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Nº 55
Novembro de 1999
Número não temático
ISSN 0254-1106 e ISSN eletrónico 2182-7435
Telmo Caria
  A reflexividade e a objectivação do olhar sociológico na investigação etnográfica  (pp. 5-36)
 Os objectivos do artigo são: (1) debater a actualidade dos problemas relativos à teorização da relação social de investigação (RSI) e ao uso social do conhecimento científico (USC) no contexto da reflexão epistemológica realizada em Portugal no campo da Sociologia; (2) ilustrar com uma reflexão metodológica sobre as estratégias etnográficas de investigação (EEI) o modo como se pode construir conhecimento teorizando a estrutura e a actuação da/na RSI, sem excluir a possibilidade de a teoria se "sensocomunizar". Os dois problemas em debate são abordados numa perspectiva que considera a objectivação do olhar sociológico como uma acção investigativa que contém a reflexividade dos actores sociais e do investigador no trabalho de campo, a fim de minimizar os riscos de redução etnocêntrica, realista e intervencionista da análise. No final, apresenta-se um modelo de interpretação da acção etnográfica que permite esboçar uma teorização da RSI no quadro das EEI que pretendem não excluir o senso comum da produção de novos conhecimentos sobre o real.
 
João Freire
  Problemas técnico-metodológicos em inquéritos sociológicos: a propósito de questões de valores e orientações dos sujeitos em matéria socio-económica  (pp. 37-51)
 Em dois bons inquéritos de opinião, representativos da população portuguesa do Continente, realizados sucessivamente nos finais de 1997 e princípios de 1998, foram formuladas questões centradas sobre o trabalho, o emprego e os tempos livres. O presente texto procurar problematizar certos aspectos de interpretação de alguns dos resultados apurados e da coerência interna que os suporta (ou da aparente falta dela). O objectivo é o de discutir criticamente os processos metodológicos de inquérito que foram utilizados. O eventual questionamento das formulações teóricas subjacentes não é aqui empreendido. Neste ensaio, são tratadas, em particular, questões relativas a discrepâncias de resultados observadas dentro do mesmo inquérito, a problemas técnicos das escalas de resposta utilizadas, à coerência da formulação de determinados conjuntos de perguntas e, por último, à percepção de equidade e de diferença em matéria sócio-económica.
 
Manuel Couret Pereira Branco
  Da democracia e do desenvolvimento: quatro teses e uma síntese  (pp. 53-83)
 Depois de constatar o relativo fracasso da maioria das políticas de desenvolvimento nos mais variados cenários, muitos especialistas apontaram a ausência de democracia como a principal causa deste insucesso. No entanto, será assim tão simples explicar o subdesenvolvimento persistente? Uma revisão da principal literatura sobre a questão permite-nos pôr em evidência quatro teses sobre a relação entre a democracia e o desenvolvimento: a democracia favorece o desenvolvimento; a democracia constitui um obstáculo ao desenvolvimento; o desenvolvimento é necessário para a consolidação de um processo democrático; uma excessiva preocupação com a obtenção de riqueza contribui para erosão da ideia democrática. Esta revisão de literatura leva, finalmente, a uma síntese na qual pretende evidenciar-se que este debate está viciado tanto por uma razão instrumental como por uma razão científica alheadas do objectivo central do processo de desenvolvimento que é o ser humano, todos os seres humanos.
 
Elísio Estanque
  Acção colectiva, comunidade e movimentos sociais: para um estudo dos movimentos de protesto público  (pp. 85-111)
 O presente texto procura lançar as bases para uma abordagem sociológica das modalidades de protesto público que vêm surgindo na nossa sociedade, sobretudo a partir da década de oitenta, e cujas características principais parecem ser: a sua natureza heterogénea; o carácter localizado, disperso e efémero, e o enquadramento comunitário; o radicalismo e espectacularidade das acções; a ausência de ideologias programáticas; a orientação para a exposição mediática. Até que ponto estas formas de acção colectiva são ou não movimentos sociais? O que têm elas de "novo" e de "velho"? De "conservadorismo" ou de sentido "emancipatório"? Eis algumas das interrogações que orientam a discussão. O artigo desenvolve uma reflexão sobre os movimentos sociais - velhos e novos -, concluindo com a proposta de um programa de pesquisa sociológica dedicado ao estudo dos movimentos de protesto ao longo da última década.
 
Lino João de Oliveira Neves
  Juridificação do processo de demarcação das terras Indígenas no Brasil ou Antropologia/Direito: grandes esperanças ou aliados perigosos na regulação social do movimento indígena no Brasil?  (pp. 113-129)
 Assim como as relações interétnicas são relações essencialmente políticas, a demarcação das terras indígenas constitui-se num processo político de afirmação de direitos. Contudo, com a juridificação do processo de demarcação, a partir de Janeiro de 1996, a luta indígena pelo direito às terras foi violentamente esvaziada em sua dimensão política. Não se trata aqui de negar o valor e conveniência do reconhecimento judicial acerca dos direitos indígenas. Trata sim de reivindicar o carácter político do processo de demarcação. Em outras palavras, trata-se de reconhecer o jurídico como um dos aspectos deste processo, mas não de confundí-lo com o processo em si; trata-se de resgatar o aspecto político do direito de reivindicação indígena, direito que não pode ser reduzido ao aspecto jurídico dessa reivindicação. Trata-se ainda de refletir sobre o papel que a Antropologia e o Direito, como áreas de conhecimento, podem desempenhar como grandes esperanças ou como aliados perigosos para o processo de emancipação social do movimento indígena no Brasil.
 
Graça Fonseca e João Pedroso
  A justiça de menores entre o risco e o crime: uma passagem... para que margem?  (pp. 131-165)
 Apresenta-se uma síntese da investigação realizada em matéria de justiça de menores na sociedade portuguesa, no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Analisa-se, num primeiro momento, a evolução da litigação e da intervenção tutelar ao longo de quase meio século (1942-1996) e, num segundo momento, elabora-se um retrato-tipo dos sujeitos da intervenção tutelar, através de um triplo olhar: o das estatísticas nacionais da justiça; o de um estudo de caso realizado no Tribunal de Menores de Lisboa, que abrange os anos de 1989 e de 1996; o de um segundo estudo de caso, feito também neste tribunal, a um grupo de jovens que, tendo sido sujeitos à intervenção do tribunal de menores de Lisboa, persistiram, após os 18 anos, na prática de crimes e, em consequência, caíram na alçada da justiça penal.
 
Helena Cristina Ferreira Machado
  "Vaca que anda no monte não tem boi certo": uma análise da prática judicial de normalização do comportamento sexual e procriativo da mulher.  (pp. 167-184)
 A interacção entre o direito e a biologia forense, presente na prática judicial de investigação de paternidade, convida a reflectir sobre alguns cenários que decorrem dos usos institucionais de informação genética. Com base num estudo de caso e partindo da hipótese de que a actual receptividade do sistema jurídico aos testes genéticos de determinação de paternidade constitui uma interrelação complexa entre o sistema de patriarcado, o poder judicial e o poder científico, analisa-se de que modo este fenómeno tem vindo a estabelecer novos parâmetros de uma "política de reprodução" dirigida às mulheres. Chega-se a duas conclusões principais: por um lado, desta intersecção entre o direito e a biologia forense tem resultado a (re)criação de oposições binárias entre homens e mulheres. Por outro lado, os testes genéticos, ao permitirem uma determinação "segura" da paternidade, vieram conferir aos tribunais um poder acrescido de controlo dos comportamentos sexuais e procriativos femininos que fogem aos padrões convencionais de fidelidade da mulher a um só parceiro sexual.
 
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