3º Seminário CES sobre os Fundamentos da Economia

Onde pára o Mercado?

Ana Cordeiro Santos

António Casimiro Ferreira

João Arriscado Nunes

João Rodrigues

Jorge Bateira

José Castro Caldas

José Reis

Laura Centemeri

Luís Francisco Carvalho

Pedro Bingre

Renato Carmo

Ricardo Coelho

Sílvia Ferreira

Stefania Barca

Vasco Almeida

Vítor Neves

27 de maio, 10h00 / 28 de maio, 09h30

Sala de seminários (2º piso), CES-Coimbra


Síntese das Comunicações

Laboratórios do neoliberalismo: o experimentalismo económico e a natureza dos mercados  / João Rodrigues (CES) e Ana Cordeiro Santos (CES)
Esta comunicação pretende escrutinar o debate sobre o mercado e os seus limites morais e políticos, a sua incrustração, à luz da investigação em Economia experimental e comportamental. Partindo de algumas conclusões que são compatíveis com o neoliberalismo, com a confiança nas virtudes da expansão dos mercados, indica-se de que forma a agenda desta “Economia recente” pode ajudar a robustecer uma perspectiva crítica dessa engenharia política.    


Do “espírito de Filadélfia” ao Trabalho Digno: uma crítica à retórica neo-liberal / António Casimiro Ferreira (CES)
O objectivo desta comunicação é o de sublinhar a relação existente entre mercantilização do mundo do trabalho e direitos laborais. A persistente tensão entre o económico, o social, o político e o jurídico encontrou um equilíbrio relativo na regulação das relações laborais produzida pelo direito do trabalho clássico. Ainda que no quadro das contradições das sociedades capitalistas a regulação jurídica do trabalho promoveu, historicamente, a existência de mínimos ético-políticos orientadores das relações entre empregadores e trabalhadores. O paradigma jurídico-laboral resultante das orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em especial da Declaração de Filadélfia, acentuou a necessidade do trabalho não ser concebido como uma mercadoria. Em linha com este referencial, a institucionalização dos estados providência, dos direitos de cidadania social e económica e do fordismo, veicularam um ideal de justiça social onde a preocupação com a “dimensão social das sociedades” endogeneizou o “espírito de Filadélfia”. As rupturas históricas com este paradigma de segurança económica e social são conhecidas. O princípio do mercado ao combinar-se com o princípio da intervenção estatal e com a recontratualização da cidadania introduziu alterações na regulação jurídica do trabalho patente nos “movimentos reformistas” do direito do trabalho. O que há de inquietante nestas tendências hegemónicas de reforma dos direitos laborais são os silêncios e esquecimentos do ideário democrático do mesmo, assente numa particular combinação entre liberdade, igualdade e justiça social. A análise que desenvolvo assume-se como uma crítica ao mainstream das concepções flexibilizantes do direito do trabalho, as quais sustentam a necessidade de um afeiçoamento do mesmo às necessidades de funcionamento do mercado. Partindo das concepções do pluralismo jurídico e dos conceitos de “liberdade real” e segurança socioeconómica como direito humano evidencio a importância do trabalho digno.


Escolhas éticas e expansão dos mercados / Luís Francisco Carvalho (ISCTE/IUL)
Esta intervenção tem como ponto de partida uma releitura da análise proposta por Albert Hirschman no seu texto de 1982 sobre as Rival Interpretations of Market Society. Neste artigo, era defendida a possibilidade de serem assumidas três posições sobre as consequências morais dos mercados – estes teriam um efeito ‘civilizador’, ‘destrutivo’, ou ‘fraco’ (feeble). Considerando a trajectória do debate em torno desta problemática desde a publicação do texto de Hirschman, debate intensificado pela própria dinâmica social de criação de mercados e expansão da retórica mercantil, é possível propor uma sistematização dos argumentos que têm sido avançados em torno de três categorias fundamentais, reflectindo, respectivamente, a defesa das ‘virtudes’, dos ‘perigos’ e da ‘neutralidade’ dos mercados. Estas diferentes posições supõem, mesmo no caso da ‘neutralidade’, opções de carácter normativo, escolhas sobre os valores que devem informar a vida em sociedade e perspectivas acerca da(s) forma(s) como estes valores são promovidos/ameaçados pela presença de instituições mercantis. A reflexão sobre os diversos posicionamentos éticos suscitados pela dinâmica de expansão dos mercados, possibilita uma compreensão mais rica sobre os termos da discussão pluridisciplinar associada aos processos de ‘mercadorização’ e ao sentido das transformações que estes processos promovem na economia e na sociedade.


O ethos da concorrência: do “doux commerce” à destruição criativa / José Castro Caldas (CES)
A visão Schumpeteriana do processo concorrencial como processo de aquisição de vantagens competitivas precárias assentes em conhecimento privilegiado adquiriu nos últimos anos enorme saliência teórica e política; influencia a chamada Economia da Inovação, muita literatura no domínio da Gestão de Empresas e, acima de tudo, políticas públicas de ciência e inovação nacionais e regionais, com destaque para as estratégias europeias, de Lisboa e 2020. Interessa-nos, em primeiro lugar, caracterizar a “destruição criativa” Shumpeteriana, sobretudo de um ponto de vista moral, em contraste com as antecipações setecentistas do capitalismo. A “sociedade de mercadores” foi desejada pelos filósofos do século XVIII que a Economia reclama como pais fundadores, em alternativa aos privilégios e à tirania, como um palco de interacções pacíficas povoado de indivíduos iguais perante a lei e pelo menos semelhantes em capacidades, e como um contexto favorável ao desenvolvimento de virtudes que constituem o pré-requisito da vida em sociedade. A concorrência Schumpeteriana, pelo contrário, é sobretudo luta, aquisição de poder e mobilização de capacidades criativas para a conquista de poder; um lugar onde há agentes determinantes - “os empreendedores” - seres humanos especiais que se destacam e diferenciam de todos os outros por traços de personalidade raros. Estas imagens da concorrência inter-individual quando transportadas para o plano inter-nacional também dão origem a uma notável mudança de perspectiva. Nas visões do capitalismo que anteciparam o próprio capitalismo temos o comércio pacífico e civilizador baseado em vantagens mútuas; as estratégias de inspiração Schumpeteriana são uma espécie de mercantilismo cognitivo, isto é, uma ilusória substituição de barreiras tarifárias por novas fronteiras do conhecimento. A partir desta caracterização comparativa interessa-nos escrutinar as políticas de inovação de inspiração Schumpeteriana, nomeadamente as europeias, quer do ponto de vista da sua viabilidade, quer do da desejabilidade dos meios e dos fins que afirmam prosseguir.


Custos sociais, valor social e os limites da valoração mercantil / Vítor Neves (CES, FEUC)
Na literatura convencional, embora se reconheça que os custos sociais são importantes, estes são entendidos como um problema de âmbito relativamente limitado (são “externalidades”). Para K. William Kapp, contudo, os custos sociais são “fenómenos generalizados e inevitáveis nas condições da economia de mercado”. Esta será uma “economia de custos não pagos”. Segundo Kapp a existência de custos sociais deve-se fundamentalmente à circunstância de a busca do lucro privado resultar num prémio à minimização dos custos privados de produção. Ao minimizarem os seus custos internos as empresas tenderão a transferir e efectivamente a maximizar os custos sociais. Ainda de acordo com Kapp, estes custos envolvem factores, relações e processos de natureza não estritamente mercantil e, por isso, critérios monetários como o princípio utilitarista da disposição para pagar ou para aceitar uma compensação, com base em preços de mercado,  serão inadequados  para a avaliação dos custos sociais e consequente deliberação quanto ao curso de acção a seguir. Para este autor é necessária uma teoria do valor social – no sentido de “valor para a sociedade” – baseada em critérios objectivos acerca do que é necessário e essencial à vida e à sobrevivência humanas. Este paper retoma esta abordagem dos custos sociais, iniciada por Kapp, analisando os limites da valoração mercantil e as propostas institucionalistas de valoração social assentes em critérios e indicadores que assumem o carácter cumulativo, sistémico e aberto (não estritamente mercantil) dos processos socioeconómicos e a centralidade da vida humana como objectivo último da actividade económica.


Relações perigosas: trabalho, ambiente e justiça social / Stefania Barca (CES)
Esta apresentação abordará a questão dos custos sociais do crescimento económico, particularmente face aos processos de industrialização, numa perspectiva histórica comparada. Será apresentada uma interpretação dos custos sociais da industrialização, assente num conjunto de reflexões teóricas (com base na economia ecológica, na ecologia política e na história ambiental) e de estudos de caso (com base na Itália, em Portugal e no Brasil). A apresentação visa argumentar sobre a necessidade epistemológica de articular as esferas analíticas dos custos ambientais e sociais – nomeadamente em termos de saúde ambiental, saúde pública, e saúde ocupacional – dentro de um paradigma conceitual único. Propor-se-á a Justiça Ambiental, um paradigma emergente nas ciências sociais e na ação pública, para interpretar e abordar os custos socio-ambientais relacionados com o crescimento económico no sentido mais amplo. O principal objectivo da apresentação é introduzir a abordagem de Justiça Ambiental (JA) ao estudo dos custos sociais da industrialização; ao mesmo tempo, visa-se repensar criativamente essa abordagem,  de forma que  permita  incluir a  dimensão  ocupacional de forma mais aprofundada. Embora a saúde pública e ambiental já estejam bem representadas na abordagem de JA, a saúde ocupacional ainda é de certa forma marginalizada nos programas de investigação, e consequentemente sub-teorizada. Tal deficiência afecta negativamente a capacidade do enquadramento de JA de absorver completamente a complexidade das questões estudadas e oferecer uma plataforma coerente para as política públicas e acção colectiva.


Estado, Mercado, Comunidade e Terceiro Sector: A redefinição das regras do jogo / Vasco Almeida (Instituto Superior Miguel Torga)
O lugar do terceiro sector nos processos de governação das sociedades contemporâneas tem escapado à teoria económica dominante. De facto, a questão da governação tem sido reduzida ao problema de combinar mais ou menos mercado com mais ou menos Estado, surgindo apenas o terceiro sector após os fracassos institucionais de ambos. As duas abordagens mais representativas na literatura económica especializada - a teoria dos bens colectivos e a teoria da falha do contrato - são o exemplo claro dessa visão limitada da governação. Com efeito, o terceiro sector deve ser encarado como uma forma de coordenação da actividade socioeconómica e não como um resíduo deixado pelo mercado e pelo Estado. Tendo como cenário empírico a evolução do terceiro sector em Portugal, pretende-se mostrar que o seu papel crescente na governação traduziu-se no aumento da diversidade e da complexidade dos processos socioeconómicos. Esta observação pode ser confirmada quer a perspectiva de análise se situe ao nível micro quer se desloque para o plano macrossocial. Ao nível microssocial, as organizações do terceiro sector contribuíram para uma densificação das interacções sociais e para uma diversificação dos fluxos económicos, através de novas formas de organização da produção de bens e serviços e da criação de emprego. No plano macrossocial, é a própria configuração institucional das economias que se transforma. Em virtude da sua crescente importância na governação socioeconómica, o terceiro sector tem provocado uma redefinição das regras do jogo e uma transformação da própria lógica de funcionamento do mercado, do Estado e da comunidade.


Contributos da teoria dos sistemas para uma abordagem relacional da economia social na governação do bem-estar social / Sílvia Ferreira (CES, FEUC)
Desde meados de 1970, quando as contradições do Estado-Providência deram origem à sua crise financeira e de legitimidade (Offe 1984) e às narrativas sobre soluções da crise (Jessop 1999) que o terceiro sector ou a economia social surgem nos discursos sobre o futuro do Estado-Providência sob diversos projectos políticos. Esta entidade imaginária inclui organizações e ideias auto-descritas como diferentes do Estado e do mercado e é suposta assumir uma variedade de papéis: actor económico (fornecendo emprego e empreendedorismo, satisfazendo as necessidades dos consumidores e criando riqueza), actor político (promovendo a cidadania e a capacitação e sendo parceira do Estado na governação) e actor comunitário (alimentando o capital social). Nas políticas, práticas e discursos a economia social é apontada como fornecedora de bem-estar social, co-produtora de políticas e co-responsável pelo bem-estar. Surgem perspectivas diversas que procuram reduzir a complexidade destas organizações e das suas relações e que dizem tanto destas organizações como do que se indica para além das suas fronteiras. Nesta apresentação, que se socorre do quadro analítico  proposto  pela  teoria  dos  sistemas de  Luhmann (1995) e  pela  abordagem  relacional   estratégica  de  Jessop (2008), propõe-se uma discussão da economia social com base em três ideias: a) conceber a economia social/terceiro sector tendo em conta o seu carácter relacional com o Estado, o mercado e a comunidade no campo do bem-estar e da inclusão sociais; b) conceber estas organizações como intermediadoras das relações entre diferentes sistemas sociais, c) assinalar a variedade semântica e de papéis como seu elemento constitutivo. Este enquadramento permite-me focar o modo como estas organizações observam e são observadas pelo sistema económico – directamente ou por via dos mecanismos das políticas estatais – e as tensões permanentes e emergentes da posição intermédia que ocupam num contexto de redefinição do papel do Estado e do mercado no campo da protecção social.


Questionando a comensuração do carbono: algumas emissões são mais iguais que outras / Ricardo Sequeiros Coelho (CES)
A abordagem da economia de livre mercado caracteriza os mercados como o resultado espontâneo de acções individuais. A abordagem socio-económica, em contraste, analise os mercados como instituições construídas socialmente. Esta abordagem é particularmente útil para uma perspectiva das ciências sociais sobre os mercados de carbono, dada a sua natureza de mercados artificiais criados por regulação governamental. Esta apresentação aborda o processo de criar novas categorias comensuráveis, transformando qualidades em quantidades, de forma a criar mercadorias fictícias transaccionáveis em mercados de emissões. Dois processos de comensuração são de interesse: a construção de uma métrica comum para valorizar emissões e a equivalência formal entre reduzir emissões e comprar créditos gerados de projectos que reduzem emissões. Ao comensurar emissões, os mercados de carbono seguem a agenda neo-liberal de reconciliar protecção ambiental com eficiência, atribuindo direitos de propriedade a serviços ambientais e pondo um preço nestes direitos. No entanto, esta “internalização de externalidades” enfrenta frequentemente a resistência à expansão do mercado de ONGs, povos indígenas e comunidades pelo mundo fora, no que resulta em num novo elemento na dialéctica de movimento e contra-movimento de expansão do mercado que caracteriza a evolução do capitalismo desde o século XIX. Estamos interessados em argumentos para desenvolver uma métrica comum para emissões de gases com efeito de estufa e para rejeitar uma métrica deste tipo e usar metodologias mais complexas e plurais. Argumentos para um tratamento mais detalhado das emissões relacionados com incerteza científica, justiça, sustentabilidade e democracia são então apresentados e discutidos. A conclusão apresenta uma discussão crítica das consequências negativas de separar a natureza em bens discretos, que são comensurados e mercantilizados. Em particular, a proposição de que estas consequências podem ser evitadas através de melhorias no desenho dos mercados é criticamente analisada, tendo em conta as implicações destas melhorias, nomeadamente para a eficiência.


Até onde vão os mercados? A economia vista a partir da sua periferia / Renato Miguel do Carmo (CIES/ISCTE-IUL)
Esta comunicação visa estabelecer uma reflexão crítica sobre um conjunto de dinâmicas recentes que temos estudado em espaços considerados periféricos e predominantemente rurais. Habitualmente designados como territórios de baixa densidade, estas zonas padecem de graves problemas demográficos (despovoamento, envelhecimento, etc.) e socioeconómicos (falta de emprego, reduzida iniciativa privada e pública, desmantelamento das funções tradicionais, etc.), que conjuntamente contribuem para uma acelerada marginalização em relação aos processos de modernização que se desenvolvem nas grandes cidades. No entanto, apesar de serem territórios em perda, observa-se, ao mesmo tempo, outras densidades menos tangíveis que reflectem algum dinamismo social dos seus residentes, como é o caso da capacidade acrescida de mobilidade espacial. Na verdade, muitos dos residentes em concelhos como Alcoutim, São Brás de Alportel ou Beja, revelam uma intensidade de circulação surpreendente. Parte destes movimentos de cariz pendular (que até há bem pouco tempo eram exclusivos das áreas metropolitanas) deve-se à expansão do raio de atracção dos diversos mercados (de trabalho, de bens, de serviços…). A este respeito é notável o nível das práticas de mobilidade motivadas pelos hábitos de consumo: idas a hipermercados, a centros comerciais, a lojas, etc. Paradoxalmente, estes territórios que se vão desmantelando e perdendo fulgor económico conhecem, simultaneamente, um incremento das deslocações e interacções das suas populações que é determinado fundamentalmente pela atracção dos mercados situados nas cidades mais próximas. Face a este paradoxo é fundamental questionar em que medida estes espaços que se tornam cada vez mais marginais, caminharão também para um processo acrescido de suburbanização. Estarão os mercados a matar o resto de vida social que ainda persiste nestes territórios? Ou, pelo contrário, é nos mercados que se e depreende alguma réstia de esperança para o futuro destas zonas?

 
Os mercados fazem bem à saúde? / João Arriscado Nunes (CES/FEUC)
A ideia de que a equidade e a eficiência na prestação de cuidados de saúde podem ser conseguidas de forma mais adequada através da privatização desses cuidados e/ou da adopção de formas de coordenação dos sistemas públicos de saúde inspiradas no mercado é inseparável da a promoção da concepção da própria saúde como um mercado em expansão e como um sector da economia altamente lucrativa. A argumentação a favor da coordenação da saúde pelo mercado, porém, tropeça em duas questões que são raramente colocadas de maneira clara e inequívoca nos muitos relatórios e publicações que pretendem demonstrar a superioridade da coordenação pelo mercado, A primeira dessas questões é a ausência de discussão sobre os modos e critérios de avaliação da eficácia dos sistemas de saúde ou dos serviços de saúde. De facto, tende-se a transformar a discussão dos meios e da sua gestão num fim em si mesmo, evitando tratar o problema da missão e dos objectivos dos sistemas de saúde, e de como avaliar o cumprimento desses objectivos, em termos, por exemplo, da evolução de indicadores do estado de saúde de uma população ou do seu acesso a cuidados de saúde. A segunda questão tem a ver com o que nos diz o estudo sistemático e comparativa da informação disponível sobre a situação da saúde em países com sistemas públicos de saúde e com prestação de cuidados de saúde dominada pelo sector privado, e sobre os efeitos da privatização dos cuidados. Estes dois aspectos são discutidos a partir de três casos.


A relação Estado-mercados: uma leitura a partir do Institucionalismo Original / Jorge Bateira (Univ. Manchester)
A teoria económica dominante justifica a intervenção do Estado na economia, quando orientada para a promoção da eficiência na afectação global dos recursos, com o facto de os mercados nem sempre respeitarem os pressupostos assumidos pelo modelo Walrasiano de equilíbrio geral, em particular porque existem bens ou serviços que o mercado não produz, porque existem externalidades na produção ou consumo mercantis, ou porque os mercados geram grande turbulência e desequilíbrios no plano macroeconómico. O facto de a investigação microeconómica ter mostrado consistentemente, ao longo de décadas, que um modelo de equilíbrio geral não produz necessariamente um equilíbrio único e estável, e que a sua estrutura e pressupostos não captam aspectos fundamentais da actividade mercantil, nem por isso levou as escolas de Economia a deixar de ensinar a Economia Pública neoclássica. O presente texto propõe uma saída para os economistas que reconhecem o fracasso do pensamento dominante na sua profissão. Começa por uma crítica ontológica e epistemológica do fundamento Walrasiano da economia neoclássica. De seguida, actualizando o pensamento institucionalista de Thorstein Veblen e Karl Polanyi, propõe um entendimento dos mercados e da economia que torna evidente a interdependência (interna e necessária) entre mercados e Estado. Aos conceitos de “falhas do mercado”, “falhas do Estado” e de “governação”, este último criado pelo Novo Institucionalismo de matriz neoclássica, são contrapostos os conceitos de “regulação estratégica” e de “desenvolvimento evolutivo”. A intervenção do Estado através da política industrial é usada para ilustrar o uso destes conceitos, clarificar os limites/insuficiências do paradigma neoclássico, e mostrar o potencial explicativo do Institucionalismo Original, tanto em situações de sucesso como de fracasso deste tipo de política.


O Estado para lá das falhas de mercado: Uma narrativa sobre dinâmicas sociais e dinâmicas institucionais / José Reis (CES/ FEUC)
A compreensão da matriz constitutiva do Estado carece de uma narrativa sobre as relações entre as dinâmicas materiais e as dinâmicas institucionais. Conhece-se a forte influência “separatista” que concebe o Estado e a sociedade como entidades opostas. Sabe-se qual é o peso da noção contratualista que presume virtudes naturais no mercado e encara o Estado como uma entidade não natural, resultante de uma estrita delegação de poderes dos cidadãos. Não se ignora a outra visão liberal, que trata a relação Estado/mercado como uma relação entre “bondade” e “perversidade”.
Mais geral é o pressuposto de que o Estado é a sede exclusiva da política enquanto o mercado e a economia são entidades despolitizadas. Isso tem sido sujeito a críticas severas e uma das visões alternativas é a proposta de Chang (2002) de que a abordagem política tem de ser assumida tanto para a análise do Estado como para a do mercado.
O que aqui defendo é que os Estados modernos das sociedades capitalistas desenvolvidas ou em desenvolvimento não têm de ser vistos apenas, como em certo sentido sugere Chang, como uma entidade estritamente institucional definidora das relações políticas essenciais, designadamente daquelas que constroem e viabilizam o mercado. A questão parece mais complexa e torna necessária a narrativa a que se alude no início. Basta pensar que o Estado define e consolida as infra-estruturas colectivas de base para o funcionamento e a inovação da sociedade e da economia,  influencia os padrões colectivos da acção económica e social e corporiza orientações estratégicas, que dizer, é um elemento activo da configuração de trajectórias. Neste sentido, o Estado associa-se à base, à acção e à trajectória do desempenho colectivo. De facto, o Estado pode ser encarado como um actor essencial da formação de uma determinada ordem relacional vasta.