COLLOQUIUM | SESSION 4
Peripheries and their Recent Transformations
March 28, 2019, 10h00
Room 2, CES | Alta
Resumo das comunicações
28/03 – 10h às 13h
Barbara Alves Pinto Bravo; Beatriz Barbosa de Noronha; Saila-Maria Saaristo
Ativismo e alternativas nos bairros sociais em Lisboa: o olhar e experiências do coletivo Habita
Resumo:
Esta apresentação baseia-se em pesquisa-ação em curso, junto à Associação Habita que é um coletivo que luta pelo Direito à Habitação e pelo direito à Cidade em Portugal desde 2014. Muitos coletivos que lutam por estes direitos na cidade de Lisboa focam-se principalmente no centro da cidade e nos problemas de habitação das famílias portuguesas brancas, muitas vezes da classe média, que vivem em casas arrendadas do mercado privado. Não obstante, a luta pelo direito à habitação nas periferias das cidades é muito mais antiga e não se resume ao crescimento do turismo ou à especulação imobiliária.
Em Portugal, a habitação social é destinada à população residente que tem dificuldade - ou impedimento - de acesso à habitação condigna através do mercado imobiliário. Apenas 3% do parque imobiliário está destinado à habitação social caracterizados por bairros que concentram populações em condições socio-económicas vulneráveis. A arquitetura destes bairros, que resultam, na sua maioria, de realojamento dos moradores dos bairros auto-construídos, diferencia-se aos restante dos outros imóveis da cidade.
As entidades estatais têm ainda falhado com os compromissos da manutenção dos imóveis, nomeadamente das áreas comuns interiores aos edifícios, bem como as áreas circundantes como é o caso de parques infantis e/ou jardins. Isto tem resultado em grande número de fogos vagos da habitação social na Área Metropolitana de Lisboa: 3400 de um total de 52000 fogos (INE 2015). No contexto de crise habitacional, muitos destes fogos têm sido ocupados ilegalmente.
Ao longos dos anos, a Habita tem colaborado com os habitantes dos bairros sociais no sentido de melhorar as suas condições de vida e de acesso à cidade, nomeadamente no acesso e candidaturas à habitação social, na manutenção dos edifícios, nos casos em que se identifica sobrelotação dos imóveis, e nos eventos de ocupação de apartamentos vazios nesta tipologia habitacional. Nesta apresentação, vamos refletir sobre o trabalho da Habita desde o ponto de vista do serviço social radical (Ferguson 2011), activist research (Hale 2006), pesquisa-ação (Kemmis et al. 2014) ou etnografia crítica (Brown 2004; Lather 2001).
A impossibilidade de recolha de dados étnicos nos Censos dificulta a análise dos moradores dos bairros sociais em Portugal, mas é certo que existem uma forte presença de população afrodescendente e cigana, com sérias carências económicas e sociais, que o Estado se demonstra empenhado em segregar do resto dos habitantes, manifestando o racismo institucional em Portugal.
Raquel Ribeiro
Modos de provisão da habitação e processos de expulsão e segregação socioterritorial em Portugal
Resumo: Partindo de um conjunto de estudos que visam examinar os impactos psicossociais e socioterritoriais da crescente importância atribuída aos motivos, mercados, atores e instituições financeiras na provisão da habitação em Portugal, esta comunicação analisa a relação entre modos de provisão e processos de expulsão e segregação socioterritorial. Discute o papel das políticas públicas e dos atores económicos e sociais na promoção de inclusão, justiça social e não-discriminação no acesso à habitação.
Priscila Soares da Silva
A politica Habitacional para periferia: distorções da lei e impactos locais no território de inserção dos empreendimentos do PMCMV. O caso do município de Duque de Caxias.
Resumo: O presente trabalho se propõe a estudar a utilização do instrumento de demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social na viabilidade de empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida, no município de Duque de Caxias, e seu rebatimento na produção habitacional local. A combinação de regras permissivas em âmbito federal com estratégias legislativas locais aponta para um quadro de gestão privada da produção habitacional de interesse social, cujo rebatimento mais perverso se dá no território de inserção dos empreendimentos do PMCMV. Partimos da análise dos mecanismos de gestão do PMCMV e de sua forma de apropriação pelo município de Duque de Caxias, até a análise dos empreendimentos construídos e da identificação dos principais fatores responsáveis pela flexibilização da legislação municipal para atendimento da demanda do programa.
28/03 – 15h às 18h
Tiago Oliveira
Trabalho e Desenvolvimento na Periferia do Capitalismo – reflexões a partir do caso brasileiro
Resumo: o objetivo da apresentação é o de discutir, a partir da análise do caso brasileiro, a problemática que articula, de um lado, a construção e o desenvolvimento de uma economia capitalista na periferia do sistema, e de outro, a formação e a organização do mercado de trabalho sob tais condições. Deste modo, procurar-se-á refletir acerca das debilidades crônicas próprias de um mercado de trabalho periférico, a exemplo do desemprego estrutural, da informalidade ampla e persistente, dos baixos salários e da elevada concentração de renda, assim como da elevada rotatividade no emprego, contrastando sempre que necessário com a experiência histórica dos países desenvolvidos. Para além de realçar os condicionantes históricos desse processo, quando terão destaques temas como escravidão, concentração fundiária, industrialização tardia, e perfil de intervenção estatal, terão lugar na apresentação reflexões acerca dos desafios contemporâneos a serem enfrentados pelos países que pretendem superar as debilidades crônicas de seus mercados de trabalho, nomeadamente as políticas econômicas de austeridade, a formação de cadeias globais de valor, a desindustrialização, a terciarização, os avanços tecnológicos, entre outros.
Patrícia Branco
Os tribunais e a cidade, entre centros e periferias
Resumo: Para o arquiteto italiano Renzo Piano, autor do projeto do novo tribunal de Paris, inaugurado em 2018: “Um tribunal é como uma pequena cidade que tem tantas coisas diferentes que precisam estar em harmonia”. Esta citação permite-me falar sobre geografia judiciária, cidades e arquitetura de justiça, e das relações entre o judiciário, o território e o ambiente urbano. A justiça insere-se no tecido urbano e prolonga-se na cidade, nas suas ruas e praças. Por essa razão, o tribunal, não só como lugar e espaço da justiça, mas sim como um espaço estruturante da sociedade, marca também o nosso conhecimento das cidades (entendidas aqui como território). E a cidade deve ser aqui vista também como urbana e como rural, como central e como periférica, como distante e como próxima.
Tradicionalmente, os tribunais encontravam-se nos centros (históricos) urbanos, no seu seio encontravam-se vários serviços, transeuntes que assistiam a audiências. Dado que as cidades crescem a um ritmo frenético, já não é possível impor um sistema de relações coerente entre os seus espaços organizados, constituindo-se as cidades de hoje em mais uma soma de espaços do que um todo estruturado, em que se misturam e confundem funções. Assim, o que antes era um espaço vivo pode tornar-se um espaço morto.
Por outro lado, com as mudanças demográficas e estruturais tornou-se difícil pensar numa localização para um novo tribunal, dada a necessidade de criar estruturas e acessibilidades, redes de transporte e outros serviços, sendo que os centros das localidades já estão congestionados e tornaram-se disfuncionais. Nota-se assim, nos anos mais recentes, um movimento de instalação de tribunais em novas áreas urbanas afastadas do centro.
Pretendo, nesta comunicação, analisar estes fenómenos de descentralização e de exurbanização dos tribunais atendendo à literatura sobre a questão, às mudanças do mapa judiciário e às opiniões dos atores judiciários (entrevistas).
Luiza Beloti Abi Saab
O caso Rabelados em Cabo Verde: aldeias de resistência e exílio
Resumo: A proposta desta apresentação é relatar e refletir sobre a história de resistência dos Rabelados, uma aldeia de refugiados cabo verdianos no próprio país de Cabo Verde. A comunidade foi criada em meados dos anos quarenta quando a Igreja Católica impôs novas regras para seus seguidores no país, criando uma rebelião com a sociedade católica cabo-verdiana. Aqueles que não aceitaram as novas condições foram perseguidos, mortos e exilados. Alguns resistentes fugiram para os locais mais periféricos da Ilha de Santiago e se esconderam nas montanhas, criando comunidades isoladas com um novo contexto de viver, compartilhar e transmitir sua cultura sem contato ou apoio externo e governamental. Por necessidade de sobrevivência e transmissão de seus valores e costumes, os Rabelados desenvolvem um contexto muito particular e sensível de liderança, educação, economia e, principalmente, manifestações culturais. Tal contexto permanece intacto até a chegada da primeira voluntária externa, a artista cabo-verdiana Misá Kouassi, em 1998. A partir deste momento, novas transformações e transições ocorrem na aldeia em diversos âmbitos. Esta pesquisa conta com materiais inéditos da autora em seus diversos momentos de vivência na aldeia desde 2015.