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Joaquim Gonçalves
Portugal (entrevista de João Arriscado Nunes e Marisa Matias)
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Joaquim Manuel Correia Gonçalves tem 43 anos e é natural de Souselas (distrito de Coimbra), onde casou e ainda hoje vive e trabalha. Com o Curso de Contabilidade e Administração passou a desempenhar funções administrativas na Cimpor (Cimentos de Portugal), empresa a que pertence a cimenteira onde foi anunciada a co-incineração, entre os anos de 1984 e 1994. Sai da empresa por motivos pessoais e, desde então, trabalha por conta própria como mediador profissional de seguros. Desde sempre se preocupou com os problemas da localidade, em particular, com os problemas ambientais. Esta situação explica a sua entrada no movimento associativo pela via do ambientalismo. Aproxima-se da Comissão Anti-Poluição existente em Souselas desde 1976 e participa activamente na sua transformação em Associação de Defesa do Ambiente de Souselas (ADAS), na qual acabou por assumir funções de presidente. Desde 1998, tem sido um dos rostos do movimento de protesto contra a co-incineração. |
Excertos
P - Estamos de facto muito interessados em que nos contasse um bocado a
história de como chegou a assumir este papel, digamos, de dar a cara e de activista
da defesa do ambiente, neste caso, em Souselas, e que nos contasse também essa
experiência, o evoluir e a experiência que está a ter neste momento.
Joaquim Gonçalves - Verifica-se que a nossa luta é ambiente,
não tem nada a ver com quem nos governa, se é do partido A, ou partido B ou
partido C, porque neste momento, eu digo: se não fosse o Partido Socialista, se fosse
o Partido Social Democrata ou outro partido qualquer que estivesse no Governo, a nossa
situação seria a mesma. Porque o que está em causa é Souselas, e
é por isso que eu digo e reafirmo que é muito difícil, fora da
realidade de Souselas, as pessoas entenderem que nós temos que lutar contra a
co-incineração porque estamos traumatizados por trinta anos de fábrica
de cimento.
O nosso problema é um problema que só nós, que vivemos lá, que
temos lá os nossos bens danificados, que tivemos os nossos bens deteriorados, que
sentimos na pele como é que funciona - e ainda hoje de vez em quando essas
situações acontecem, embora [esteja] muito melhor neste momento. Nós
é que sentimos o porquê ou sentimos o peso que significa termos mais uma fonte
de poluição em cima daquela que já tivemos estes anos todos.[...]
É claro que no meio disto tudo, quando foi necessário ir para a rua, fomos,
mas procurámos sempre manter a nossa discussão e a nossa luta em termos de
abertura. Aliás, eu aqui não posso deixar de salientar pela negativa o que
nunca foi feito em termos governamentais sobre o problema, por exemplo, da
co-incineração. Voltando um bocadinho atrás, ao Estudo de Impacte
Ambiental, na altura que começou toda esta polémica: o estudo foi feito a
pedido da Scoreco, mas nunca foi objecto de um debate. Quando esteve em Souselas, quando se
foi a discutir, não foi numa sessão de esclarecimento, foi numa
discussão de tentar lavar a imagem daquilo que estava feito em termos de todas estas
situações. Eu continuo a dizer e já referi isso publicamente: a
co-incineração é uma guerra, e a guerra ganha-se nas sucessivas
batalhas. E algumas batalhas temos ganho, efectivamente. Eu acho e penso que a
Comissão Científica Independente é uma batalha relativamente ganha e
porquê? Porque se não houvesse Comissão Científica Independente
nós não poderíamos discutir, digamos, em termos científicos o
problema que está a ser colocado. Se o problema estivesse só num jogo
político, nós teríamos a co-incineração como
decisão política sem hipótese de contestação. Neste
momento, nós estamos a contestar o relatório, o parecer da Comissão
Científica Independente porque ele, em termos científicos, tem anomalias e
nós conseguimos mexer nas anomalias e, digamos, passar para cima as partes negativas,
jogar em termos científicos e discutir em termos científicos aquilo que a
própria Comissão Científica Independente nos apresenta. O problema do
Grupo Médico, na minha opinião, continua. Por exemplo, se não houvesse
Grupo Médico não havia estudo epidemiológico.
P - Deixe-me só recuar um bocadinho no tempo; portanto a ADAS promoveu
manifestações contra a co-incineração mesmo antes de Souselas
ter sido escolhida como local...
Joaquim Gonçalves -E tudo o que está a acontecer, a parte final
desta luta que nós estamos a ter, porque já há uma decisão, esta
última situação, os sucessivos erros que estamos a detectar no
próprio parecer, as questões que se estão a levantar cada vez mais
complexas e no sentido de que a própria Comissão Científica
Independente está a perder a razoabilidade nos pressupostos que apresenta no parecer.
[...] Se não tem havido esta luta, o que é já tinha acontecido?
Tínhamos a co-incineração lá [em Souselas], sem filtros de
mangas, sem unidade de tratamento, sem nada. Vinha, queimava-se e ardeu. Aliás,
é aquilo que tem vindo a suceder nos outros lados. Por isso, não há
nada a fazer, a luta continua!
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