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Nº 52/53
Fevereiro de 1999
Vinte anos de teoria social
ISSN 0254-1106 e ISSN eletrónico 2182-7435
  O todo é igual a cada uma das partes - Boaventura de Sousa Santos  
 
João Arriscado Nunes
  Para além das "duas culturas": tecnociências, tecnoculturas e teoria crítica  (pp. 15-60)
 A reconstrução de uma teoria crítica capaz de responder aos desafios da transição pós-moderna passa por uma reconfiguração do mapa dos saberes que permita ultrapassar a divisão entre as "duas culturas" das humanidades e das ciências, redefinir o papel das ciências sociais na mediação entre elas e subverter as hierarquias culturais que a modernidade gerou e consolidou. A nova configuração de saberes deve ser capaz de responder aos problemas decorrentes da centralidade das tecnociências e das tecnoculturas nas sociedades contemporâneas, procurando, ao mesmo tempo, "pôr a ciência em cultura" e "ecologizar" o conjunto dos saberes. O conceito de articulação, inspirado em Stuart Hall, permite pôr em relação o processo de reconfiguração dos saberes e a criação de formas inovadoras de intervenção cultural e política de sentido democrático e emancipatório.
 
António Sousa Ribeiro e Maria Irene Ramalho
  Dos estudos literários aos estudos culturais?  (pp. 61-83)
 Percorrem-se sucintamente alguns aspectos da crise dos estudos literários e da (auto)definição dos estudos culturais. Depois de algumas observações críticas sobre a relação entre os dois campos, rejeita-se uma absolutização simplista dos estudos culturais, concluindo-se que uma perspectiva genuinamente transdiciplinar ou pós-disciplinar deve antes basear-se num modelo cooperativo, assente no repensar radical das tradições disciplinares e na desestabilização das categorias que as informam, mas capaz, ao mesmo tempo, de reflectir a especificidade das práticas que toma por objecto.
 
Carlos Fortuna, Claudino Ferreira e Paula Abreu
  Espaço Público Urbano e Cultura em Portugal  (pp. 85-117)
 Partindo do reconhecimento que um conjunto de circunstâncias variadas projectaram recentemente a cultura para um lugar de grande centralidade no ordenamento social e político dominante em Portugal, este texto procede a uma discussão sobre as práticas culturais e os espaços públicos urbanos. Pretende-se avaliar as suas potencialidades para um eventual reforço dos espaços de participação e expressão colectiva e para a diversificação das sociabilidades em Portugal. Nesses termos, ponderam-se os efeitos do carácter socialmente diferenciador da cultura e dos processos de mercantilização e normalização a que está crescentemente sujeita. Conclui-se que a relação da cultura com o espaço público é um jogo em aberto, que tanto pode saldar-se por um reforço da qualidade da cidadania, como pela cristalização dos enclaves de estilos de vida e das hierarquias sociais.
 
João Tolda, José Reis e Lina Coelho
  A diferenciação das economias: visões dos últimos 20 anos  (pp. 119-139)
 Discute-se neste texto a evolução das perspectivas sobre a diferenciação das economias, tendo em vista a importância que se atribui ao território. Parte-se das análises interdisciplinares sobre a dicotomia rural/urbano e sobre o emprego, para chegar às questões organizacionais e do conhecimento, numa lógica de relações global/local. A conclusão é de natureza prospectiva, acentuando-se especialmente as questões institucionais e as relacionadas com a competitividade urbana.
 
António Casimiro Ferreira e Hermes Augusto Costa
  Para uma sociologia das relações laborais em Portugal  (pp. 141-171)
 A diversidade é um traço característico das abordagens feitas em Portugal em matéria de relações laborais, facto que não deve ser dissociado de um leque de especificidades que foram moldando esse padrão de relações. Neste artigo, parte-se de uma pesquisa da produção científica realizada nos últimos 20 anos nas mais importantes revistas portuguesas de ciências sociais nas quais aparece debatida a problemática das relações laborais. Após identificados cinco principais temas com ela relacionados – olhares temporais e contextuais sobre o movimento operário; dinâmicas organizacionais e mutações tecnológicas; diferença sexual e relações na produção; trabalho/ (des)emprego; institucionalização do diálogo social –, levantam-se, a título de complemento e como pistas de investigação futura, outros temas ou abordagens possíveis.
 
Elísio Estanque e José Manuel Mendes
  Análise de classes e mobilidade social em Portugal: Um breve balanço crítico  (pp. 173-198)
 No presente texto são sumariamente recenseadas as principais publicações da produção sociológica portuguesa centrada nas teorias das classes e da mobilidade social. Começa-se por revisitar, de forma necessariamente resumida, os principais contributos elaborados a partir da década de setenta, referindo-se o seu significado analítico e algumas conclusões mais relevantes. Em seguida, apresenta-se a inovação conceptual trazida pelas novas tipologias e estudos vindas a lume mais recentemente e tecem-se alguns comentários – explicitando-se uma ou outra perplexidade –, quer quanto à tipologia que tem dominado a análise das classes em Portugal, quer quanto à interpretação dos resultados em alguns dos estudos sobre mobilidade social. Em jeito de conclusão, indicam-se algumas lacunas da investigação neste campo, numa tentativa prospectiva de situar possíveis caminhos a seguir.
 
Virgínia Ferreira
  Os paradoxos da situação das mulheres em Portugal  (pp. 199-227)
 Um olhar atento sobre a situação das mulheres na sociedade portuguesa não pode deixar de ser um olhar perplexo, sobretudo se se adoptar uma perspectiva comparada, tantos são os paradoxos à primeira vista inexplicáveis. Neste texto, procuro compreender alguns desses paradoxos, em especial os que resultam dos elevados índices de inserção no mercado de trabalho. Na verdade, apesar destes índices, as mulheres portuguesas são das que contam com menor partilha por parte dos homens nas tarefas domésticas e das que menos participam na vida pública e política. Por outro lado, tudo isto se passa num quadro jurídico-constitucional que assenta no pressuposto da igualdade, mas acaba por ter poucos pontos de contacto com a realidade. Persistem, por isso, diversas modalidades de segregação e discriminação, apesar da feminização dos sistemas de ensino, formação e emprego. A clarificação procurada realça os múltiplos dualismos e segmentações que fazem da sociedade portuguesa uma realidade polifacetada.
 
Maria Ioannis Baganha e Pedro Góis
  Migrações Internacionais de e para Portugal: o que sabemos e para onde vamos?  (pp. 229-280)
 Neste artigo, apresenta-se um balanço da produção cientÌfica nacional que se debruçou especificamente sobre a emigração e a imigração portuguesas, ou seja, sobre os vários fluxos migratórios internacionais de e para Portugal no pós-II Guerra Mundial, prestando particular atenção aos trabalhos publicados nos últimos 20 anos. O texto está dividido em duas partes, a primeira sobre emigração e a segunda sobre imigração. Em cada secção, fez-se um levantamento daquilo que se sabe e do que se não sabe sobre estes dois temas e detectaram-se as principais tendências da investigação nacional nestas áreas. Finalmente, apresentam-se temas de investigação que, no actual estádio de saber, nos parecem particularmente relevantes para aprofundar o nosso conhecimento sobre a sociedade portuguesa.
 
Daniel Francisco e Fernando Ruivo
  O poder local entre centro e periferias  (pp. 281-306)
 Dotado de uma legitimidade que nunca havia conhecido, o Poder Local saído de 1974 e consagrado constitucionalmente foi concebido para desempenhar um papel central nas tarefas do desenvolvimento e da vivência democrática em Portugal. Apesar de contemplado com um quadro normativo avançado e de ter inspirado aos seus actores um conjunto de expectativas que a produção dos últimos 20 anos testemunha, não tem havido sobre tal Poder uma investigação ampla e continuada que o avalie á luz de características que marcam a sociedade portuguesa mais geral. Por esse motivo, ou se encontram sobre a realidade autárquica análises que se limitam a glosar o ideal para que o seu funcionamento devia tender, ou deparamos com uma retórica de ressentimento face aos défices que frustram as ambições da sua moldura jurídica. A persistência do centralismo, da pessoalização do poder ou do fechamento das elites, entre outros aspectos, encontram no presente artigo uma abordagem que pretende contribuir para a inserção do Poder Local no contexto mais alargado da sociedade portuguesa em que funciona.
 
Almerindo Janela Afonso e Stephen R. Stoer
  25 Anos de Sociologia da Educação em Portugal: alguns percursos, problemáticas e perspectivas  (pp. 307-331)
 Tomando como ponto de partido algumas sínteses produzidas na segunda parte da década 80 e início da década de 90, os autores tentam reflectir sobre o que têm sido os 25 anos de sociologia da educação em Portugal. Para realizar esta tarefa, numa primeira parte do artigo aborda-se a questão da consolidação deste campo científico traçando alguns dos seus desenvolvimentos recentes e relacionando-os com o estado da disciplina há mais ou menos uma década atrás; numa segunda parte, percorrem-se algumas temáticas que caracterizam a evolução do campo até ao momento; numa terceira parte, relacionam-se os trabalhos em sociologia da educação em Portugal com o que os autores denominam de repolitização da educação e de processo da reforma educativa; e, finalmente, na última parte, considera-se a internacionalização do campo através de uma breve análise do impacto da globalização sobre a sociologia da educação em Portugal.
 
António Casimiro Ferreira e João Pedroso
  Entre o passado: Contributos para o debate sobre a Sociologia do Direito em Portugal
 (pp. 333-361)
 Analisa-se a situação da Sociologia do Direito em Portugal: partindo de algumas considerações de índole teórico-metodológica, estuda-se o processo de institucionalização da disciplina e traça-se um balanço das principais áreas de investigação que têm vindo a ser aboradas neste campo no contexto da sociedade portuguesa.
 
José Manuel Pureza
  O príncipe e o pobre: o estudo das Relações Internacionais entre a tradição e a reinvenção  (pp. 363-376)
 Por que razão não há uma teoria internacional em Portugal? Este artigo procura responder a esta pergunta, partindo da hipótese de que essa ausência é um legado da matriz cultural realista que tem dominado epistemológica, ontológica e metodologicamente a disciplina das Relações Internacionais. Analisadas as principais vertentes desta matriz e rastreado o modo como a escassa produção teórica portuguesa se tem revisto nelas, inventariam-se de seguida as tarefas intelectuais necessárias a uma abertura das Relações Internacionais, em especial os conteúdos de uma nova agenda de investigação.