Teresa Fonseca
Quando as palavras são borboletas a sugar sais minerais dos ossos…
às vezes os frutos delas são vagas de asas a bater
indefesas
às vezes são colhidas
pela vida
da boca
em ritmo forte
quando a boca é um bico de filtro eficaz
as palavras soltam-se do ciclo letal
comem e defecam
ora a sopa nutritiva
ora o líquido venoso
vão ser
as palavras
solta-se o alarme
os cangalheiros das palavras vão a caminho
elas
são a morte encontrada
e sabem que não é preciso ter pressa porque com a dignidade da caçada
se tornarão lentamente necrófagas como abutres
são vespas grandes a embater nos vidros transparentes
e nós do outro lado
asfixiamos
com a protecção dos veados
na cabeça
e as palavras a zumbir como vespas
grandes
e a entrarem-nos pelo nariz pela boca pelos pêlos pelos poros da pele
num zumbido rizomático
comem-nos
defecam-nos
as palavras
e nós do outro lado do vidro
Cantiga d’amigo
no lugar da fonte ficou o fluxo vermelho quebrado pela fluidez do cervo
ela brada e debanda e o amigo parado, refastelado. Pois então!
a areia molhada sonha com uma avelaneira florida no
corpo outono
e o rap de repetição.
o barco despido atracou uma e outra e outra vez
suja de lodo não mexe. tremida.
apodrece já a memória da romaria na mãe enguiçada
e as amigas fadadas de fresco enfadam no lar os maridos que embarcam noutras marés de velas enfunadas
e o rap de repetição.
no lugar da avezinha a vizinha de véu corvo com olhos de peixe de vidros estilhaçados
e o amigo que vem de peniche pavoneado e mareado e de velas apagadas.
ela sóquente só quente só e quente
nem albas nem salvas nem valsas
Teresa Fonseca (n. 1969, Coimbra). Licenciou-se em 1994, pela Universidade de Coimbra. Lecciona as disciplinas de língua portuguesa e de Inglês no ensino básico e secundário desde 1994. É membro do Conselho Editorial e do Conselho de Redacção da revista Oficina de Poesia desde 2006. Tem orientado oficinas de escrita criativa em contexto escolar. Tem participado em leituras públicas de poesia.
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