Hartigan e, em Portugal, pós-publicações iniciais de Sophia de Mello Breyner Andressen e das três Marias, hoje re-postulado por Ana Luísa Amaral e Helga Moreira. Assim, verificaremos de que maneiras os espaços público e privado apresentam-se em intersecção, comparativamente.

 

4- Jéssica Falconi. “Categorias em viagem”.


Numa perspectiva epistemológica, marcada pela reflexão de Said sobre as viagens das teorias e a sua apropriação em épocas e lugares diferentes, pretende-se debater a hipótese de um mapeamento da crítica académica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa produzida a partir dos meados da década de 90, focando a recepção de categorias elaboradas pelos Estudos Pós-Coloniais.

 

5- Julia Garraio. “Hordas de violadores. A instrumentalização da violência sexual no discurso anti-comunista alemão da guerra-fria”.


No discurso anti-comunista alemão da guerra-fria, a imagem do Exército Vermelho como “horda de violadores” funcionou como estratégia de exclusão na construção de uma identidade europeia. Tentarei demonstrar, através de alguns textos sofre a fuga e expulsão dos alemães da Europa Central e de Leste (Flucht und Vertreibung), como as violações de mulheres alemãs por soldados do Exército Vermelho no desfecho da Segunda Guerra Mundial foram interpretadas como produto de uma “barbárie asiática”, que se situaria nos antípodas de uma civilização europeia ocidental e cristã. Este tipo de instrumentalização contribuiu não só para demonizar a União Soviética e o Comunismo, como também fomentou a construção de uma identidade da República Federal da Alemanha como nação integrante de uma Europa regida por “valores ocidentais”.

 


6- Luciana F.M. Mendonça. “Fadista, boémia e bairrista: apontamentos sobre música e identidades na Lisboa contemporânea”.


A presente comunicação baseia-se em investigação em desenvolvimento sobre o fado na cidade de Lisboa e tem por objectivo reflectir sobre o papel do fado na construção e dinamização de circuitos culturais urbanos, bem como sobre a sua utilização como elemento identitário por parte de certos sujeitos colectivos. Embora centrada nas dinâmicas actuais do universo fadista lisboeta, exploradas principalmente por meio da observação participante, a investigação procura conectar as práticas e representações contemporâneas à história da cidade.

 

7- Maria Isaura Rodrigues Pinto. "Brasil e Portugal: literatura de cordel, invisibilidade e monocultura do saber".


Este trabalho tem o objetivo de abordar processos interativos entre o cordel do Brasil e o cordel de Portugal. O exercício de análise busca enfatizar questões relacionadas à ambigüidade do tratamento dado a essa produção, tanto no Brasil quanto em Portugal, o que faz, por um lado, que, graças ao empenho da “alta cultura”, lhe seja conferido um certo prestígio, com o seu reconhecimento como produto cultural, integrante das tradições nacionais; por outro, em face da vigência dos princípios dessa mesma classe, cuja lógica deriva da “monocultura do saber e do rigor do saber” ( SANTOS, Boaventura de Sousa), que a literatura de cordel continue a ser submetida a apreciações redutoras baseadas em critérios de valor alheios à sua escritura, o que gera formas de não-existência com efeitos de ocultação e descrédito.

 


8- Michele Grigolo. “Para uma teoria sobre direitos humanos e cidades”.


Esta comunicação apresenta o trabalho do Centre Interreligiós de Barcelona (Centro Inter-religioso de Barcelona: CIB), agora designado Oficina d’Afers Religiosos (Oficina de Assuntos Religiosos; OAR). O CIB/OAR faz a interligação entre as comunidades religiosas da cidade e, em silmultâneo, entre os departamentos municipais e a população autóctone local. Esta mediação é executada no âmbito do enquadramento dos direitos humanos estabelecido pelos documentos e outras cartas das Nações Unidas. O CIB/OAR monitoriza a difusão das comunidades religiosas por todo o território urbano há cerca de dez anos, acompanhando a crescente migração para Barcelona. Durante este período, o CIB/OAR tem vindo a envolver-se em várias questões, incluindo o direito das comunidades à prática religiosa nas praças da cidade, a construção de locais de culto e manifestações públicas. Esta comunicação analisa até que ponto o texto dos direitos humanos proporciona um enquadramento adequado para a mediação das questões acima mencionadas. Também aborda a ambiguidade intrínseca do trabalho do CIB/OAR: ao monitorizar as comunidades religiosas, o CIB/OAR acaba por contribuir para a implementação do programa de segurança local emergente.

 

9- Mihaela Mihai. “Emoção e Direito Penal”.
 

Embora ainda haja muito debate em torno da questão se “direito e emoção” constitui uma área distinta, é inegável que as emoções e as suas relações com a instituição de direito ganharam proeminência nos estudos legais. Os sociologistas notaram que esta tendência segue a “emocionalização” do discurso público sobre o crime nas sociedades modernas tardias. Na última década, testemunhámos uma ampla investigação sobre o modo como as emoções – individuais e colectivas – influenciam o direito e vice-versa. Nesta literatura em desenvolvimento, tem sido dada uma atenção desproporcionada ao papel das emoções no âmbito do direito penal. Foram utilizados os conhecimentos provenientes da filosofia, psicologia, neurociência e sociologia para, em primeiro lugar, explicar as inúmeras formas como os afectos influenciam o sistema penal e, em segundo lugar, defender a necessidade de reflectir profundamente sobre o impacto dos fenómenos afectivos na justiça.


O objectivo desta comunicação é fazer uma reflexão crítica sobre as principais conceptualizações da relação entre o direito penal e o afecto humano. Ao mapear a diversidade de posições, transmitirei o modo como uma explicação teórica da natureza das emoções determina o tipo de posição adoptada relativamente ao “destino” do afecto no domínio do direito.


A minha comunicação consistirá em duas componentes. Em primeiro lugar, irei examinar as principais contribuições teóricas sobre o estatuto das emoções no processo penal ao nível interno. De seguida, irei analisar a literatura emergente sobre a relevância do afecto em processos penais extraordinários, após atrocidades em massa. Ao explorar o papel e os requisitos do afecto nestes dois contextos pretendo oferecer uma reflexão crítica a académicos interessados na relação, controversa mas extremamente importante, entre as emoções e as instituições punitivas.

 

  

10- Silmara Cimbalista. “Cultura da empresa: sua influência no trabalho e na vida dos trabalhadores do setor automóvel português”.


O contexto de crise em nível mundial vem afetando o mundo do trabalho profundamente e seus efeitos estão influenciando o cotidiano dos trabalhadores. A organização da produção, o ambiente e as condições de trabalho são a expressão dos valores da cultura de uma empresa. Elementos como a cultura da excelência visando maior produtividade e conseqüente competitividade significam mais do que uma construção discursiva da cultura da empresa, eles pesam, sensivelmente, no desempenho desejado do indivíduo-trabalhador. Parte-se do pressuposto que o conjunto de valores da cultura da empresa é expresso em elementos capazes de atribuir significados que tanto constroem a identidade organizacional como agem como elementos de comunicação e consenso, mas que também podem ocultar e instrumentalizar relações de dominação e assimilação dos interesses da organização. Partindo do relato de trabalhadores entrevistados do setor automóvel em Portugal elabora-se uma reflexão sobre a cultura da empresa e sua influência no comportamento do indivíduo-trabalhador alterando o seu desempenho na organização e interferindo na sua vida pessoal.


11- Valerio Nitrato Izzo. “Direito, Estado e a política das catástrofes_ estratégias de regulação e vulnerabilidade social”.
 

O fenómeno das catástrofes impõe-se como uma das ameaças mais perigosas que a humanidade terá de enfrentar no século XXI. Todavia, não existe ainda um quadro teórico e analítico à altura do potencial altamente destrutivo que tais acontecimentos geram, nomeadamente a intersecção entre modelos de democracia e governação, direito, gestão do risco e protecção contra a vulnerabilidade social. A capacidade do Estado de assegurar a protecção pessoal no contexto global, através de políticas de regulação e de instrumentos jurídicos, é hoje objecto de transformação devida aos processos de extensão territorial dos riscos, que não se limitam exclusivamente às fronteiras nacionais, num contexto de crescente, porém incompleto, quadro de integração a nível comunitário, cosmopolita e pós-colonial. Esta comunicação pretende, assim, analisar a relação entre direito e catástrofe como ponto focal da evolução das formas jurídicas contemporâneas e do impacto na prevenção e gestão dos riscos nas democracias hodiernas.

 

 

12- Virgílio Amaral. “O ´Caso República´e a Retórica nos Discursos Políticos. Um contributo para a análise dos Discursos Políticos no pós 25 de abril”.


O presente estudo teve como objectivo perceber através de práticas discursivas veiculadas na imprensa, a forma como dois grupos políticos (o Partido Socialista e o Partido Comunista Português) construíram o significado de um acontecimento histórico português – o conflito no Jornal República, no pós revolução 25 de Abril.Enquadrada nos pressupostos de uma “proposta pós-moderna” de análise retórica de discurso (Billig, 1991; Castro, 2002; Potter, 1996) procedeu-se à análise de um corpus constituído por treze notícias divulgadas por cada um dos jornais oficiais dos partidos (“Portugal Socialista” do PS, e “Avante!” do PCP) num total de vinte e seis notícias seleccionadas, no período compreendido entre Maio e Julho de 1975. No discurso socialista o caso República é construído como argumento retórico que invoca aquilo a que se opõe – o “totalitarismo” da actuação comunista, promovendo uma mobilização que, num contexto de legitimidade eleitoral, convoca os portugueses à luta pela “liberdade de expressão” em Portugal, através de uma generalização retórica do caso. No discurso comunista a retórica do argumento conspirativo associado a uma bipolarização da realidade política em torno do caso República serve o propósito de legitimar a “actuação revolucionária” em oposição a uma “liberdade burguesa”. A análise do discurso numa perspectiva retórica permitiu sublinhar o carácter implícito da reconstrução do significado do conflito, subjacente à argumentação apresentada pelos dois grupos políticos em confronto. Em foco estão as diferenças ideológicas e a condução do poder político do país, tendo como propósito a persuasão dos portugueses a legitimar ou uma ou outra proposta – num contexto de confronto entre legitimidades (eleitoral vs revolucionária).