Colloquium | SESSION 3

Peripheries and their Recent Transformations

March 26, 2019, 10h00

Room 2, CES | Alta

Resumo das comunicações

26/03 – 10h às 13h

Ana Rita Alves
O Gueto: racialização, memória e resistência

Resumo: Na sua música Ghetto (2013), os rappers Ne Jah e Euzy contam que, mais do que um lugar, o gueto é um espaço de pertença, aprendizagem e cultura. Não obstante, o gueto é também narrado, muitas vezes, como um espaço racializado, segregado, deixado ao abandono pelo Estado e sujeito a processos ímpares de vigilância, acosso e violência. Partindo das “Histórias da Casa”, produzidas em conjunto com moradores do bairro de realojamento Casal da Mira (Amadora, Lisboa), argumento que, mais do que um lugar, o conceito de gueto parece resumir a condição e a memória histórica de uma violência racializada e espacializada que se abate quotidianamente sobre as populações negras e ciganas em Portugal. Neste sentido, o gueto parece figurar como léxico capaz de globalizar e traduzir experiências de racialização, desumanização, mas também de resistência. Embora este termo figure, de forma intermitente, e mais descritiva que analítica, em muito do imaginário académico (Wacquant & Wilson, 1989, Wacquant, 2004), a sua utilização é recorrente em muitas das músicas de rap, cantado em crioulo cabo-verdiano, que ecoa em espaços mais periferizados da Área Metropolitana de Lisboa. Assim, considerando a quase ausência de um debate sobre racismo institucional no espaço académico em Portugal e, pelo contrário, o papel proeminente do rap na sua denúncia, interessa, aqui, debater o significado de gueto, sabendo que expressões como bairro, subúrbios e periferia são também utilizadas. Resta, por fim, perceber se perante processos históricos de segregação e deslocalização, o gueto permanecerá como imaginário e prática de resistência por parte de quem, um dia, habitou bairros auto-produzidos.


Henrique Duarte Lima
Apropriação dos ritmos do candomblé pela música popular brasileira: vozes periféricas e (re)existências culturais

Resumo:

Religião animista instituída no Brasil pelos escravos, o candomblé nasce como forma de resistência e tem sua ritualística estruturada pela música. Barbosa destaca no artigo, “Perseguição aos Terreiros de Candomblé na Década de 1920”, que mesmo após o fim da escravidão a polícia e poder público criminalizavam o candomblé como “prática de feitiçaria e falsa medicina”.

Durante o governo de Vargas as práticas musicais dos terreiros e as crenças afro-brasileiras também foram cerceadas, justificando-se “atraso cultural”. Ironicamente, neste mesmo período houve a apropriação do samba - gênero musical que nasceu no terreiro de candomblé, mais precisamente na célula rítmica do cabila - como elemento central da ideia de “identidade nacional”.

Mesmo com toda tentativa de intimidação, o candomblé resistiu e, em 1946, por iniciativa do então deputado Jorge Amado, a liberdade religiosa foi assegurada na constituição. Apesar desta garantia legal, a perseguição ainda existe, principalmente, contra frequentadores de terreiros das regiões periféricas.

O objetivo desta apresentação é trazer uma discussão sobre contradições impostas ao candomblé, que ora é colocado na periferia como uma crença atrasada, ora ocupa o centro de uma identidade nacional unificadora. Não só o samba, mas outros gêneros de grande sucesso como baião, axé music e funk carioca tiveram sua origem no candomblé.

Além das reflexões sobre a temática, serão apresentados trechos do documentário ‘Orin: música para os Orixás’, que fornecem elementos para discussão, a exemplo da história de Iuri Passos, primeiro alabê (músico do candomblé) a se tornar mestre em etnomusicologia, pela UFBA, e idealizador do projeto social Rum Alagbê, que usa a música para transformar a vida de jovens da comunidade do Terreiros da Gantois (Salvador-BA). Em uma das cenas, Iuri expõe que pesquisadores analisam a religião sob uma perspectiva do “exotismo” e defende que “é chegado o momento da comunidade falar de si”.


Carlos Guerra Júnior “Mossoró”
A música rap em confronto à xenofobia e racismo em Portugal

Resumo: Portugal recebe grande número de imigrantes das ex-colônias africanas, na década de 1980. Nesse período, o país é confrontado com constante violência e campanha racista aplicada pelos militantes da extrema-direita. Paralelo a isso, era veiculado na mídia constantemente o assunto da criminalidade ligada a "gangs de jovens africanos", que contribui para o estigma de jovens negros. Os casos de maior violência foram as mortes de José da Conceição de Carvalho, em 1989 e Alcindo Monteiro, em 1995, ambos militantes de movimentos antirracistas. Dessa forma, o rap surge como forma de combater o racismo no país. Um dos pioneiros desse ritmo em Portugal é General D, que falava abertamente de racismo, de política e da exigência por direitos.

Em termos de legislação, vigorou em Portugal, entre 1981 e 2018, uma lei que restringia a nacionalidade portuguesa aos filhos de imigrantes nos quais os seus pais estivessem cinco anos regularizados em Portugal. Em relação ao discurso midiático, os filhos de imigrantes sempre eram taxados de africanos de segunda ou terceira geração, mesmo se possuíssem nacionalidade portuguesa. Como resposta a essa recusa identitária, os rappers cantavam muitas vezes em crioulo - cabo-verdiano, guineense ou um hibridismo construído nas ruas de Lisboa -. Utilizar o crioulo é uma forma de recusar se comunicar na língua do colonizador, que até hoje não lhe oferece a cidadania plena, já que muitos rappers nasceram em Portugal, mas não consideradas portugueses.

O rapper Chullage, que surge no final da década de 1990, no cenário do hip hop português, também tem um discurso contundente contra o racismo em Portugal. Um dos seus singles mais populares chama-se "Portugal aos Portugueses", na qual ele reverte a lógica xenófoba do lema original. Portugal aos Portugueses é o lema do PNR, partido de extrema-direita, que busca expulsar os imigrantes de Portugal. Chullage retrata que o mundo deveria ser apenas um, não havendo fronteiras ou barreiras. Também será mencionado o caso do grupo Kartel 31, de Vila Nova de Famalicão (norte de Portugal), que foi criado com o objetivo de integrar ciganos em um grupo de rap, sendo uma proposta pioneira no país. Os ciganos vivem em Portugal há mais de cinco séculos, mas ainda são considerados estrangeiros.


26/03 – 15h às 18h

Ana Cristina Leal Ribeiro
Educação Emancipatória: práticas e saberes

Resumo: A reflexão sobre práticas e vivências pedagógicas que dialoguem com a educação não formal e popular pode contribuir para mudanças nas relações entre as pessoas, no contexto em que estão inseridas e na sociedade. Essa união se contrapõe ao sistema hegemônico que desvaloriza a diversidade, especialmente a dos que vivem em situação de exclusão social. A educação não formal e a educação popular convergem para a produção de conhecimentos e saberes, por meio da partilha de vivências e experiências cotidianas, convidando a refletir sobre práticas que contribuam para a formação crítica, o empoderamento e a emancipação dos sujeitos. Uma educação emancipatória considera as vivências em sociedade, suas diversidades e relações, contribuindo para uma formação política voltada à cidadania e coletividade. Esta comunicação relata uma experiência educativa referente a dois planos de intervenção utilizados como práticas pedagógicas entre 2015 e 2016, na atividade como educadora social de uma ONG em Salvador, Bahia, Brasil. O projeto visava fortalecer vínculos familiares e comunitários de pessoas em situação de vulnerabilidade utilizando ferramentas socioeducativas. As atividades foram desenvolvidas com uma turma composta majoritariamente por mulheres negras de 53 a 82 anos, considerando o cenário de desigualdade e exclusão existente na realidade dessas mulheres, e pensadas como ferramentas na luta antirracista, antissexista e no combate às discriminações. Os planos de intervenção, intitulados “Assinado: Meu eu!” e “Poesias que contam vidas”, partiram de questões problematizadoras interseccionais e utilizaram autonarrativas para destacar o protagonismo nas experiências/vivências a partir do relato das histórias de vida. Observou-se que práticas pedagógicas que fortalecem a autoestima e valorizam as identidades contribuem à conscientização crítica e à tomada de decisões. As vivências e partilhas conduzidas horizontalmente facilitaram o processo de ensino-aprendizagem, permitindo compreender que uma educação emancipadora precisa se constituir como uma ferramenta de valorização do protagonismo e de empoderamento.


Marcos Gomes
Experiência docente em escolas de periferia

Resumo: A partir da prática docente na rede pública de ensino básico, na periferia de Londrina, Paraná, entre 2004 e 2017, objetiva-se apresentar algumas possibilidades e limitações da ação pedagógica, determinada pelas condições estruturantes que o campo educacional revela aos agentes que nele atuam e que dele fazem parte. Há dois aspectos para destacar:

1. As relações que os docentes estabelecem com a comunidade escolar e as formas surpreendentes que a desigualdade de poder dessas relações delimitam para o campo da educação.

2. As chances de aprendizagem, construção de liberdade e autonomia, viabilizadas ou não, pelo envolvimento afetivo dos alunos com os docentes, bem como a motivação politicamente situada de contrução de conhecimentos sobre o mundo e sobre si, como alguém que reconhece sua condição econômica, geográfica e cultural, em um contexto mais amplo do espaço urbano no qual sua comunidade localiza-se.

As bases culturais, burocráticas e comportamentais nais quais esses dois eixos se sustentam, entrelaçam-se pelo conceito de “experiência”, como formulou E. P. Thompson, na medida em que cada indivíduo atribui, a princípio, os significados de sua existência segundo os próprios termos em que sua biografia é construída. Nesse contexto, identifico traços relevantes que podem formar um padrão social do campo educacional na periferia: a) o medo; b) a precarização; c) a ambiguidade da noção de “lugar de fala”; d) a dinâmica e rotina do trabalho docente; e) o neopentecostalismo; f) o conservadorismo; g) a indisciplina como habitus adquirido.

Minha hipótese é que esse conjunto de características delimita a escola como instituição distante da crítica da “escola sem partido”, e a distancia, igualmente, de práticas pedagógicas freirianas. Pelas condições objetivas e subjetivas das escolas de periferia nas quais trabalhei, reconhecer uma realidade de profunda romantização do ambiente educativo pode ser um dos passos iniciais para a promoção de condutas pedagógicas alternativas, sugeridas no eixo 2.


Gustavo García López
Planificación insurgente y el derecho a la ciudad ante el colonialismo del desastre en Puerto Rico

Resumo: Puerto Rico enfrenta una crisis multifacética de deuda masiva ($72 mil millones USD), una recesión económica de más de una década, y altos niveles de pobreza, desigualdad y emigración. Todo esto se enmarca en un contexto de más de un siglo de colonización por parte de los Estados Unidos, y un capitalismo del desastre que busca aprovecharse de esta crisis así como de los estragos causados por el huracán María. En otras palabras, Puerto Rico está ante un “colonialismo del desastre”

En este contexto, el espacio urbano de San Juan se ha tornado en una gran ‘oportunidad’ para el capital. Pero a la misma vez, grupos comunitarios de diversa índole han estado rescatando terrenos y edificios abandonados a la vez que luchan contra las políticas de exclusión y marginación urbana.

Esta presentación busca entender estos esfuerzos desde la perspectiva del derecho a la ciudad y la planificación insurgente. La reflexión parte de la experiencia del autor como profesor de cursos que se han integrado de diversas formas en algunos de estos esfuerzos comunitarios, incluyendo Casa Taft 169 en el Barrio Machuchal; ENLACE y el G-8 del Caño Martín Peña; el Huerto, Vivero y Bosque Urbano de Capetillo, y la Brigada Puerta de Tierra. Se discutirán las experiencias de estos proyectos y los retos y oportunidades que tienen para crear una ciudad más justa y eco-lógica.