Seminar | «Deconfined Talks»

Society, Social Sciences and CES in face of the challenges of the pandemic

Boaventura de Sousa Santos (CES/FEUC)

June 9, 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Online event

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 9 de junho de 2020 o primeiro seminário “Conversas Desconfiadas”, promovido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinada ao tema desafios da pandemia para a sociedade, para as ciências sociais e para o Centro de Estudos Sociais.

A sessão inaugural desta série de seminários contou com a participação de Boaventura de Sousa Santos, professor jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e com os comentários de Cláudia Carvalho, Gaia Giuliani e Hugo Pinto, investigadores do Centro de Estudos Sociais.

A intervenção de Boaventura viu o sociólogo abordar alguns dos temas abordados na sua mais recente obra, A Cruel Pedagogia do Vírus, sublinhando algumas ideias que diziam particular respeito aos investigadores presentes.

Da mesma forma que o início século XIX foi marcado pela industrialização e o início do século XX pela primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, também o início século XXI está a ser marcado pelo COVID-19, mais do que pela crise de 2008, argumentou Boaventura, sublinhando o papel que estes eventos desempenharam em momentos de transição histórica.

Intelectualmente provocador, Boaventura de Sousa Santos lançou a ideia de que da mesma maneira que o confinamento perante a pandemia foi uma fuga perante a incerteza do que fazer e a falta de soluções, também os efeitos do colonialismo nos povos do Sul tinha surtido um efeito similar, apontando para escravatura e as tentativas de fuga dos escravos como exemplo de outras pandemias que duram há séculos e para as quais ainda não encontrámos cura.

O capitalismo também se tornou numa pandemia, pandemia essa que potenciou os efeitos nocivos do COVID-19, dadas as décadas de desinvestimento público nos serviços nacionais de saúde, que vieram demonstrar que a ideia de que o mercado encontra sempre soluções foi facilmente destronada assim que o vírus atingiu os países e o Estado foi o reduto possível.

Utilizando estes exemplos como mote, Boaventura de Sousa Santos sublinhou as desigualdades e fragilidades das camadas mais vulneráveis da população que a pandemia tem evidenciado, provando falsa a tese de que o vírus seria democrático. Hoje podemos dizer que muito pelo contrário, o vírus só agravou o processo há muito posto em marcha pelo processo de civilizacional marcado por um pendor capitalista neoliberal.

Para encerrar o primeiro tópico, o professor jubilado sugeriu três possíveis cenários para o futuro: o da falsa ideia de que tudo voltará ao normal, sendo que o mais provável é que encontremos uma nova normalidade assente em novas vagas intermitentes e/ou mutações do coronavírus; o de que tudo mudará para que tudo fique na mesma, que passará pelo reinvestimento em infraestruturas e no serviço nacional de saúde, mantendo o mesmo modelo de desenvolvimento que nos trouxe até aqui em primeiro lugar, descurando assim as lições que podemos tirar das causas da pandemia e da ação humana sobre o ambiente e ecossistemas; e o último cenário, mais otimista, que passa por uma transição paradigmática que rompa com o modelo capitalista, patriarcal e colonialista que marca as sociedades contemporâneas.

Sobre o segundo tema, Boaventura de Sousa Santos questionou até que ponto estão as ciências sociais preparadas para investigar a realidade social que se está a redefinir e quão adequados são os métodos, teorias e conceitos para esse trabalho, sendo que uma das implicações que podemos tirar da pandemia é que houve uma redefinição do espaço social e das formas de interação entre indivíduos.

O professor alertou ainda para a tendência de se entrar num novo positivismo, que procure reduzir a realidade social a números, gráficos e estatísticas, tendência esta que se tem manifestado na quantificação mediática do COVID-19.

Por fim, Boaventura exortou os investigadores do Centro de Estudos Sociais a tomarem a iniciativa de pensarem em alternativas. Os tempos que se avizinham requerem novas formas de pensar e são particularmente desafiantes para as ciências sociais. Talvez esta pandemia permita resolver uma outra pandemia do ensino superior em Portugal: a do distanciamento entre professores, investigadores e estudantes, a da mercantilização do ensino superior que vê os estudantes transformarem-se consumidores e da instabilidade profissional dos investigadores e cientistas, reduzidos a objetos de produtivismo.

O primeiro comentário deste seminário foi feito por Cláudia Carvalho, tendo a investigadora sublinhado o quão desajustado o conceito clássico de família se tem revelado recentemente, sobretudo perante os efeitos do vírus, questionando se não devemos criar um novo conceito de família, mais virado para as relações com vizinhos, amigos e a comunidade.

Cláudia Carvalho sublinhou ainda três desafios para que pensemos em alternativas: a necessidade de promover o contacto que foi perdido com a pandemia, sobretudo entre decisores políticos e a população que é afetada pelas políticas; a necessidade de prestarmos mais atenção aos que nos rodeiam, tanto na forma de vizinhos ou conhecidos, como na forma de comunidades e zonas menos visíveis, mas que podem ser igualmente ou até mais afetadas com o COVID-19 e ainda a necessidade de repensarmos a sociedade civil e promovermos os valores da solidariedade, proximidade ao próximo e respeito pelo meio ambiente.

Seguiu-se o comentário de Gaia Giuliani, no qual a investigadora destacou como a pandemia veio materializar as desigualdades e fragilidades sociais e como a desresponsabilização do estado social pelas suas funções potenciou o clima de medo. Gaia abordou também a forma como o ocidente está a liderar a resposta mundial à pandemia e como se estão a repetir os erros do passado, baseando-se essa resposta numa visão ocidentocêntrica que descura relações complexas e as interdependências entre seres humanos. A investigadora terminou destacando os desafios que o futuro trará, desafios esses que não podem nem devem ser vistos a uma escala nacional, dada a dimensão global do problema.

Hugo Pinto fez o último comentário do seminário, revisitando a evolução do COVID-19 na Europa: de uma fase inicial de um vírus que afetava uma região da China, quando parecia distante e surreal, aos contágios na Europa quando o choque se abateu, até à quarentena e a uma alteração radical nas formas de estar e viver, apenas para os meses seguintes se dividirem entre alguma esperança em melhores dias e o ceticismo de que uma mudança substantiva venha a ocorrer.

O investigador também abordou as desigualdades territoriais que a pandemia exacerbou e exortou a Economia enquanto disciplina científica a repensar as teorias desatualizadas e pressupostos frágeis que ainda vigoram e a reinventar o seu ensino, que permanece o mesmo há várias décadas, apesar das transformações que a sociedade foi enfrentando. Hugo Pinto concluiu com a consideração de que as ciências sociais se devem transformar em ciências engajadas, atribuindo mais importância aos valores, uma vez que sem essa intenção de criar sociedades melhores o conhecimento não poderá verdadeiramente tornar-se em sabedoria.


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