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Quem salvou Timor Leste? Novas referências para o internacionalismo solidário
José Manuel Pureza - Portugal

Este capítulo tem por objecto a combinação entre solidariedade não-governamental e trabalho diplomático oficial operada relativamente à ocupação indonésia de Timor-Leste entre 1975 e 1999. E procura analisá-la como exteriorização de novos contornos assumidos pelo internacionalismo solidário enquanto componente da globalização contra-hegemónica.

A herança de supremacia absoluta da articulação entre o Estado e o mercado sobre a alternativa internacionalista, consolidada no processo de afirmação dos Estados nacionais (quer no centro quer na periferia do sistema mundial) oferece-se com novos contornos no tempo do capitalismo global. A fragilização das identidades locais e a concepção da governação global como uma armadura normativa da desregulação neo-liberal mantêm a proposta do internacionalismo solidário remetida a um estatuto marginal. Mas é precisamente neste contexto que a reconfiguração global do internacionalismo solidário, enquanto expressão do princípio da comunidade, se torna um fundamental elemento de análise da globalização contra-hegemónica. Uma reconceptualização cosmopolita da cidadania, imposta por este quadro, ganha particular densidade nas figuras do "cidadão peregrino" e do "Estado militante".

O caso de Timor-Leste constitui um teste à consistência deste processo e das suas expressões teóricas principais.

Em primeiro lugar, porque os rumos que este caso foi assumindo ao longo de 24 anos de ocupação indonésia dependeram sempre mais de expressões de cidadania peregrina do que da agenda intergovernamental internacional. Entre 1975 e 1991, a manutenção do assunto de Timor Leste na agenda das organizações internacionais e mesmo no campo de atenção de governos como o de Portugal - quer relativamente ao direito à autodeterminação quer relativamente à defesa dos direitos humanos fundamentais - foi resultado do trabalho conjugado das redes de organizações não governamentais de solidariedade (dos juristas aos cristãos passando por organizações de protecção dos direitos humanos) e da sua capacidade de dar visibilidade ao problema no exterior e em especial nos países com maior influência na decisão sobre o caso.

Por outro lado, essa expressão de internacionalismo solidário dos grupos de cidadãos foi encontrando ecos no comportamento da diplomacia portuguesa, sobretudo depois de 1991. As parcerias políticas assumidas pelo Estado português com diversas ONG conduziram Portugal a ter perante o caso timorense um perfil de actuação internacional singular (significativamente diferente, por exemplo, do que tem sido assumido por Espanha relativamente ao problema do Sahara Ociedental). Esta relação intensa entre Estado e ONG e a forma específica que ela impôs à canalização diplomática da questão para os quadros multilaterais adequados (ONU, UE, CPLP) tornam Portugal num caso particularmente interessante de "Estado militante"

 
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