Os conflitos em torno do direito do acesso à terra representam um dos fenômenos mais surpreendentes no Brasil, nos anos mais recentes. Encabeçada principalmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), são lutas sociais que têm conseguido manter a questão agrária na agenda nacional. O capítulo apresenta e analisa a história do MST, desde a sua formação, no início da década de 1980, impulsionado pelas características finais do ciclo militar então vigente, pela ação de setores progressistas da Igreja Católica e pelas transformações econômicas e produtivas do meio rural. São identificadas as fases de seu desenvolvimento, centrando-se na segunda metade dos anos noventa, quando o Movimento alcançou extraordinária proeminência política e influência, favorecido por uma conjuntura política favorável, que incluiu o enfraquecimento do poder de pressão dos grandes proprietários territoriais.

O capítulo analisa, em particular, a "organização dos sem-terra" e as estratégias e ações selecionadas por seu corpo principal de dirigentes e militantes. Como resultado, emerge uma interpretação crítica, distinta da maioria das análises já existentes, pois são esmiuçados um conjunto de processos internos e opções políticas, no campo da acção colectiva, que secundarizam fortemente a imagem tão eficaz que o senso comum vem difundindo acerca da organização. Argumenta-se que as acções patrocinadas por esta última, se contribuem para ampliar o acesso à terra no Brasil, ampliando as oportunidades de vida e de trabalho das famílias rurais mais pobres, apenas marginalmente, contudo, abrem possibilidades para a sua emancipação política, em virtude de uma rationale organizativa que mantém características de controle social e práticas não democráticas. Em conseqüência, embora sendo um dos mais bem sucedidos casos de mobilização popular, neste período de quase duas décadas, o MST pouco contribuiu, de facto, para mudar os padrões de dominação social típicas da história política brasileira.