International conference

Bridging the Divide: Histories, Ethnographies and Agencies in the Liberation Wars in Angola, Mozambique and Guinea-Bissau

May 23, 2019, 09h00

Room 1, CES | Alta

Bio notes/Abstracts

Boaventura Sousa Santos

Corpos em luta: resistências e convivências

Boaventura Sousa Santos é Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973) e Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. Foi também Global Legal Scholar da Universidade de Warwick e Professor Visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres. É Director Emérito do Centro de Estudos Sociais e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça.

 

Maria Paula Meneses

Um lado silenciado da luta nacionalista: amizades e encontros íntimos nas franjas da guerra em Moçambique

Maria Paula Meneses é Investigadora coordenadora do CES e do projeto BLEND. Co-coordenadora do programa de doutoramento em "Pós-colonialismos e cidadania global" do CES, professora em vários doutoramentos (CES-UC) e na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Os seus temas de investigação centram-se sobre os debates pós-coloniais em contexto africano, o pluralismo jurídico, o papel da história oficial, da(s) memória(s) e de “outras” narrativas de pertença nos processos identitários contemporâneos.

 

Sessão 10h30


Maria da Conceição Neto

‘Com quem vou falar essas conversas?’. A história (quase) esquecida das centenas de mulheres e crianças detidas no campo prisional de São Nicolau (Angola 1961-1974)

São Nicolau, no sul de Angola, foi o maior campo de prisioneiros políticos do império português. Passaram por ali alguns milhares, a maioria sem qualquer julgamento. Vindos de todas as regiões e dos mais diversos meios políticos, religiosos e profissionais, havia entre eles largas centenas de mulheres e crianças. Destas, o maior grupo era o de camponesas do norte de Angola retiradas à força das suas aldeias, em 1969, no âmbito de uma operação militar mais geral que visava impedir o avanço da guerrilha independentista. Esse caso de punição colectiva foi quase totalmente esquecido na Angola independente, por razões que ultrapassam o óbvio domínio masculino no espaço político e na memória da luta anticolonial. O texto procurará também sublinhar a resiliência de mulheres e homens no Campo de São Nicolau, transformando um lugar de humilhação e morte num espaço de vida e de esperança.

Maria da Conceição Neto é Historiadora, doutorada em História da África na School of Oriental and African Studies (Universidade de Londres), e professora na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto. Na sua área de investigação (História de Angola do século XX, período colonial) tem diversos artigos em revistas especializadas e participação em livros. Foi investigadora convidada no CEAN (Bordéus 1999) e na EHESS (Paris, 2009). De 2010 a 2016 foi consultora de História do Projecto "Angola – nos Trilhos da Independência", da Associação Tchiweka de Documentação (ATD), que reuniu um vasto acervo audiovisual (cerca de 600 entrevistas relacionadas com a luta pela Independência de Angola e filmagem de muitos locais históricos) e resultou também no documentário "Independência”.

 

Mustafah Dhada

Survivor Narratives and Mass Violence in Portugal's Colonial Wars

Narratives of survivors of mass violence in Portugal's colonial wars have tended to focus on men. Women are either silent or passively referenced in survivor narratives authored by men. My own work on the Wiriyamu massacre is not exception. This paper explores the lacuna in that recent text; the reasons behind this lacuna, and then seeks to remedy this marginalization of women's voices in mass violence historiography by hosting two voices absent in the earlier monograph. Both voices are presented in redacted formats; one depicts an escape from a hut on fire acting as an adobe oven; and the other giving us a birds-eye view from an airborne helicopter of the killing fields of Wiriyamu. The paper concludes with a brief reflection on two issues: the impact that these eyewitness accounts have in the previously published monograph; and the need for more gender-balanced narratives of mass violence in contemporary history in this field of inquiry.

Mustafah Dhada é Autor de “Warriors at Work: How Guinea was really set free” (1993), nasceu em Moçambique, licenciou-se na Universidade de Sussex e concluiu o seu doutoramento em Oxford. Professor de história de África e Médio Oriente na California State University, Bakersfield campus, e Investigador do CES. Terminou recentemente um estudo precursor intitulado “The Portuguese Massacre of Wiriyamu in Colonial Mozambique” publicado pela Bloomsbury Academic e em Português pela Tinta da China.

 

Sofia da Palma Rodrigues

"Fomos carne para canhão": a participação dos Comandos Africanos nas Forças Armadas Portuguesas na Guiné

Os Comandos Africanos desempenharam um importante papel no seio das Forças Armadas Portuguesas na Guiné, no entanto, a sua presença é praticamente omissa na narrativa colectiva, nos arquivos e na história oficial que, tanto Portugal como a Guiné-Bissau, ergueram sobre a Guerra Colonial/ de Libertação neste território.  Aquilo que hoje sabemos sobre estes homens é fruto da memória institucional de dois projectos políticos nacionalistas, onde as vozes e as experiências das pessoas comuns tendem a ficar de fora. Em contraponto, as memórias pessoais dos que têm a guerra inscrita no corpo fazem emergir outros relatos que não só não se encaixam, mas, por vezes, contrariam os anteriores. São memórias plurais que contêm, no seu âmago, experiências vividas, percepções individuais, afectos... o mundo privado dos que travaram uma guerra pública. Esta comunicação pretende debater o lugar destas memórias, a violência do seu silenciamento e o seu potencial para fazer emergir uma história outra, baseando-se na recolha de micro-narrativas onde os homens que fizeram parte da I, II e III Companhia de Comandos Africanos na Guiné contam, na primeira pessoa, a sua versão da História.

Sofia da Palma Rodrigues é Doutoranda do programa “Pós-Colonialismos e Cidadania Global” do CES. Estuda as micronarrativas que relatam as vivências e os afetos experienciados pelos Comandos Africanos das Forças Armadas Portuguesas na Guerra de Libertação e na descolonização da Guiné-Bissau. É mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, com a tese “Guerra Colonial: que jornalismo? Como o jornal O Século abordou o início do conflito ultramarino português”.

 

Natércia Coimbra

Colonialismo e guerra colonial nos arquivos do CD25A: que vozes se escutam numa pesquisa documental bem sucedida

Com esta apresentação pretende-se dar a conhecer aos investigadores alguns dos fundos e colecções dos CD25A importantes para o projecto BLEND, indicar estratégias de pesquisa bibliográfica e documental e alertar para  eventuais limitações ao acesso integral ao conteúdo de fontes primárias.

Natércia Coimbra é Coordenadora técnica do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra desde 1985, sendo responsável pela gestão das coleções e pelo Arquivo Digital. É licenciada em Direito e tem o curso de Bibliotecária Arquivista, pela UC. Investigadora associada do CES, tem integrado vários projetos relacionados com arquivos pessoais sobre a história portuguesa da segunda metade do século 20, com especial destaque para a oposição e exílio, a guerra colonial e os antecedentes e consequências da revolução de 25 de Abril de 1974.

 

Sessão 14h30

 

Raquel Ribeiro

‘Comunidades afectivas’ transatlânticas: o internacionalismo cubano e a ‘política da amizade’

Partindo da ideia da 'excepcionalidade' de Cuba em relação à América Latina, ao mundo socialista (até 1991) e a outros processos revolucionários emancipatórios no Sul Global, este ensaio discutirá as origens do internacionalismo cubano pós-1959 como uma 'política da amizade' (Derrida) consciente e íntrisenca à identidade da Revolução. Dentro desse processo, Cuba não só 'exportou' o seu modelo revolucionário para a América Latina, e em apoio várias guerras de libertação em África (nomeadamente, Lusófona), mas também pretendeu exportar o seu modelo de estado para vários países africanos depois das suas independências (nomeadamente, Angola). Assim, partindo de alguns testemunhos de internacionalistas cubanos na Guiné e em Angola, este ensaio analisará como Cuba não só exportou um 'modo de fazer' socialismo ou revolução, exportou tambem uma re-interpetração de conceitos como 'irmão', 'camarada' ou 'companheiro', criando uma 'comunidade afectiva' (Gandhi) transatlântica, até certo ponto, artificial.

Raquel Ribeiro é Jornalista, crítica literária, romancista e investigadora doutorada. É professora de Estudos Portugueses na Universidade de Edimburgo, na Escócia. O seu livro The Angolan Syndrome? Cultural Representations of the Cubans in Angola (forthcoming) analisa a produção cultural (cinema e literatura) angolana e cubana a partir da intervenção de Cuba na guerra civil de Angola. Como romancista, publicou Este Samba no Escuro (Tinta da China, 2013) e Europa (Asa, 2002).

 

Marisa Ramos Gonçalves

Solidariedades a Sul e a independência de Timor-Leste – influência e papel de Moçambique

O colonialismo português proporcionou, ainda que inadvertidamente, uma circulação de pessoas e ideias que questionavam o projeto colonial e projetavam futuros pós-coloniais. Este artigo analisa as ligações desenvolvidas entre os movimentos nacionalistas de Moçambique e Timor-Leste, unidos em torno da luta contra o projeto colonial. A história destes encontros, marcada pela solidariedade com o movimento pela independência de Timor-Leste a partir de 1975, está praticamente ausente da historiografia.

Os objetivos principais são resgatar a história da solidariedade entre os povos de Moçambique e Timor-Leste e compreender de que forma a circulação de pessoas e ideias entre estes espaços geograficamente distintos se constituiu como fundadora de princípios e valores comuns no futuro pós-colonial destes países. As “histórias ausentes” e “silenciadas” levam-nos a reconhecer a persistência de uma matriz colonial e eurocêntrica no domínio das ciências sociais, em particular na escrita da história, e sublinham a importância de colmatar estas ausências no caminho para uma justiça epistémica.

Marisa Ramos Gonçalves é Investigadora do CES, do núcleo DECIDE, e bolseira Marie Skłodowska-Curie/ Widening fellowship com o projeto de investigação ‘Education as an instrument for liberation in Mozambique and Timor-Leste - histories of solidarity and contemporary reflections’. É membro do Conselho Consultivo Internacional do Centro Nacional Chega!, instituto de memória de Timor-Leste. Doutorada pela Univ. de Wollongong (Austrália) na área de história e direitos humanos, foi professora na Univ. Nacional Timor Lorosa'e, na Australian Catholic University e na Univ. de Wollongong. Os seus interesses de investigação centram-se na história e memória, estudos pós-coloniais, educação, sistemas de conhecimento locais e de justiça social no Sul Global. 

 

Sessão 15h30

Benedito Machava

Revolutionaries and Moral Reformers: FRELIMO and the Pedagogy of Revolution during the Liberation Struggle, 1968-1974

This paper argues that FRELIMO was more than a nationalist movement. Its leaders were engaged in an intense battle that went beyond the armed struggle against the Portuguese. Theirs was a mission to reengineer the moral outlook of Mozambican society anew. The paper discusses the liberation struggle as an experiment in moral reform, or as Samora Machel called it, a “laboratory” in which the foundations of the moral architecture of Mozambique’s future society were devised and tested. Inspired by a hybrid ideology combining Maoism and Christian ethics, FRELIMO leaders commanded their militants to embrace an austere morality that would be replicated in greater scale in independent Mozambique. The New Man and the New Woman were to be produced from the society with the same pedagogical morality that guided FRELIMO towards victory against the Portuguese.

Benedito Machava é Investigador da Universidade Eduardo Mondlane e Universidade de Princeton. Doutorado em História pela Universidade de Michigan, desenvolveu a pesquisa: "The Morality of Revolution: Urban Cleansings and the Making of Socialist Mozambique, 1974-1988". A sua investigação tem-se focado na história política e social contemporânea de Moçambique, na violência política e social e na construção da nação.

 

Denisse Kátia Soares Omar

Mulher Moçambicana e os movimentos feministas: contribuição para uma análise histórica nas zonas libertadas, 1960-1992

Esta apresentação tem como objectivo fazer uma análise histórica da trajectória das mulheres moçambicanas durante a luta armada, mais concretamente nas zonas libertadas, e trazer uma visão dessas mesmas mulheres durante o Moçambique pós-colonial. Pretendo compreender, a partir da guerra de libertação, como as mulheres se tornaram novas actoras na história da sociedade moçambicana criando movimentos e organizações que vieram a contribuir para a sua emancipação na sociedade moçambicana. Ser mulher antes da luta de Libertação era ser um instrumento de trabalho e uma máquina de reprodução que devia obedecer as normas e regras tradicionais que defendiam a subalternização da mesma.

Denisse Katia Omar é docente da UniRovuma- Moçambique e atual doutoranda em História de África Contemporânea e encontra- se a fazer o estágio avançado doutoral no CES/UC.

 

Iolanda Vasile

A invenção da “Outra”: a mulher angolana na fotografia durante o colonialismo português

Nesta apresentação questionarei a maneira como se deu a construção da representação da mulher angolana através da fotografia no período do colonialismo português tardio; qual era a sua presença no espaço público e privado, portanto os espaços que ocupava e aqueles que lhe eram designados, quais os ideais de beleza que lhe foram atribuídos, quais os seus papeis e as vozes que tinha ou chegou a ganhar? Para poder responder a estas perguntas de investigação procederei à análise através de alguns estudos de caso, isto é de fotografias coloniais de cunho etnográfico, algumas identificadas em jornais da altura (especialmente das capas destes jornais), outras pertencendo às missões religiosas. Para efeitos de comparação e especialmente para falar sobre a autorrepresentação das mulheres angolanas o corpus será completado com imagens que recolhi em arquivos privados durante o trabalho de campo em Angola.

Iolanda Vasile é Investigadora júnior no CES e doutoranda no programa “Pós-Colonialismos e Cidadania Global” do CES, com o tema “O poder da escrita: (re)escrevendo as lutas de libertação em Angola (1945-1961)”. Docente do Instituto Camões na Universidade de Oeste na Roménia. Publicou sobre: os arquivos fotográficos da Rep. Socialista da Roménia e as relações deste país com Angola e Moçambique, sobre literatura angolana e língua em contextos de trabalho de campo.

 

Comentário Final | 17h15

Bruno Sena Martins

O presente das violências coloniais: memórias, corpos e políticas 

A violência colonial nunca recebeu o devido espaço de representação na reconstrução democrática e pós-imperial da sociedade portuguesa. No entanto, a resistência a uma representação celebratória do passado ganhou visibilidade sem precedentes nos últimos anos através de um conjunto de debates que têm concitado académicas/os e afrodescendentes. Desafiando as narrativas hegemônicas do Império Português, a aliança inorgânica entre setores da academia e identidades marcadas por legados coloniais cria um espaço inédito para o surgimento de memórias e memoriais anticoloniais. É neste quadro que a proposta do "BLEND - Desejo, Miscigenação e Violência: o presente e o passado da Guerra Colonial Portuguesa" nos convoca para as viagens anticoloniais entre diferentes latitudes, corpos, géneros e lugares de enunciação em que a biografia e a memória pública da violência se imbricam ao mesmo tempo que nos transportam para longe de qualquer mestiçagem de pendor lusotropicalista. 

Bruno Sena Martins é Investigador do CES, cocoordenador do Programa de Doutoramento "Human Rights in Contemporary Societies” e no programa de extensão académica "O Ces vai à Escola”. Antropólogo e doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Os atuais interesses de investigação debruçam-se sobre os temas do corpo, deficiência, direitos humanos e colonialismo. No âmbito da sua pesquisa realizou trabalho de campo em Portugal, na Índia e em Moçambique.