Investigação

Centro de Estudos Sociais destaca a influência dos media na presunção de inocência em Portugal

Imagem: Carles Rabada (Unsplash)


O Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, através do seu Observatório Permanente da Justiça (OPJ), no âmbito do contrato celebrado com a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), acaba de divulgar os resultados de mais um estudo sobre a promoção e proteção dos direitos fundamentais em Portugal.

Nesse sentido, o CES/OPJ elaborou o contributo português para o relatório da UE «Presunção de inocência e direitos relacionados – Perspetivas profissionais» que a FRA produziu [CONSULTAR] e que procura avaliar a aplicação da Diretiva (UE) 2016/343, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal nos Estados-Membros.

A equipa do CES/OPJ, constituída pelas investigadoras Conceição Gomes, Paula Fernando, Carolina Carvalho e Marina Henriques, desenvolveu o relatório sobre Portugal [CONSULTAR], cuja informação se fundamenta nos resultados de entrevistas com magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados e agentes das forças de segurança, bem como numa pesquisa documental aprofundada e em dois estudos de caso.

Os resultados da investigação sobre Portugal, de acordo com os entrevistados, apontam para uma avaliação global positiva do quadro jurídico que garante a proteção da presunção de inocência, reconhecendo ser um princípio geralmente aceite e consubstanciado na prática quotidiana do sistema de justiça penal em Portugal.

Apontam, no entanto, fatores que dificultam a aplicação do princípio da presunção de inocência, alguns que afetam mais os processos mediáticos e outros os processos de rotina. Entre os que afetam ambos, mas em particular os primeiros, destacam-se a mediatização da justiça e a pressão da opinião pública no sistema de justiça. Ou seja, embora se reconheça o papel dos órgãos de comunicação social no escrutínio público do sistema de justiça criminal e na melhoraria do seu desempenho, são enfatizados igualmente os efeitos negativos da mediatização da justiça e do modo como são apresentados e expostos, perante a imprensa, sobretudo a televisão, suspeitos e acusados, minando o princípio da presunção de inocência aos olhos da opinião pública.

O estudo aponta como urgente providenciar melhor formação na área dos direitos fundamentais, não só a profissionais judiciais (juízes e magistrados do Ministério Público) e advogados, mas igualmente a jornalistas.

O estudo alerta ainda para os desafios colocados a uma adequada prestação de informação aos arguidos sobre os seus direitos, que fragilizam o seu exercício efetivo. A tónica é colocada na impercetibilidade da informação transmitida, com efeitos relevantes quanto à adequada compreensão sobre as consequências jurídicas de alguns atos, como a possibilidade de julgamento na ausência em caso de não comparência de arguido que tenha prestado validamente termo de identidade e residência. Os entrevistados dão exemplos de como o atual sistema permite o julgamento de um arguido sem que o mesmo tome conhecimento efetivo antecipado da sua ocorrência. O estudo destaca, também, a maior vulnerabilidade em que são colocados os arguidos que não dominam a língua portuguesa. Embora seja reconhecido o esforço das forças policiais em traduzir em diferentes línguas os direitos que assistem aos arguidos, os entrevistados destacam a má qualidade das traduções em geral e a falta de condições nos tribunais para possuir um serviço de tradução rápido e eficaz.

Esta parceria entre o CES/OPJ e a FRA tem assumido uma enorme relevância na investigação sistemática sobre várias temáticas relacionadas com a promoção e proteção de direitos fundamentais em Portugal, tendo-se tornado possível com a integração do CES/OPJ no âmbito da FRANET, a rede de investigação multidisciplinar da FRA para o período entre 2019 e 2021. Esta participação tem-se constituído como um estímulo permanente à recolha e análise de dados relativos aos principais desafios enfrentados pela União Europeia, em particular em Portugal, em matéria de direitos fundamentais, contribuindo para as análises comparativas da Agência, publicadas em particular nos relatórios anuais. Temas como racismo, xenofobia, migrações, discursos de ódio ou acesso à justiça têm sido abordados ao longo deste período.