Resumo

“Feminino” e “masculino” continuam a funcionar como categorias antagónicas centrais na organização cognitiva do humano, apesar de todo o trabalho de problematização desenvolvido e das tentativas de superação dessas categorias produzidas em várias áreas do conhecimento. É, pois, importante que se faça a história dessa resiliência, como parte do esforço para pensar o plenamente humano enquanto categoria única e emancipatória.

Sendo as mulheres plurais, o feminino, por seu lado, é tradicionalmente definido como o “Outro” do humano, a Alteridade radical que tem o masculino por bitola. Encontrando-se as suas raízes no cânone da literatura e da filosofia, ramificam-se e multiplicam-se em todos os discursos – disciplinares e quotidianos – que, por sua vez, têm tradução nas práticas culturais e sociais da contemporaneidade.

Parte importante desta Alteridade construída encontra-se na demonização das mulheres que, de alguma forma, transgridem os limites que lhes são impostos pelo imaginário patriarcal, seja pela prática de atos denominados “contranatura” – o assassinato de cônjuges ou filhos, por exemplo – seja pelo simples exercício do poder no espaço da polis. O corpo, ou, mais precisamente, o poder de uma sexualidade demoníaca (feminina), enquanto polo oposto à Razão e à Lei (masculinas), encontra-se no centro destas narrativas, sendo atribuída às mulheres em causa uma “natureza” à revelia da cultura.

Partindo de exemplos concretos da história recente, em articulação com os arquétipos literários, neste seminário irei procurar discutir a persistência dos processos de demonização, a nossa cumplicidade coletiva na sua reprodução, o papel das contranarrativas e a utilidade da inclusão das mulheres-demónio numa linhagem feminina que reivindica para si o plenamente humano.

Nota biográfica

Adriana Bebiano é Investigadora do Centro de Estudos Sociais e Professora Auxiliar do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde dirige o programa de Doutoramento em Estudos Feministas.

Doutorada em Literatura Inglesa pela UC, tem trabalhado nas áreas de Estudos Feministas, Estudos Irlandeses e Estudos Culturais Comparados. Relevantes para este seminário, publicou os ensaios “Engendering the Nation: Irish Women and Nationalism”(São Paulo: Humanitas, 2011) e“Mad, Bad, and Dangerous to know: the Stories of Chicago May and Eliza Lynch” (Frankfurt: Peter Lang, 2011) e “Cicatrizes e feridas: a ficção contemporânea perante o passado” (Coimbra: CES/ Almedina, 2013), inseridos em coletâneas temáticas. A sair em breve, na Tinta-da-china, “Gayatri Chakravorty Spivak: a teoria como prática de vida”, incluído na coletânea Correntes do Pensamento Crítico Contemporâneo.

Artigos em discussão

• Hutcheon, Linda; Hutcheon, Michael (2003), “O corpo perigoso", Revista Estudos Feministas, 11(1).
• Bebiano, Adriana (2009), "Da vida das mulheres infames. A história segundo Emma Donoghue",  Anglo-Saxónica Revista do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa, Série II, No. 27, pp.17-32.
   

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