Seminar | «Deconfined Talks»

Reconciling scientific work with the pandemic

Mónica Lopes

Tiago Castela

June 16, 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Online event

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 16 de junho o segundo seminário “Conversas Desconfiadas”, promovido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinada ao tema Conciliação do trabalho científico com a pandemia.

A segunda sessão deste ciclo de seminários contou com a participação de Tiago Castela e Mónica Lopes, investigador/a do Centro de Estudos Sociais e teve comentários de Adriana Bebiano e Tatiana Moura, investigadoras da mesma instituição.

Tiago Castela iniciou a sua intervenção destacando as desigualdades de género na academia e a pressão que o contexto da quarentena colocou sobre os académicos com crianças e familiares dependentes. Destacou ainda dos académicos que têm relacionamentos com profissionais de saúde e outros profissionais cuja atividade se manteve durante a quarentena, assim como as dificuldades acrescidas que essas circunstâncias criaram.

O abordou em seguida algumas das contingências impostas ao trabalho científico, sobretudo a nível da consulta de arquivos, que é essencial em determinados ramos de investigação. Este tipo de trabalho ficou altamente condicionado e se em alguns casos existiam digitalizações dos documentos, em muitos outros essa via não estava disponível. A consulta de livros, que nem sempre pode ser substituída por artigos, foi igualmente condicionada e penalizou o estudo e a investigação de igual forma.

Tiago Castela exemplificou que o Arquivo Nacional da Torre do Tombo ofereceu serviços de digitalização a preço reduzido durante esta vigência e a importância dessa medida no acesso a este tipo de informação, sublinhando que deslocações para consulta de arquivos representam consideráveis despesas para os centros de investigação que poderiam ser substituídas por serviços análogos, sendo esta uma ilação positiva a tirar da pandemia.

O investigador destacou o impacto que a quarentena teve na vida académica e na docência. As aulas online, impessoais por natureza, não substituem as interações informais que permitem trocar ideias e depreender a evolução do processo de ensino-aprendizagem. Houve uma necessidade de se reforçar o contacto com os alunos, sobretudo os estudantes de ciclos pós-graduados.

Houve vários alunos que com a pandemia perderam as fontes de financiamento dos seus estudos, mas que ainda assim se viram confrontados com o pagamento de propinas. Tiago Castela questionou então, caso haja um segundo surto, se vale a pena manter a universidade a funcionar, apontando para o exemplo de grandes universidades que encerraram durante o segundo semestre, ou optaram por modelos de ensino mais tutoriais e menos intensivo, destacando a importância de não se repetirem os erros nem as injustiças para os estudantes.

A segunda intervenção da tarde ficou a cargo de Mónica Lopes, que se focou nos impactos da pandemia nas relações sociais de género e nas desigualdades de género no meio académico.

A investigador notou que muitas das desigualdades de que falamos antecedem a pandemia, estando bem-documentadas e investigadas, uma vez que a academia não está alheia ao sistema social e cultural, ele próprio produtor de desigualdades que são reproduzidas pelo próprio sistema do qual o ensino superior faz parte,  contrariamente ao que a ideia de neutralidade e auto-reflexão inerente ao trabalho científico nelas realizado supõe.

As questões da segregação sexual do trabalho estão bem presentes nas academias e vemos isso no número de mulheres em altos cargos de órgãos das instituições científicas e do ensino superior, pelo rácio de mulheres que ocupam cargos no geral, pela feminização do trabalho administrativo e de baixos cargos, para além das questões do glass ceiling, das diferenças de rendimento, da menor disponibilidade de recursos para a investigação e condições de trabalho adversas para quem tem filhos menores.

Estas desigualdades fundamentam-se em lógicas organizacionais dominadas por processos meritocratas quantitativos, que tendem a avaliar negativamente as mulheres, pela sua maior dificuldade em conciliar o trabalho doméstico e a maternidade com o trabalho profissional, algo que tem sido naturalizado no ensino superior nos últimos anos, numa lógica de mercantilização da ciência.

Apesar de ser cedo para avaliar o impacto da pandemia nas investigadoras, alguns dados preliminares apontam para uma redução drástica no número de submissões de artigos científicos, tendência esta que não se verificou em igual grandeza nos investigadores do sexo masculino. Isto explica-se pelas medidas motivadas pela quarentena terem incidido sobretudo no espaço que se situa entre o domínio público e privado, que é um espaço particular feminino, dada a feminização do trabalho doméstico e da prestação de cuidados e suporte de familiares, sobretudo no caso das crianças.

Estes resultados não são de todo surpreendentes, dado o teletrabalho ser tendencial encarado de forma mais positiva pelos homens, enquanto as mulheres tendem a ter mais reservas e dificuldades na sua conciliação com a vida pessoal, uma vez que requer uma hibridização do espaço privado e doméstico em espaço profissional.

Mónica Lopes concluiu sublinhando a necessidade de se repensar os critérios de desempenho e produtividade científica atendendo às limitações que investigadores com filhos têm, por forma a serem menos penalizadores para as mulheres, algo que poderia ser conseguido se estas fossem mais incluídas nas discussões sobre este assunto.

O primeiro comentário às intervenções ficou a cargo de Adriana Bebiano, que destacou os diferentes enfoques dos participantes no que concerne aos impactos da pandemia no trabalho científico: Tiago Castela focou-se nos constrangimentos e nas formas de ultrapassar os constrangimentos, enquanto Mónica Lopes destacou as dificuldades em conciliar a vida pessoal e familiar com o trabalho e a forma como a quarentena exacerbou formas de desigualdades pré-existentes.

Esta distinção serviu de mote para uma reflexão sobre o discurso moralista do trabalho e da produtividade científica que se tem vindo a instituir no setor, que contribui para uma hierarquização que coloque o trabalho como máxima prioridade, como sucede com a neoliberalização do trabalho científico e a quantificação da ciência.

Adriana Bebiano frisou ainda que o confinamento deu a possibilidade de estar em casa, estar com a família, possibilidade essa que foi vista desde logo como uma obstrução ao trabalho científico. Em vez deste tempo ter sido utilizado para pensar e investir no trabalho intelectual, houve uma migração do trabalho científico para o plano online, porque existe pressão para produzir, ser visível, e à prova constante de que se merece o lugar na academia.

A segunda e última intervenção do seminário veio de Tatiana Moura, que abordou o impacto da quarentena na saúde mental e o sentimento de culpa que se gerou perante a impossibilidade de cuidar da família e manter os mesmos níveis de produtividade, sentimento este que complicou mais ainda um contexto por si já difícil e que foi desvalorizado nos discursos institucionais que frisavam a necessidade de manter os níveis de produtividade e a normalidade do trabalho académico.

Este contexto foi particularmente prejudicial para investigadores que trabalham em lógicas de investigação-ação, que implicam uma proximidade com os outros, o que é impossível nestas circunstâncias. A investigadora falou ainda na dificuldade encontrada ao tentar adaptar métodos e projetos de investigação em poucos dias, para satisfazer as exigências das entidades financiadoras e dos centros de investigação, quando ainda mal se conheciam as ramificações ou a severidade do problema.

Tatiana Moura revisitou ainda a questão das desigualdades de género que a quarentena veio agravar, destacando indicadores como a violência doméstica em particular e outros tipos de violência em geral como representativos de um outro lado negro da pandemia que se têm vindo a verificar por todo o mundo.


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