| | Telmo Caria | | | |
A reflexividade e a objectivação do olhar sociológico na investigação etnográfica
(pp. 5-36)
| | | Os objectivos do artigo são: (1) debater a actualidade dos problemas relativos à teorização da relação social de investigação (RSI) e ao uso social do conhecimento científico (USC) no contexto da reflexão epistemológica realizada em Portugal no campo da Sociologia; (2) ilustrar com uma reflexão metodológica sobre as estratégias etnográficas de investigação (EEI) o modo como se pode construir conhecimento teorizando a estrutura e a actuação da/na RSI, sem excluir a possibilidade de a teoria se "sensocomunizar".
Os dois problemas em debate são abordados numa perspectiva que considera a objectivação do olhar sociológico como uma acção investigativa que contém a reflexividade dos actores sociais e do investigador no trabalho de campo, a fim de minimizar os riscos de redução etnocêntrica, realista e intervencionista da análise.
No final, apresenta-se um modelo de interpretação da acção etnográfica que permite esboçar uma teorização da RSI no quadro das EEI que pretendem não excluir o senso comum da produção de novos conhecimentos sobre o real. | |
| | | | João Freire | | | |
Problemas técnico-metodológicos em inquéritos sociológicos: a propósito de questões de valores e orientações dos sujeitos em matéria socio-económica
(pp. 37-51)
| | | Em dois bons inquéritos de opinião, representativos da população portuguesa do Continente, realizados sucessivamente nos finais de 1997 e princípios de 1998, foram formuladas questões centradas sobre o trabalho, o emprego e os tempos livres.
O presente texto procurar problematizar certos aspectos de interpretação de alguns dos resultados apurados e da coerência interna que os suporta (ou da aparente falta dela). O objectivo é o de discutir criticamente os processos metodológicos de inquérito que foram utilizados. O eventual questionamento das formulações teóricas subjacentes não é aqui empreendido.
Neste ensaio, são tratadas, em particular, questões relativas a discrepâncias de resultados observadas dentro do mesmo inquérito, a problemas técnicos das escalas de resposta utilizadas, à coerência da formulação de determinados conjuntos de perguntas e, por último, à percepção de equidade e de diferença em matéria sócio-económica. | |
| | | | Manuel Couret Pereira Branco | | | |
Da democracia e do desenvolvimento: quatro teses e uma síntese
(pp. 53-83)
| | | Depois de constatar o relativo fracasso da maioria das políticas de desenvolvimento nos mais variados cenários, muitos especialistas apontaram a ausência de democracia como a principal causa deste insucesso. No entanto, será assim tão simples explicar o subdesenvolvimento persistente? Uma revisão da principal literatura sobre a questão permite-nos pôr em evidência quatro teses sobre a relação entre a democracia e o desenvolvimento: a democracia favorece o desenvolvimento; a democracia constitui um obstáculo ao desenvolvimento; o desenvolvimento é necessário para a consolidação de um processo democrático; uma excessiva preocupação com a obtenção de riqueza contribui para erosão da ideia democrática. Esta revisão de literatura leva, finalmente, a uma síntese na qual pretende evidenciar-se que este debate está viciado tanto por uma razão instrumental como por uma razão científica alheadas do objectivo central do processo de desenvolvimento que é o ser humano, todos os seres humanos. | |
| | | | Elísio Estanque | | | |
Acção colectiva, comunidade e movimentos sociais: para um estudo dos movimentos de protesto público
(pp. 85-111)
| | | O presente texto procura lançar as bases para uma abordagem sociológica das modalidades de protesto público que vêm surgindo na nossa sociedade, sobretudo a partir da década de oitenta, e cujas características principais parecem ser: a sua natureza heterogénea; o carácter localizado, disperso e efémero, e o enquadramento comunitário; o radicalismo e espectacularidade das acções; a ausência de ideologias programáticas; a orientação para a exposição mediática. Até que ponto estas formas de acção colectiva são ou não movimentos sociais? O que têm elas de "novo" e de "velho"? De "conservadorismo" ou de sentido "emancipatório"? Eis algumas das interrogações que orientam a discussão. O artigo desenvolve uma reflexão sobre os movimentos sociais - velhos e novos -, concluindo com a proposta de um programa de pesquisa sociológica dedicado ao estudo dos movimentos de protesto ao longo da última década. | |
| | | | Lino João de Oliveira Neves | | | |
Juridificação do processo de demarcação das terras Indígenas no Brasil ou Antropologia/Direito: grandes esperanças ou aliados perigosos na regulação social do movimento indígena no Brasil?
(pp. 113-129)
| | | Assim como as relações interétnicas são relações essencialmente políticas, a demarcação das terras indígenas constitui-se num processo político de afirmação de direitos. Contudo, com a juridificação do processo de demarcação, a partir de Janeiro de 1996, a luta indígena pelo direito às terras foi violentamente esvaziada em sua dimensão política.
Não se trata aqui de negar o valor e conveniência do reconhecimento judicial acerca dos direitos indígenas. Trata sim de reivindicar o carácter político do processo de demarcação. Em outras palavras, trata-se de reconhecer o jurídico como um dos aspectos deste processo, mas não de confundí-lo com o processo em si; trata-se de resgatar o aspecto político do direito de reivindicação indígena, direito que não pode ser reduzido ao aspecto jurídico dessa reivindicação. Trata-se ainda de refletir sobre o papel que a Antropologia e o Direito, como áreas de conhecimento, podem desempenhar como grandes esperanças ou como aliados perigosos para o processo de emancipação social do movimento indígena no Brasil. | |
| | | | Graça Fonseca e João Pedroso | | | |
A justiça de menores entre o risco e o crime: uma passagem... para que margem?
(pp. 131-165)
| | | Apresenta-se uma síntese da investigação realizada em matéria de justiça de menores na sociedade portuguesa, no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Analisa-se, num primeiro momento, a evolução da litigação e da intervenção tutelar ao longo de quase meio século (1942-1996) e, num segundo momento, elabora-se um retrato-tipo dos sujeitos da intervenção tutelar, através de um triplo olhar: o das estatísticas nacionais da justiça; o de um estudo de caso realizado no Tribunal de Menores de Lisboa, que abrange os anos de 1989 e de 1996; o de um segundo estudo de caso, feito também neste tribunal, a um grupo de jovens que, tendo sido sujeitos à intervenção do tribunal de menores de Lisboa, persistiram, após os 18 anos, na prática de crimes e, em consequência, caíram na alçada da justiça penal. | |
| | | | Helena Cristina Ferreira Machado | | | |
"Vaca que anda no monte não tem boi certo": uma análise da prática judicial de normalização do comportamento sexual e procriativo da mulher.
(pp. 167-184)
| | | A interacção entre o direito e a biologia forense, presente na prática judicial de investigação de paternidade, convida a reflectir sobre alguns cenários que decorrem dos usos institucionais de informação genética. Com base num estudo de caso e partindo da hipótese de que a actual receptividade do sistema jurídico aos testes genéticos de determinação de paternidade constitui uma interrelação complexa entre o sistema de patriarcado, o poder judicial e o poder científico, analisa-se de que modo este fenómeno tem vindo a estabelecer novos parâmetros de uma "política de reprodução" dirigida às mulheres. Chega-se a duas conclusões principais: por um lado, desta intersecção entre o direito e a biologia forense tem resultado a (re)criação de oposições binárias entre homens e mulheres. Por outro lado, os testes genéticos, ao permitirem uma determinação "segura" da paternidade, vieram conferir aos tribunais um poder acrescido de controlo dos comportamentos sexuais e procriativos femininos que fogem aos padrões convencionais de fidelidade da mulher a um só parceiro sexual. | |
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