Teses Defendidas

A construção (difícil?) de uma justiça democrática nas sociedades contemporâneas: o caso português

Conceição Gomes

Data de Defesa
20 de Dezembro de 2023
Programa de Doutoramento
Sociologia
Orientação
Boaventura de Sousa Santos
Resumo
O estudo desenvolvido no âmbito desta tese, filiado na sociologia do direito, enquadra-se no vasto campo de estudos sociológicos sobre o direito, os sistemas de justiça, os tribunais e a administração da justiça. Ancora-se em dois principais pressupostos teóricos: o protagonismo dos tribunais nas sociedades contemporâneas e a globalização da reforma dos sistemas jurídico e judicial. Hoje, as sociedades, ainda que com matizes e intensidades diferentes, conferem aos tribunais um papel social e político relevante, seja como órgãos de controlo social e de resolução de conflitos, de proteção de direitos, liberdades e garantias fundamentais, como instrumentos de criação de um ambiente de estabilidade e de segurança jurídica facilitador das trocas económicas e do investimento financeiro, seja, ainda, como órgãos de fiscalização e de balizamento da ação governativa. O protagonismo social e político dos tribunais, exacerbado num tempo de forte mediatização da justiça, também os expõe ao escrutínio e à crítica pública.

A partir da década de noventa do século passado, um dos consensos sobre a justiça é, em muitos países, o de tribunais funcionalmente demasiado lentos e burocráticos. Em resposta a esse diagnóstico, a agenda de reformas foca-se estrategicamente na procura de mais celeridade e mais eficiência da justiça. A preocupação com a qualidade é mais tardia e também mais difusa. Ainda menos premente, mas mais complexa, é a preocupação com a criação de condições para que os tribunais possam desempenhar um papel relevante, democraticamente progressista, na transformação social, na proteção dos direitos humanos e na resposta às vulnerabilidades sociais. A reconfiguração do papel social e político dos tribunais e dos termos em que pode desempenhar esse papel depende de vários fatores, desde a cultura jurídica dominante ao desenvolvimento económico do país. Mas, há uma forte correlação entre as reformas da justiça e o perfil do desempenho funcional dos tribunais.

As agendas políticas e as reformas da justiça em Portugal, incluindo o processo de construção e de desenvolvimento dessas reformas, constituem o objeto de estudo. Dedico especial atenção às reformas do mapa e da organização judiciária, enquanto eixo estrutural da organização e do funcionamento do sistema judicial, e da formação de magistrados, enquanto reforma crucial para a transformação democrática da cultura judiciária e para a criação de uma relação mais virtuosa entre tribunais e cidadania. Analiso as dinâmicas de ação do poder político e também do poder judicial (corresponsável na medida das suas competências pelo processo de aplicação das reformas) na orientação estratégica, nas soluções e no desenvolvimento das reformas. O objetivo é avaliar se refletem ou não inovações democraticamente transformadoras do sistema de justiça, em especial, da cultura jurídica e judicial e do perfil sociopolítico dos tribunais. Isto é, se as reformas da justiça procuram um processo de rutura em relação a modelos estruturais e funcionais de pendor tecnocrático, de inovação que aprofunde a eficiência e a celeridade da justiça e a sua transformação democrática ou, pelo contrário, um processo incremental, reprodutor da cultura e de práticas judiciárias, que sirva os propósitos da dominação política de matriz neoliberal, acomodando a justiça num papel de normalizadora do controlo social, de apaziguadora de conflitos e de estabilizadora da segurança jurídica e menos de transformação social.

Procuro, com este estudo, produzir uma reflexão ampla e articulada relevante para o conhecimento científico no domínio da sociologia do direito e para o desenvolvimento de reformas estruturantes do sistema de justiça, para que possa responder com qualidade e num tempo socialmente adequado à procura de tutela judicial, dar especial atenção à cidadania, e desenvolver um ativismo judiciário democrático e estrutural (e não ocasional) na luta contra a criminalidade grave, em especial contra a corrupção, e na proteção de direitos humanos e de direitos sociais e económicos. Com esta reflexão espero contribuir para a construção de uma justiça democrática na sociedade portuguesa.

Palavras chave: sociologia do direito, reformas democráticas da justiça, tribunais, mapa judiciário e formação dos magistrados