Theses defended
Para um direito sem margens: representações sobre o Direito e a violência contra as mulheres
December 27, 2013
Boaventura de Sousa Santos
As reivindicações pela não discriminação, pela inclusão e por justiça social têm sido traduzidas em apelos pela redação e implementação de textos jurídicos emancipatórios. As expectativas, coletivas e individuais, recaem no Direito, perspetivando-o como uma forma de resistência contra a predação neoliberal, a degradação ecológica, o racismo, o patriarcado, a homofobia, a incapacitação das pessoas com deficiência, entre outras. Neste cenário, é necessária uma reinvenção do Direito no encalço de uma justiça de alta intensidade. A justiça de alta intensidade exige que os tribunais ousem olhar para os conflitos substantivos e estruturais que subjazem nas nossas sociedades, indo, assim, ao encontro das reivindicações atrás mencionadas. O patriarcado é, sem dúvida, uma das formas de silenciamento e subalternização mais resistentes e transversais nas diferentes sociedades, tornando-se premente analisar, num espaço e tempo em que os quadros jurídicos normativos nacionais e internacionais tendem a ser promotores da igualdade entre homens e mulheres, as conquistas que o Direito tem efetivamente possibilitado e com que intensidade. É certo que o Estado de Direito e a democracia representativa criam a impressão de que todos/as os/as cidadãos/ãs têm direitos iguais e o mesmo valor social. Mas quando rasgamos um pouco mais a capa de aparente igualdade promovida pelo liberalismo, somos confrontados/as com múltiplas discriminações e desigualdades. Impõe-se, então, indagar se o Direito oferece efetivamente aos feminismos instrumentos úteis nessa luta contra o patriarcado. A perspetiva que me move funda-se numa política de reconhecimentos, ou seja, na ideia de que uma "ecologia de reconhecimentos" (Santos, 2003b: 743) toma parte na transformação do que existe criando novos espaços de possibilidade. Ou seja, ao reconhecer eixos emancipatórios no Direito, a sociologia das ausências explora aqui a possibilidade do seu uso em lutas feministas. A luta feminista selecionada foi a luta contra a violência exercida sobre mulheres nas relações de intimidade, mormente designada de violência doméstica, que permanece na atualidade como uma relevante fonte de exclusão social. Com uma crescente visibilidade na esfera pública, traduzida num claro aumento das denúncias, este tipo específico de violência tem sido objeto de diversas políticas, em particular dirigidas à sua criminalização. Assim, a presença do Direito no combate à violência doméstica e nas reivindicações e expectativas quer das vítimas, quer das organizações de mulheres, é incontestável. Com efeito, uma crítica feminista do Direito permitiu constatar que o recurso ao direito tem tanto de temeroso quanto de inevitável. Tendo este pressuposto de base, de ceticismo mas também de crença, esta tese parte de uma questão específica ancorada empiricamente num estudo de caso - quais os obstáculos e as potencialidades do Direito no combate à violência contra as mulheres nas relações de intimidade? - para almejar a resposta a um desassossego teórico mais geral: o Direito tem lugar na luta feminista?
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