Seminário
Um Espaço Liberal: Uma História das Extensões Ilegalizadas de Lisboa
Tiago Castela (CES)
30 de abril de 2013, 18h00
Sala 1, CES-Coimbra
Com introdução por Gonçalo Canto Moniz (CES/DARQ)
Resumo
Este seminário destina-se à apresentação das conclusões da tese de doutoramento do investigador de pós-doutoramento Tiago Castela. A tese examina a história dos chamados loteamentos “clandestinos” da área de Lisboa durante a segunda metade do século XX, enquanto aproximação heurística a uma genealogia do conhecimento do planeamento espacial. O seminário concentra-se no período entre a emergência dos loteamentos “clandestinos” durante a ditadura de Salazar em 1958 e o início da democratização política.
Após a Segunda Guerra Mundial, uma parte significativa das novas extensões urbanas europeias—em cidades como Paris, Barcelona, Roma, Belgrado, Atenas ou Istanbul—foi produzida informalmente, ou seja, frequentemente a divisão da terra e as novas construções não eram autorizadas pelos aparatos estatais. A capital portuguesa não constituiu exceção. Desde o segundo quartel do século que a criação de bairros ditos “de barracas” acompanhava uma expansão urbana segregada, pautada por demolições decretadas pelo governo da cidade.
A partir da década de 50 do século passado, a produção informal de loteamentos suburbanos constituiu uma nova forma de extensão da cidade da classe trabalhadora, distinta dos bairros “de barracas” construídos sem licença em terrenos ocupados ou arrendados. Era iniciada por loteadores privados através do parcelamento por destaques legais e da venda formal de lotes, em terrenos próximos dos limites municipais da capital propriedade de famílias anteriormente aristocratas; no caso de Casal de Cambra, o loteador era um industrialista que mais tarde seria um dos fundadores de um importante banco privado. Para os trabalhadores assalariados de baixa remuneração de Lisboa, o processo permitia o acesso à propriedade fundiária para a construção de casas, muitas vezes sem licença. Tal não era necessariamente ilegal, e na prática os municípios suburbanos raramente demonstraram a intenção de demolir habitações não licenciadas em loteamentos informais. Pelo contrário, durante a década de 60 contrataram profissionais da arquitetura e do urbanismo para estudar os novos loteamentos de facto, criando infraestrutura pública limitada.
Simultaneamente, o aparato estatal central alterou gradualmente o direito do urbanismo numa reação explícita aos medos sobre os “bairros clandestinos”, ilegalizando os modos informais de construção e loteamento, e fomentando um regime dual de planeamento espacial que se consolidou após o início da democratização política, não tendo sido ainda desmantelado. Tais “bairros clandestinos” suburbanos vieram a alojar uma parte significativa dos habitantes da área metropolitana; em 1980, entre 20 e 30 por cento viviam submetidos a um estado de expetativa em relação à legalização e à provisão de uma infraestrutura pública plena.
Hoje, a existência de uma vigorosa indústria da legalização mostra que a maioria do parcelamento fundiário informal não foi ainda licenciado, e as persistentes práticas de demolição de bairros “de barracas” contemporâneos como a Quinta da Serra foram recentemente adaptadas para violentamente selecionar famílias de acordo com a ideia política que suportou desde o início a gestão de facto do “clandestino”: a necessidade do aparato estatal fomentar a propriedade habitacional entre os trabalhadores de baixa remuneração.
Compreender a produção dos chamados “bairros clandestinos” da periferia de Lisboa é crucial para uma reflexão sobre a formação situada das categorias contemporâneas do planeamento espacial. A tese explora em particular as categorias de planeamento que implicam privilegiar a constituição de sujeitos livres e empreendedores em regimes autoritários, como as ditaduras de Salazar e de Caetano.
Nota biográfica
Tiago Castela é investigador de pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Integra o Núcleo de Estudos sobre Cidades, Cultura e Arquitetura. É doutorado em História da Arquitetura e do Urbanismo pela Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA), e licenciado em Arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa (Portugal). A sua tese de doutoramento discute a história dos loteamentos suburbanos ilegalizados para trabalhadores na área de Lisboa em Portugal, privilegiando o papel do governo da informalidade na formação dum regime dual de planeamento durante a segunda metade do século XX. A sua atual investigação continua esta genealogia do planeamento no projeto do desenvolvimento do pós-guerra ao explorar a história do urbanismo colonial em Moçambique do fim da Segunda Guerra Mundial à independência, concentrando-se no modo como o planeamento estatal português geriu a produção informal de periferias urbanas na atual cidade de Maputo. Coordenará o projeto de investigação exploratória "Aspirações Urbanas em Moçambique Colonial/Pós-Colonial: O Governo da Divisão Desigual de Cidades, 1945-2010".
Nota:Atividade no âmbito do Núcleo de Estudos sobre Cidades, Culturas, e Arquitetura (CCArq).