Resumo

Inserido no Ciclo CES, Saúde e Epistemologias do Sul, este seminário resulta de uma etnografia em um grupo virtual fechado no Facebook, organizado por uma rede brasileira, que reúne pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA). A reflexão tem como ponto de partida uma conversa entre mim e um dos interlocutores com quem tenho dialogado em campo. Esta cena etnográfica me fez indagar como a gramática do silêncio-segredo e as políticas de invisibilidades a ela associadas ganham relevo nas relações entre etnógrafo e interlocutores em campo. Mais ainda, como elas se “pronunciam” quando o etnógrafo é, também, “nativo”, pois vive com e investiga sobre HIV/aids. Com isso, busco problematizar a equação tradicionalmente empregada nas relações entre pesquisadores, interlocutores e objetos de estudo, cujos cálculos tendem a ter a objetividade e a neutralidade como fórmula. Os próprios processos de reflexão, escrita e publicação dessa experiência etnográfica são tomados em análise tendo em vista se tratar de uma escrita arriscada (ou quem sabe “contagiosa”?) que ousa se colocar em primeira pessoa. Primeira pessoa aqui é mais que um recurso estilístico ou uma marca autoral, pois está inundada por uma reflexividade radical.

Trata-se, portanto, de um compromisso epistêmico-ético-político de produzir uma sociologia das ausências (Santos, 2002). Assim, a etnografia se tornou uma forma de pesquisar e de se relacionar que permitiu compreender aspectos de uma “arte da conversa entre silenciados” e uma interlocução não só com essas pessoas, mas com espaços, encontros e (in)visibilidades. A conversa foi compreendida como a reivindicação de uma presença feita ausente, invisível, indizível. Na conversa, a proposta do diálogo restabeleceu as presenças, as visibilidades e os papeis de emissor e de interlocutor – ainda que precariamente. Rompeu-se, naquele momento, com a inefabilidade da sorologia positiva e seus ruídos em todos os lugares da vida social. No ato comunicativo, a conversa confrontou o senso comum científico tradicional assentado na razão metonímica descrita por Santos (2002), uma vez que produziu “uma ecologia de diferenças feita de reconhecimentos recíprocos” (p. 252) na qual emissor e interlocutor, “doentes”, podem representar-se a si mesmos, a seus saberes, a suas práticas e a suas experiências.


Nota biográfica

Lucas Melo é Professor de Ciências Sociais em Saúde na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. Ativista da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+) e do Coletivo Loka de Efavirenz.