Seminário
As múltiplas faces do Antropoceno: política, agência e crise ontológica
30 de outubro de 2019, 10h00
Sala 1, CES | Alta
Resumos das Comunicações
António Carvalho
“Antropoceno, Ontologia e Pluriverso”
A emergência do Antropoceno enquanto evento geológico e académico tem suscitado uma multiplicidade de respostas que se distinguem pela diversidade política, ontológica e de escalas. Nesta apresentação irei centrar-me na forma como esta época geológica pode ser lida numa perspetiva ontológica, analisando diversas respostas afetivas, políticas e tecnológicas mobilizadas para fazer face aos desafios das alterações climáticas e da degradação socioambiental.
Para além da diversidade política e ontológica associada ao Antropoceno e aos coletivos – humanos e não-humanos – que produzem o “mundo comum” (Latour, 2017), o Antropoceno coloca também desafios às ciências sociais “humanistas”, nomeadamente em relação à forma como a agência não-humana pode ser “traduzida” para o debate público, exigindo o desenvolvimento de um novo manancial metodológico através do diálogo com as artes e tradições contemplativas.
Stefania Barca
“Undoing the Anthropocene. An ecofeminist critique”
The presentation will develop ecofeminist tools for undoing the official Anthropocene storyline as adopted by the UN at the Rio+20 Earth Summit of 2012, and still maintained as a hegemonic regime of truth in both science and education media. I will first show how the Anthropocene storyline marks strong continuity with a long-standing mainstream narrative of Modern Economic Growth (MEG), which celebrates capitalist industrial modernity as the only possibility for human progress. Second, drawing from the work of ecofeminist theorist Val Plumwood, I will show how this is a master’s narrative, based on four intersecting levels of ‘backgrounding’: racism, sexism, classism, and speciesism. Third, I will argue that, if master’s narratives reflect hegemonic structures of politico-economic power, anti-master narratives originate from the social forces that oppose those same structures. I will conclude that the ecofeminist anti-master narrative is not an educational project, but a vital symbolic tool for the global climate justice struggle.
Emanuele Leonardi
“The Anthropocene as a Regime of Visibility”
The paper aims at investigating the Anthropocene as a symptom of the contemporary social condition. As such, it requires both radical criticism and a collective act of taking care. Our inquiry develops along three directions: the first raises the question what is the Anthropocene?, and discusses the de-politicized nature of the debate that has developed over the last decade. In the second the question becomes when does the Anthropocene begin?, and the different proposed periodizations – as well as their theoretical-political implications – are reviewed. The conclusive question, which however represents the research-core, is how do we see the Anthropocene? This brings up a twofold issue: on the one hand, that of the visibility regime; on the other, that of the political management of the climate-ecological crisis. The interpretation we provide is based on the key role played by labor in understanding the political stakes of the Anthropocene. In particular, we focus on labor reconfigurations following the crisis of the Fordist-Keynesian compromise – originated in the second half of the 1970s and still ongoing.
A good way to think about the specificity of labor in the Anthropocene is to ask how we see the new geological era, that is, from which regime of visibility it is governed. It seems reasonable to us to hypothesize that such regime is based on the general intellect, which has become a real abstraction and an organizing principle of contemporary production. It is the general intellect, in fact, that sets the conditions of possibility to see climate change. In other words, the visibility regime that allows us to realize that we live in the Anthropocene is premised on cognitive capitalism, that is, on the general exploitation of labor-knowledge. This is the symptom. And it is particularly worrisome because, despite its potential, it does not reduce environmental impacts at all: far from freeing itself from the productivist logic of industrial capitalism, cognitive capitalism subsumes it, reproduces it, and extends it, causing a dramatic rupture of the balances necessary for ecosystems' reproduction.
It is no coincidence that, although known since the Nineteenth century, climate change has become a public problem, a politically visible issue only in the 1980s, that is when the neoliberal rationality allowed us to see a development strategy for capital within a "reproduction crisis", to use Gorz's term, created by capital itself. Since then – since the moment in which global elites can frame global warming as a market failure (given its inability to internalize environmental costs) that can only be solved by a further wave of marketization (carbon trading and commodification of nature) – the Anthropocene can finally become the horizon of “sustainable” accumulation.
Irina Velicu & Andreea Ogrezeanu
“From Peasants to Urban Workers and Back. Debating Agro-Ecology as Socio-Environmental Justice in Romania”
To be a ‘peasant’ has long been a vulnerable social category, rendered ridiculous in Romania: the violent phenomenon of depeasantisation that started during the dictatorship continues with other means, having to face the fact that, more than half of the Romanian population lives in rural areas. An ageing population, barely surviving with subsistence agriculture or displaced for work in urban centres, seems to be of no concern for political parties and authorities. The absence of debate is, however, a presence: the presence of the post-political consensus about the future as urban-industrial, which gradually invisibilizes peasants as unproductive social category. Land grabbing has become a widespread process all over Romania, as in other global South regions of the world.
At the same time, by proclaiming themselves ostentatively ‘tarani si taranci’ (male and female peasants), a new movement is emerging, which challenges land grabbing and industrial agro-food in Romania. Eco-ruralis, part of Via Campesina, is a peasant association that, in the last decade, grew in numbers from few hundred to nine thousand members in Romania. This paper critically investigates the new processes of feeding the nation’ its own (traditional) products. We ask: Who and under which conditions still wants land for agriculture? How and why do participants in Ecoruralis embody and perform ‘just food’ in the specific material, geographical and socio-political context of post-socialist Romania? Based on in-depth interviews with new and life-long peasants’ (families), we look as re-subjectification processes, agro-ecological visions beyond dualisms of power relations, and the implied visions of land/food/socio/environmental justice.
Vera Ferreira
“Ultrapassando as fronteiras planetárias no Antropoceno: o caso das alterações climáticas”
Recorrendo ao enquadramento concedido pela ideia de “Antropoceno” e adotando o conceito de “fronteiras planetárias”, pretende-se apresentar o debate estratigráfico que se tem vindo a desenvolver em torno desta potencial época geológica, assim como sistematizar e analisar as principais transformações do sistema climático terrestre que já se observam no presente.
O termo “Antropoceno”, cunhado por Paul Crutzen e Eugene Stoermer, em 2000, procura traduzir o papel central da espécie humana na geologia e na ecologia, particularmente desde o final do século XVIII. Esta designação preconiza, por um lado, que a Terra abandonou o Holoceno, encontrando-se numa nova época geológica – o Antropoceno – e, por outro lado, que as atividades humanas são amplamente responsáveis por este acontecimento. Neste contexto, a abordagem das “fronteiras planetárias”, introduzida por Rockström et al. (2009), assenta na premência do regresso do Sistema Terrestre ao domínio do Holoceno, cujas condições possibilitaram o florescimento da civilização contemporânea. Neste sentido, o conceito foi concebido com o propósito de definir e quantificar um espaço operacional seguro para a humanidade, no que respeita ao funcionamento do Sistema Terrestre.
Deste modo, procura-se, num primeiro momento, contextualizar a emergência e relevância do Antropoceno, enunciando algumas das suas principais definições e propostas de datação. Visa-se assim compreender a magnitude e transversalidade da ingerência antropogénica no funcionamento do Sistema Terrestre, bem como a importância do Antropoceno para lá do foro restrito da Geologia. Posteriormente, recorre-se ao conceito de “fronteiras planetárias”, com o intuito de discutir a trajetória das alterações climáticas. Para o efeito são identificadas as mutações centrais que já se observam no sistema climático, bem como as projeções relativas à sua evolução futura.
Ana Raquel Matos
“O discurso político sobre alterações climáticas em Portugal: análise dos debates parlamentares no Parlamento Português (1990-2018)”
Esta comunicação centra-se numa das tarefas do projeto de I&D TROPO - “Ontologias do Antropoceno em Portugal: movimentos sociais, políticas públicas e tecnologias emergentes”, que consiste na análise da evolução do discurso político sobre alterações climáticas, recorrendo à base de dados online da Assembleia da República que disponibiliza, na íntegra, as transcrições dos debates parlamentares.
Esta apresentação irá, inicialmente, situar a estratégia metodológica adotada na análise dos debates parlamentares e seus resultados, sublinhando os principais constrangimentos encontrados e evidenciando as potencialidades analíticas proporcionadas pela análise efetuada. Num segundo momento, sublinhar-se-ão as principais características que marcam o discurso político português sobre alterações climáticas a partir das narrativas de todos/as os/as intervenientes nos debates parlamentares sobre o tópico, entre 1990-2018. Providenciar-se-á uma análise da evolução dos principais argumentos avançados pelos diferentes partidos políticos com assento parlamentar, identificando-se as principais causas que vêm sendo apontadas para o problema em análise, assim como as diferentes dimensões e atores (nacionais e internacionais) que vêm sendo recrutados no âmbito das várias estratégias argumentativas. Finalmente, ir-se-á discutir as possíveis propostas/soluções que têm sido avançadas, em contexto nacional, para enfrentar o problema das alterações climáticas, explorando os imaginários sociotécnicos heterogéneos que, ao longo das últimas décadas, têm caracterizado os discursos políticos.
Madalena Peres
“A reescrita da Constituição Moderna e o reconhecimento da natureza como sujeito jurídico: entre a retórica e a realidade”
O texto constitucional do Equador de 2008 enveredou por uma opção ecocêntrica, garantindo que a Pacha Mama, a natureza e os seres que de que é formada são sujeitos de direitos, estabelecendo a possibilidade de uma pessoa ou grupo defender e efetivar esses direitos através do recurso aos tribunais.
Esta Constituição estabeleceu a primeira grande rutura com o paradigma de matriz ocidental, antropocêntrico, assente na construção do sujeito jurídico exclusivamente identificado com o humano, e em oposição ao território de inexistência de todas as entidades não humanas, nomeadamente a natureza.
Aproveitando as novas possibilidades concedidas pela Constituição, dois estrangeiros residentes no Equador intentaram uma ação no tribunal provincial de Loja, invocando a violação pelo poder público dos direitos da natureza, concretamente em relação ao rio Vilcabamba.
Devido aos trabalhos de alargamento de uma estrada, em que estava envolvido o governo local da província de Loja, e à acumulação de rochas e material escavado nas margens e leito do rio Vilcabamba, foram causados sérios danos à natureza, concretamente ao leito do rio, já que foi substancialmente reduzido, e aumentada a velocidade do caudal.
Na sequência destas alterações e das inundações ocorridas, em março e abril de 2009, nas zonas ribeirinhas, e dos danos provocados na propriedade de Eleanor Huddle e Richard Wheeler, estes decidiram processar judicialmente os responsáveis pelas obras fazendo uso dos mecanismos constitucionais.
Este foi o primeiro caso judicial em que foi invocada a Constituição para defesa dos direitos da natureza. É, também, um caso paradigmático do tipo de contradições, limitações e obstáculos associados à implementação de uma lei de recorte completamente revolucionário e que desafiou e questiona não só o cânone jurídico mas, também, a lógica neoliberal de desenvolvimento assente na exploração dos recursos naturais.
Os obstáculos ao reconhecimento da natureza como sujeito jurídico e à implementação desta abordagem através de uma “Constituição vivida” resultam do cruzamento de dificuldades várias, desde questões processuais, como a da legitimidade, falta de regulamentação da lei constitucional, desconhecimento da lei, dificuldades no acesso à justiça e resistência oferecida quer pelos poderes públicos quer pelo aparelho judiciário.
A Constituição do Equador pode ser interpretada enquanto um marco histórico na reconfiguração daquilo que Latour designava como a Constituição Moderna (Latour, 1991), abrindo-se caminho para o desenvolvimento de um Parlamento das Coisas associado a uma ontologia ecocêntrica que rejeita os dualismos e extrativismos modernos