Em 1974/75, no período que se seguiu ao golpe militar que derrubou uma ditadura com 48 anos de existência, Portugal conheceu uma multiplicação sem precedentes de experiências de mobilização popular e de formas de democracia participativa. Apesar da sua curta duração, esse conjunto de experiências constitui um riquíssimo reportório de memórias e de recursos para a reinvenção de inciativas emancipatórias. Os movimentos de moradores de zonas urbanas pelo direito à habitação e pelo "direito ao lugar" aparecem como uma das expressões mais visíveis dessas experiências.

Este capítulo analisa a operação SAAL/Norte, um processo desencadeado por um sector do Estado, envolvendo, nomeadamente, especialistas em arquitectura e em problemas urbanos, com o objectivo de promover, de forma participada, respostas às carências no plano da habitação e da qualidade de vida urbana. São examinados, em particular, três aspectos desse processo: as condições e dinâmicas da participação popular e as suas formas de organização; a articulação entre diferentes modos de conhecimento e de experiência, o papel dos especialistas e a sua relação com os movimentos populares; o papel ambíguo do Estado, através dos seus diferentes sectores e serviços, como promotor ou como obstáculo à participação dos cidadãos e à organização de experiências de democracia participativa.