Apresentação

O curso será uma disciplina ofertada pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF/Rio de Janeiro, Brasil). O curso será ministrado por Eduardo Passos, professor titular do Instituto de Psicologia da UFF e por Letícia Renault, investigadora em pós-doutoramento no NHUMEP. Este curso é parte das atividades de difusão que antecedem o colóquio internacional sobre perspectivas enativas (que ocorrerá entre 23 e 27 de agosto desse ano, cf. www.grimte.com), compondo o projeto realizado graças à subvenção Connexion.

Com esse curso, pretende oferecer-se uma atividade de formação sobre a abordagem enativa, de modo a facilitar e a promover a participação de estudantes e investigadores de diferentes disciplinas no colóquio. Pretendemos explorar os contributos da abordagem enativa para as ciências sociais, tema relativamente pouco explorado na área. Além disso, pretende fomentar-se o intercâmbio internacional entre estudantes dos diferentes centros de investigação envolvidos no projeto. A disciplina terá um limite de vagas de 80 participantes.

Descrição

O que significa conhecer? Podemos conhecer o conhecer, isto é, podemos conhecer nossa própria mente? E como podemos conhecer o mundo?

Estas questões, embora típicas da psicologia cognitiva, são fundamentais para atividades de investigação e de produção de conhecimento nas mais diversas disciplinas. As ciências sociais frequentemente se veem confrontadas com questionamentos acerca de seus métodos, da objetividade do conhecimento que produz e da implicação do investigador com aquilo que investiga. Tais questionamentos – metodológicos, epistemológicos e éticos – têm relação com determinadas concepções de conhecimento e também alimentam o debate no campo da psicologia cognitiva. No cerne deste debate estão as vertentes inspiradas pelo conceito de “enação”. Assim, a psicologia cognitiva e as ciências sociais podem se beneficiar mutuamente de uma discussão acerca da abordagem enativa e de suas implicações éticas.

Majoritariamente, o conhecimento é tido como a representação de um mundo dado. Segundo essa concepção tradicional do conhecimento, conhecer é representar, de maneira mais ou menos adequada, informações que estão contidas nos dados recolhidos do mundo (seja por meio de nossa percepção, seja por meio de técnicas de investigação e de coleta de dados em âmbito científico). No entanto, essa tradição majoritária, que vê a cognição como representação, foi radicalmente questionada pelos estudos de Humberto Maturana (1928 - ) e Francisco Varela (1946-2001), investigadores  chilenos que desenvolveram a chamada “Biologia do Conhecimento”. Seus trabalhos deram origem ao conceito de enação, especialmente desenvolvido por F. Varela, segundo o qual a cognição não é a representação de um mundo dado, mas a co-criação de si e de mundo.  Em outras palavras, segundo a enação, sujeito e mundo coemergem: o objeto conhecido é inseparável do sujeito que o conhece. A partir de uma abordagem enativa, o conhecer é, assim, uma atividade concreta, encarnada e situada. A experiência, o corpo e as emoções são, para essa abordagem, inseparáveis do conhecimento e da racionalidade dita científica, o que promove uma redistribuição radical das fronteiras entre subjetividade e objetividade. Os limites entre sujeito/objeto, teoria/prática se reposicionam, transformando nossa atitude em relação ao conhecimento. Por isso, esse conceito tem um impacto nas mais diversas disciplinas, tais como a biologia, a psicologia, a sociologia e a filosofia.

O objetivo deste curso é: a) fornecer uma introdução aos principais conceitos e ideias da Biologia do Conhecimento e da abordagem enativa; b) explorar os contributos da abordagem enativa do conhecimento para as ciências sociais e para a psicologia e c) discutir as implicações éticas da abordagem enativa, explorando sua contribuição à noção de cuidado.

Assim, pretendemos inicialmente apresentar as noções básicas da Biologia do Conhecimento e da abordagem enativa, tais como autopoiese, autonomia e acoplamento estrutural, discutindo o desenvolvimento de formas não-representacionais de compreender a experiência, de produzir conhecimento e de se relacionar consigo mesmo e com o mundo.

Em um segundo momento, pretendemos discutir criticamente as repercussões da abordagem enativa do ponto de vista da ética. Proporemos uma discussão crítica em torno do livro de Francisco Varela “Sobre a competência ética”, procurando discernir as implicações éticas de uma abordagem enativa para a investigação e a intervenção em diferentes disciplinas, com especial ênfase para a psicologia e as ciências sociais. Nossa intenção é explorar os vínculos entre a concepção da ética a partir de uma abordagem enativa e o tema do cuidado.

Com esse curso, pretendemos explorar a abordagem enativa como uma perspectiva promissora para as ciências sociais, capaz de renovar nossas práticas de pesquisa e de intervenção ao assumir uma posição ética de cuidado, responsabilidade e inclusão.