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João Arriscado Nunes Nuno Serra «Casas decentes para o povo»: movimentos urbanos e emancipação em Portugal (texto não editado) 1. Introdução Ao longo das últimas duas décadas, a democracia parlamentar e representativa de tipo Ocidental tem vindo a ser apresentada a diferentes sociedades, um pouco por todo o mundo, como o modo «natural» de organização da vida política e da participação dos cidadãos. A sua definição corrente corresponde a uma versão «minimalista», a um modelo de democracia «de baixa intensidade» (Santos, 1998), que sublinha os direitos individuais e o voto em eleições realizadas periodicamente como a essência tanto da vida política como da participação cívica. Durante o mesmo período, porém - e especialmente durante a década de 1990 - assistiu-se também a um crescendo de críticas às democracias «realmente existentes», aos seus défices e às suas patologias. Os modos de participação dos cidadãos na definição das agendas políticas e nos processos deliberativos assumiram importância central enquanto temas de um debate que, ainda que sob diferentes formas, assomou tanto em sociedades do hemisfério Norte como em sociedades do hemisfério Sul. É interessante notar uma peculiaridade desse debate tal como ele tem ocorrido em diferentes países da Europa Ocidental, nos Estados Unidos, no Canadá e no Japão. Nesses países, a questão da legitimação do Estado e da ordem democrática tende a ser suscitada em relação a problemas envolvendo a ciência e a tecnologia e a intervenção de peritos, como sucede nos domínios das políticas energéticas, transportes, telecomunicações, ambiente, biotecnologia, genética humana, saúde e segurança alimentar, entre outros. De facto, verificou-se que os processos de decisão política e as práticas administrativas baseadas no secretismo e na exclusão dos cidadãos do debate e da deliberação tendiam a ser especialmente frequentes quando estava presente uma forte componente de conhecimento científico e técnico especializado. Como notaram autores como Ulrich Beck ou Anthony Giddens, a ciência, a tecnologia e o conhecimento especializado tendem a gerar novas formas de incerteza e de risco cujas consequências afectam desproporcionadamente os cidadãos «comuns» que são excluídos de qualquer participação efectiva nos debates e deliberações sobre esses «riscos manufacturados». Não é nossa intenção, aqui, entrar nos pormenores dessa discussão. Mas será certamente relevante chamar a atenção para o facto de, na sequência de várias crises envolvendo sangue para transfusões contaminado, a epidemia de AIDS/SIDA, o caso da encefalopatia espongiforme bovina (vulgo «doença das vacas loucas») e outras crises ligadas à produção e comércio de produtos alimentares, ou ainda a ocorrência de desastres ambientais graves, a crescente visibilidade desses problemas e a dificuldade em lidar com eles de maneira credível e eficaz tenha levado governos, parlamentos, organismos de regulação, organizações não governamentais, cientistas e outros actores a procurar novas formas de participação pública nos debates e nos processos de decisão, no contexto de uma abordagem política «precaucionária». Enquanto país-membro da União Europeia, uma região central do sistema-mundo, Portugal não tem estado de todo ausente deste debate. Este, contudo, assume características específicas que decorrem, em boa parte, da condição semiperiférica de Portugal, enquanto espaço que pode ser definido como de interface ou de intermediação entre o Norte e o Sul ou enquanto exemplar do «Sul no Norte». Nestas condições, muitos dos problemas e questões suscitados em sociedades do Sul podem pelo menos em parte mostrar-se relevantes, desde que sejam reconhecidas as suas especificidades, para o caso de Portugal. O que nos irá ocupar aqui e agora será o facto de as novas abordagens da participação, que foram postas em prática, em diferentes países e desde os meados da década de 1980, sob a forma de conferências de consenso, de júris ou fora de cidadãos suscitarem três questões que, como iremos ver, estiveram no centro da curta mas intensa experiência de democracia participativa durante a Revolução portuguesa de 1974-75: as condições e dinâmicas da participação e as suas formas de organização; o papel central desempenhado pela articulação de diferentes formas de conhecimento e de experiência; e, finalmente, o papel do Estado como promotor dos movimentos e da participação dos cidadãos ou, alternativamente, como obstáculo a estes. A experiência da Revolução portuguesa concentra duma forma muito interessante e, ao mesmo tempo, exemplar, algumas características que nos irão permitir considerar em pormenor estes três temas. Iremos examiná-las a partir do processo que ficou conhecido como Operação SAAL, uma iniciativa de intervenção no domínio das políticas urbanas e de habitação. Antes de passar à apresentação desse caso, porém, importa clarificar alguns aspectos da relação entre os cidadãos e os portadores de conhecimentos especializados geralmente designados por «peritos». O papel destes, como veremos, foi crucial para as experiências de democracia participativa ligadas ao domínio da habitação e às políticas de intervenção urbana que serão tratadas em pormenor mais adiante. Se a ligação entre saber e acção política era, tradicionalmente, associada à figura do intelectual, a mobilização de saberes técnicos especializados no quadro de movimentos que têm como objectivo transformações políticas radicais sugere a necessidade de redefinir essa figura do intelectual e de especificar a sua relação com a figura do «perito», do especialista num domínio circunscrito caracterizado pela mobilização de competências científicas ou técnicas. Essa relação, como veremos, está longe de ser linear, e o modo como ela se articula pode fazer a diferença entre a promoção de dinâmicas emancipatórias e a emergência de novas formas de regulação legitimadas pela referência a saberes especializados. 2. Os intelectuais, os saberes e a participação política O conceito de «intelectual específico», proposto por Michel Foucault (1994a,b), que o contrasta com os de «intelectual universal» ou «intelectual orgânico» parece ser um ponto de partida adequado para a definição dos «peritos» ou «técnicos» envolvidos em processos de transformação política e social. O intelectual específico não se dedica à produção de um discurso universal, assumindo-se como porta-voz de um sujeito universal (ou, na versão Gramsciana do intelectual orgânico, como porta-voz de uma classe, grupo ou instituição), mas a um tipo de intervenção que assenta em modos específicos de conhecimento técnico-científico - ou de conhecimento «pericial» ou especializado - e nas relações destes com determinados «regimes de verdade». É na sua qualidade de intelectuais específicos que estes actores se encontram em rotas de colisão com o sistema, com as instituições, ou com relações de poder, e que vêm a «alinhar» com outros actores enquanto participantes em lutas de sentido emancipatório. Esse «alinhamento» não passa pelo recurso privilegiado à produção de textos públicos, mas pelas suas intervenções enquanto especialistas ou portadores de um determinado tipo de competência ou de saber. Segundo Foucault, a emergência do intelectual específico seria um fenómeno próprio do período posterior à Segunda Guerra Mundial, e a sua figura exemplar seria a de um físico nuclear como J. Robert Oppenheimer, considerado o «pai» da primeira bomba atómica e, que, mais tarde, viria ser um opositor activo à utilização de armas nucleares. Mas a intervenção dos intelectuais específicos seria também muito visível em lutas nos domínios da psiquiatria, dos regimes prisionais, ou, mais recentemente, da protecção social, do ambiente, da saúde pública, do planeamento ou da política cultural. Outros autores, contudo, como é o caso de Paul Rabinow (1989), consideram que a presença dos intelectuais específicos pode ser identificada em períodos anteriores, ligada às figuras que Rabinow descreve como «modernistas de mediação» (middling modernists), os agentes do planeamento urbano e social responsáveis pela «engenharia» da modernização nas metrópoles imperiais e nos territórios coloniais a partir do primeiro terço do século XIX, actuando em nome do que era então considerado como a missão universalista de promoção do progresso e do bem-estar. As propostas de Foucault e de Rabinow suscitam dois interessantes problemas a respeito do conceito de intelectual específico, que são particularmente visíveis quando se lida com o caso de Portugal durante o período revolucionário. O primeiro problema diz respeito à tensão entre propensões hegemónicas e contra-hegemónicas na actividade dos intelectuais específicos. As ideologias profissionais destes podem levá-los a associar-se a intervenções para as quais se consideram qualificados independentemente de quais os actores nelas envolvidos (o Estado, empresas, movimentos sociais, cidadãos), enquanto essas intervenções forem consideradas «progressistas» sob o ponto de vista das suas culturas profissionais ou técnico-científicas. Uma intervenção contra-hegemónica seria definida pelas suas articulações com a participação social e cívica. No caso que aqui será analisado, os especialistas em habitação e urbanismo (arquitectos e engenheiros, geralmente) assumiram um papel crucial na articulação do técnico, do social e do político no domínio dos problemas ligados à habitação e à cidade. A forma particular como essa articulação se realizou no caso de Portugal leva-nos a identificar um segundo problema com o conceito de «intelectual específico»: a tendencial diluição das fronteiras entre as categorias de intelectual orgânico e de intelectual específico em condições em que não é sustentável ou credível a manutenção da fronteira entre o «técnico» e o «político». O «tomar partido» em situações caracterizadas por controvérsias técnicas que não são separáveis do debate político sobre as implicações e consequências dessas controvérsias era - e continua a ser - visto pelos arquitectos, engenheiros e outros profissionais comprometidos com o activismo local como um imperativo ético. Ainda que com estas reservas e qualificações, contudo, o conceito de intelectual específico continua a ser um recurso útil para a definição dos problemas que enfrentam os intelectuais que se envolvem no activismo social e político na base da mobilização de uma competência técnico-científica ou profissional, e não tanto na da reivindicação da de condição de porta-vozes da justiça de uma «causa» — como acontecia com os chamados «intelectuais universais». Os intelectuais específicos ligados aos movimentos e iniciativas nos domínios da habitação e das políticas urbanas procuraram inspiração ideológica e teórica nas (então) «novas» correntes do marxismo, especialmente em autores como Henri Lefèbvre e Manuel Castells, cujas obras foram, em parte, traduzidas para o português e circulavam, por vezes, já antes da sua publicação, sob a forma de documentos policopiados ou de edições de distribuição restrita (Lefèbvre, 1972; Castells, 1976). A partir dessa inspiração, procuravam pôr a arquitectura, o planeamento urbano e outras formas de conhecimento técnico, legitimado cientifica e academicamente, ao serviço das populações urbanas, da sua luta pela transformação das relações sociais e pelo bem-estar individual e colectivo. Essa aspiração não deixou, contudo, de suscitar tensões entre a pretensão dos «peritos» a definir «planos» para uma transformação social de sentido emancipatório, por um lado, e o reconhecimento da necessidade de articular a procura das soluções técnicas mais adequadas e eficazes para os problemas da habitação e do planeamento urbano com as diferentes formas de conhecimento local, de preferências estéticas e de expressões identitárias associadas aos lugares específicos em que as populações levavam a cabo a sua luta por uma habitação decente e por uma apropriação mais democrática do espaço urbano. Veremos, a seguir, como estas tensões se manifestaram e como elas foram geridas ao longo do desenvolvimento da operação SAAL. 3. A Revolução portuguesa de 1974-75 e o contexto da operação SAAL Em 25 de Abril de 1974, um golpe militar abriu o caminho para um período histórico único marcado por experiências sem precedentes no domínio dos movimentos sociais e da participação dos cidadãos. Os próprios militares, organizados no Movimento das Forças Armadas (MFA), derrubaram a mais longa ditadura da Europa, que, durante 48 anos (1926-1974), havia privado o povo português de direitos democráticos fundamentais e que, desde os inícios da década de 1960, se havia envolvido numa guerra contra os movimentos de libertação das colónia africanas de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Ao longo do período da ditadura, a oposição a esta e à guerra colonial assumiu diferentes formas, incluindo a resistência clandestina e o desafio aberto ao regime, através de manifestações de rua, de greves de trabalhadores e de estudantes, e mesmo, durante as décadas a seguir à Segunda Guerra Mundial, pela participação em eleições que, apesar de manipuladas pelo Governo, permitiram o surgimento de espaços para novas formas de intervenção política por parte das forças da oposição. A longa e impopular guerra colonial e a impossibilidade, cada vez mais evidente, de impor uma derrota militar aos movimentos de libertação alimentaram tensões internas nas forças armadas, especialmente entre os oficiais subalternos. O MFA seria a expressão organizada das preocupações partilhadas por oficiais com inclinações políticas distintas, alguns deles mesmo sem objectivos políticos claramente definidos. Um programa minimalista baseado na restauração de direitos democráticos fundamentais e numa solução negociada do problema colonial permitiu manter o movimento mais ou menos unido durante a primeira fase da Revolução. Contudo, a pressão crescente dos movimentos sociais e da própria luta política nas novas condições de liberdade de expressão e de associação viriam a «quebrar» o MFA num conjunto de sectores ou de facções, mais ou menos alinhadas com diferentes constelações de correntes e organizações políticas, com as alas mais radicais reclamando para si próprias o papel de vanguarda revolucionária. Foram assim tomando forma concepções radicais de democracia, baseadas na participação popular, nas organizações de base e em comissões livremente eleitas, tendo o socialismo como horizonte e assumindo uma importância crescente no debate político durante todo o período revolucionário. Uma característica peculiar desta situação foi a coexistência dessas experiências e concepções radicais com projectos políticos mais «tradicionais», tais como o de criação de uma democracia parlamentar de tipo Ocidental ou de instauração de um modelo mais «estatizante» de sociedade, inspirado na experiência soviética. No respeitante às colónias, a ausência de uma definição clara do conteúdo da «solução» a negociar com os movimentos de libertação e a inaceitabilidade, por estes, de propostas de «autonomia» sem reconhecimento do direito à auto-determinação e à independência rapidamente tornou esta uma opção inevitável. Seriam assim proclamados os novos estados de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, e reconhecida a independência, proclamada em 1973, da Guiné-Bissau (país que integraria, ainda, num primeiro momento, a ex-colónia de Cabo Verde). Durante todo este período, o Estado passaria por uma fase de paralisação. Sucessivos governos provisórios (seis, no total) foram sendo formados ao sabor das transformações nas correlações de forças e nas alianças políticas, na base de coligações de partidos e organizações e de diferentes facções do MFA, geralmente situadas na esquerda do Movimento. Os governos eram, por um lado, tutelados pelos militares, e, por outro, extremamente sensíveis à pressão dos movimentos sociais e cívicos. A situação caracterizava-se, mais do que por uma dualidade de poderes, por uma «dualidade de impotências» (Santos, 1990), com um enfrentamento permanente entre a legalidade revolucionária e a legalidade democrática, num jogo que terminaria em Novembro de 1975. A esta situação, já de si complexa, juntavam-se as pressões e contra-pressões decorrentes da dinâmica geoestratégica da Guerra Fria, que encontravam tradução, internamente, nos programas e estratégias das diferentes forças em presença. Durante cerca de ano e meio, os trabalhadores da indústria, da agricultura e dos serviços, os movimentos de moradores de bairros urbanos, os estudantes, os intelectuais e os militares levariam a cabo um conjunto extremamente rico e sem precedentes de experiências de mobilização de massas, de constituição de organizações populares de base e de diversas formas de democracia participativa. Paralelamente, emergia das primeiras eleições livres realizadas em Portugal no último meio século uma Assembleia Constituinte. A Constituição por esta elaborada viria a inscrever as tensões e contradições que marcaram todo este período, que chegaria ao fim em 25 de Novembro de 1975, quando uma coligação de sectores «moderados» e conservadores das forças armadas e das formações políticas do «centro», através de uma acção militar, recuperou o controlo do processo político. Apesar da sua curta duração, o período revolucionário deixaria marcas tanto na ordem constitucional portuguesa como na memória colectiva e histórica, seja enquanto fonte de novas energias e de experiências de revitalização da participação cívica e social, seja enquanto alegada expressão de um «hiato» anómalo no caminho «normal» que conduziria à implantação da democracia representativa e parlamentar. Na Constituição de 1976, o socialismo é definido como um objectivo da sociedade portuguesa, e um amplo conjunto de formas de democracia participativa e de direitos sociais e económicos bastante avançados, exigidos ao longo da Revolução, seria explicitamente contemplado no texto constitucional. Nesse mesmo ano, teriam lugar as primeiras eleições legislativas no quadro da nova ordem constitucional, seguidas das eleições presidenciais. Estas constituíram o cenário de um último assomo de movimentos sociais e populares que apoiaram a candidatura de esquerda de Otelo Saraiva de Carvalho, um dos dirigentes militares da Revolução. Essa candidatura (que obteve 16% dos votos expressos) baseava-se no compromisso com a aplicação plena das disposições da Constituição, nomeadamente nos domínios da democracia participativa e dos direitos económicos e sociais. Finalmente, ainda nesse ano, teriam lugar as primeiras eleições para o poder local. Entre as experiências de participação popular que se multiplicaram durante o período revolucionário salienta-se, pela sua importância e pela sua exemplaridade enquanto expressão dos sucessos e dos dilemas e tensões que marcaram esse período, a chamada operação SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local). Essa operação foi lançada em várias zonas urbanas por um sector do Estado e envolveu arquitectos, engenheiros, juristas e estudantes, mas, sobretudo, moradores e bairros urbanos, especialmente de bairros pobres ou degradados, que se viriam a organizar em comissões locais e a integrar um esforço conjunto de definição e aplicação de novos direitos e de novas condições de vida centradas, por um lado, na exigência de uma habitação decente e, por outro, no que alguns dos actores centrais deste processo vieram a designar por «direito ao lugar». Enquanto parte de uma dinâmica revolucionária, a operação, realizada nas zonas urbanas de Lisboa, Setúbal e Porto, terá assumido, provavelmente, a forma mais consistente e teorizada no caso desta última cidade. O seu sucesso na promoção de uma dinâmica de organização popular e de aliança entre sectores do Estado, intelectuais específicos e movimentos populares assentou na definição de objectivos sectoriais precisos - habitação decente e direito ao lugar - no âmbito do objectivo mais geral de construção de uma sociedade mais justa, de uma sociedade socialista. O SAAL/Norte viria, deste modo, a adquirir um estatuto de referência, apontando um dos caminhos possíveis para articular o específico e o local com projectos mais amplos de transformação global da sociedade. Apresentamos, a seguir, uma descrição e cronologia da operação SAAL/Norte, procurando caracterizar dos actores que a protagonizaram e identificando as suas alianças e articulações, bem como as estratégias de intervenção seguidas e dos seus modos de intervenção. A memória do SAAL/Norte é posteriormente explorada enquanto recurso apropriado, hoje, para a reinvenção de formas de participação por parte de diferentes actores envolvidos em lutas pela habitação e pelo direito ao lugar. Essa memória é confrontada com a identificação e discussão dos principais problemas suscitados pela análise dos movimentos de moradores no quadro do presente projecto. Serão examinados, em particular, a dinâmica da mobilização e da organização populares; o papel de diferentes sectores do Estado e dos militares que foram «alistados» em projectos emancipatórios e solidários; a importância dos detentores de formas especializadas de conhecimento e de competências técnicas na definição das estratégias necessárias ao cumprimento dos objectivos do movimento, bem como as alianças que estes estabeleceram com os movimentos de moradores; e, finalmente, a importância da situação revolucionária enquanto condição da própria viabilidade do processo. Para este estudo de caso, recorremos, por um lado, a relatórios, análises e documentos publicados referentes ao período considerado e, em particular, à operação SAAL/Norte. Um segundo tipo de fontes incluiu entrevistas e discussões com informantes privilegiados, a maioria dos quais participantes no processo. Finalmente, recorremos também a notas referentes à participação em debates recentes sobre habitação e políticas urbanas, com a presença de antigos e actuais activistas dos movimentos de moradores, intelectuais específicos ligados aos sectores da habitação e do urbanismo e membros de organizações políticas com actividade nesta área. 4. A experiência do SAAL/Norte: a luta pela habitação num período de Revolução 4.1. Uma ruptura com o passado A operação SAAL constitui, sob vários pontos de vista, um momento singular na história das políticas de habitação em Portugal. As especificidades do momento histórico que se seguiu ao golpe militar de Abril de 1974 abriram um espaço de convergência entre novas formas de intervenção estatal e lutas populares pelo direito à habitação, dando origem a uma experiência sem precedentes de participação popular. O modelo de intervenção pública nas políticas de habitação seguido até então, e especialmente durante as quase cinco décadas de ditadura do Estado Novo, caracterizou-se, num primeiro momento, pela construção de unidades unifamiliares. Esta opção era justificada pela convicção, tanto de políticos como de «peritos», de que as habitações colectivas eram um terreno fértil para a germinação de movimentos «subversivos» ou revolucionários. Num segundo momento, a opção passou a incidir na construção de edifícios colectivos de alojamento social nas periferias das cidades, obrigando assim as famílias a afastar-se das áreas urbanas centrais, nomeadamente dos locais onde anteriormente residiam, mais próximos dos locais de trabalho e melhor servidos por transportes públicos. Este segundo momento da política habitacional do Estado Novo foi responsável pela emergência de bairros socialmente segregados, localizados nas periferias urbanas. Tanto num caso como no outro, as intervenções no domínio da habitação tiveram como ponto de partida as concepções perfilhadas pelo Estado e pelos corpos de especialistas e de técnicos que lidavam com os problemas urbanos, nomeadamente engenheiros, arquitectos ou assistentes sociais. Sob a capa de um pseudo-providencialismo público, os objectivos da política habitacional do Estado Novo centravam-se em respostas minimalistas às mais gritantes situações de carência habitacional. Procurava-se, deste modo, evitar a emergência de possíveis focos de oposição ao governo e ao regime, não existindo, em contrapartida, qualquer sinal de reconhecimento e de promoção do direito dos cidadãos ao espaço urbano e ao acesso a condições decentes de habitação para todos. Nunca como neste período as políticas de habitação haviam sido usadas de modo tão expressivo enquanto instrumento de controlo social e meio de difusão dos valores autoritários e repressivos do regime. Por conseguinte, esta concepção das políticas urbanas e de habitação excluía qualquer tipo de preocupação com as expectativas e as representações das populações em matéria de habitação, organização do espaço vicinal ou apropriação do espaço urbano. Foi este o mundo com que a Revolução de Abril de 1974 procurou romper, propiciando as condições para a irrupção e o desenvolvimento de movimentos populares multiformes e relativamente espontâneos. Esses movimentos encontraram nestas condições um terreno fértil para a abertura do espaço público à expressão activa de reivindicações em diferentes domínios da vida social, incluindo a habitação, e à experimentação de novas formas de participação e de intervenção política e social. Paralelamente, a «Revolução dos Cravos» viria a criar as condições para uma transformação radical do funcionamento e da organização das instituições públicas e do Estado, alimentando uma tendência para a democratização, quer dos processos de formulação de políticas, quer das relações entre «especialistas» e responsáveis administrativos, por um lado, e os cidadãos, por outro. 4. 2. Uma convergência de actores e de dinâmicas É neste contexto que se desencadeia o processo SAAL. A sua emergência decorre da convergência de um conjunto diversificado de condições e de dinâmicas, mais do que das intenções específicas dos actores nele envolvidos, fossem eles movimentos sociais, serviços do Estado, especialistas ou responsáveis administrativos. Por outras palavras, a criação formal e o desenvolvimento ulterior do SAAL enquanto processo resultaram dos efeitos virtuosos da articulação - ainda que complexa e ambígua - de um conjunto de actores colectivos: a) os moradores de zonas urbanas com problemas de carência habitacional, os seus movimentos e as suas organizações; b) os corpos científicos e técnicos ligados às políticas habitacionais e urbanas; c) o Estado, através dos seus serviços e departamentos sectoriais ou de base local, e d) os partidos e organizações políticas. A estes actores haveria que juntar a presença tutelar do Movimento das Forças Armadas, fundamental para a viabilização de vários tipo de acção popular assentes, como veremos, numa legitimidade revolucionária. Seria difícil negar, porém, que um dos principais motores de todo o processo foram as lutas que assumiram diferentes formas, encetadas pelos moradores de bairros degradados e pelos agregados familiares precariamente alojados. No caso do Porto, em que as reivindicações sociais em torno da habitação tinham já uma longa história, que remonta ao século XIX, os residentes dos Bairros Camarários protagonizaram, logo no dia a seguir ao 25 de Abril de 1974, as primeiras manifestações públicas neste domínio. Era então exigida a revogação dos regulamentos camarários, denunciados como meios repressivos e violentos de intromissão abusiva na vida privada dos moradores, atentando contra os mais elementares princípios de dignidade e de liberdade.. A estas reivindicações seguiu-se, ao longo dos meses de Junho e Julho, uma segunda vaga de contestação, protagonizada pelos habitantes das «ilhas», que exigiam deste modo uma intervenção imediata no sentido de melhorar as suas condições de vida e de habitação. Um terceiro movimento popular seria desencadeado meses mais tarde pelos residentes em prédios sub-alugados, contra os «subalugas», que acumulavam quantias consideráveis através da subdivisão de «edifícios [que] são repartidos em espaços tão mínimos, que vão desde o aluguer de um corredor ou vão de escada, passando pela utilização de telefone para receber chamadas, ou dispor de algumas horas de luz eléctrica por noite, etc.» (Coelho, 1986, 622). A sobre-exploração pelos «subalugas» permanece, hoje, como uma das memórias mais persistentes dos moradores que continuaram a sua actividade em associações de bairro. Por fim, uma outra expressão da luta pela habitação consistiu nas ocupações de casas devolutas, frequentemente organizadas por comissões de moradores e em muitos casos legalizadas, posteriormente, através de contratos de arrendamento. Esta forma de acção popular dependia, em boa medida, para a sua viabilização, da presença tutelar das forças armadas, garante da legitimidade de ocupações baseadas no princípio de que «não deve haver casas sem gente enquanto houver gente sem casa» mas que, sob o ponto de vista do direito formal, eram definidas como violações do direito à propriedade privada. Uma característica muito visível destes movimentos era a participação activa das mulheres e, com muita frequência, a assumpção por estas de um papel de direcção. A concepção dominante da divisão sexual do trabalho atribuía às mulheres um lugar no domínio privado da casa, e o «governo» desta era encarado como uma tarefa feminina. Não será surpreendente, por isso, encontrar mulheres no papel de activistas e de dirigentes de movimentos através dos quais os problemas ligados à habitação transbordavam do domínio «privado» do governo da casa para a esfera pública emergente, sob a forma de lutas políticas pelo direito a uma habitação decente. Os participantes no movimento recordam-se, ainda, do dia em que uma manifestação composta e liderada principalmente por mulheres oriundas de bairros camarários invadiu a Câmara Municipal do Porto, obrigando o Presidente da edilidade a sair do seu gabinete e a dirigir-se aos manifestantes reunidos no átrio do edifício. Desde muito cedo, estas movimentações populares captaram a atenção e a imaginação de arquitectos, engenheiros, jovens estudantes e profissionais com distintas formações científicas e técnicas, e que de diferentes modos se encontravam já envolvidos na procura de «formas alternativas que desbloqueassem a produção de habitação social, substituindo formas estatizadas ou estatizantes» (Portas, 1986, 636). O seu interesse pela cidade como lugar privilegiado para a transformação social e para a exploração de novos caminhos nos domínios da arquitectura e do urbanismo permitiu a criação de um amplo espaço de convergência destes intelectuais específicos com os movimentos populares e com as organizações de moradores. Essa convergência, contudo, não se fez sem tensões e mal-entendidos, envolvendo um processo nem sempre fácil de aprendizagem e de diálogo. No caso do SAAL/Norte, e de acordo com depoimentos de participantes no processo, a tentativa de articular a dimensão funcional e urbanística com as concepções estéticas e as preferências dos moradores consistia normalmente na definição de um campo de possibilidades de soluções técnicas, delimitado por fronteiras orçamentais e locacionais, no seio do qual os agregados familiares e as comunidades de bairro podiam fazer as suas opções, de modo a configurar e personalizar as formas de habitat de acordo com as suas vivências e preferências, num processo participado e de mútua aprendizagem, apesar das naturais divergências e da confrontação, por vezes conflitual, entre perspectivas distintas, próprias de uma estratégia desta natureza. O entendimento de que a arquitectura devia estar ao serviço das pessoas, dos moradores, fazia com que a estes fosse reconhecido um papel fundamental na definição e condução apoiada das operações de intervenção. Esse entendimento, aliado à consciência da dificuldade em separar respostas técnicas e respostas políticas aos problemas, viria a marcar, de maneira muito acentuada, e em certos casos de forma indelével, toda uma geração de arquitectos, urbanistas e outros profissionais. Muitos destes intelectuais específicos partilhavam assim uma visão da cidade como um espaço politicamente marcado e apropriado pelo sistema capitalista, uma visão confirmada pela acentuada competição pelo espaço e pela produção de desigualdades e de exclusões associadas à políticas do território e do espaço. Esta visão, por sua vez, parecia confirmar a sua crença de que a situação revolucionária que então se vivia constituía um momento histórico único em que a transformação do espaço urbano e a derrota do sistema capitalista iam de par. Na atmosfera então prevalecente, de uma vigorosa mobilização popular e de aparente viabilidade de uma transformação socialista da sociedade, começaria assim a tomar forma uma aliança entre os movimentos populares e os intelectuais específicos, abrindo caminho a novas articulações de formas de conhecimento «profanas» e especializadas, ainda que críticas. A participação conjunta destes dois tipos de actores colectivos no que viria a ser o processo SAAL, apesar das muitas tensões que a atravessaram, permitiu que fossem definidos dois objectivos muito precisos - e que já acima foram mencionados - para os movimentos e para as políticas urbanas e de habitação: o direito a uma habitação decente e o «direito ao lugar». Estes objectivos eram encarados como objectivos realistas e tangíveis, suficientemente precisos para permitir a mobilização ampla de um leque diversificado de actores, especialmente de populações locais, e suficientemente progressistas para se «encaixarem» no projecto mais amplo de transformação socialista da sociedade portuguesa. Enquanto o primeiro objectivo - a habitação decente - ecoava directamente nas necessidades mais básicas de amplos sectores das populações urbanas, o segundo objectivo - o «direito ao lugar» -, enraizava-se numa longa história de resistência das populações de bairros urbanos do Porto contra a sua transferência, pela força ou por via de decisões administrativas - ainda que com a melhor das intenções - para outros bairros, normalmente situados nas periferias da cidade. O «direito ao lugar» pode assim ser definido como o direito à melhoria das condições de habitação - em termos da dimensão e qualidade do espaço residencial, mas também de acesso a água corrente, energia eléctrica ou saneamento básico -, e igualmente como o direito de acesso a diferentes tipos de equipamentos urbanos e sociais instalados no local, de modo a que os residentes de um bairro pudessem «criar raízes» e desenvolver formas de sociabilidade ancoradas na apropriação do espaço local. Transportes públicos adequados, infra-estruturas (tais como arruamentos), espaços de lazer para crianças, escolas, creches, centros de dia para idosos, centros de saúde, zonas verdes, espaços para a prática de desportos ou para lazer - eram, e continuam a ser hoje, as reivindicações que dão forma ao «direito ao lugar». A deslocação forçada - total ou parcial - de populações, em troca do acesso a melhores condições de habitação não era, sob este ponto de vista, considerada como uma opção. Depois de 1976, contudo, este tipo de política habitacional, associado à recusa do «direito ao lugar», foi frequentemente utilizado como meio para a redistribuição de populações em função das dinâmicas de especulação fundiária e dos negócios da construção civil, dando origem a graves situações de exclusão social. Populações de vários bairros urbanos do Porto continuam, hoje, a resistir a essa política. Regressando ao tema das articulações entre especialistas e «leigos», deve-se acrescentar que muitos dos intelectuais específicos envolvidos neste processo, entre eles arquitectos, engenheiros e advogados, desempenharam cargos em diferentes departamentos e serviços do Estado, contribuindo, dessa forma, para trazer o Estado para as dinâmicas sociais e políticas que então se desenvolviam. Como notou Boaventura de Sousa Santos (1990), no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 assistiu-se a uma situação de «dualidade de impotências» que equilibrou as forças da permanência e as forças da transformação, em vez do clássico cenário da dualidade de poderes. Essa situação verificava-se no interior do próprio Estado. Segundo Santos (1990: 33), [o] que há de mais característico e até de mais original na crise do Estado português neste período é precisamente a capacidade do Estado para se manter intacto através de uma paralisia administrativa generalizada durante bastante tempo e no seio de lutas sociais muito agudizadas. Não significa isto, contudo, que não tenha havido modificações tanto na composição dos órgãos ou serviços do Estado como na heterogeneidade da actuação deste, nas condições específicas de uma forte mobilização popular. A Comissão Coordenadora do SAAL/Norte, por exemplo, acabaria por assumir em diversos momentos uma natureza de «corpo estranho» no aparelho de Estado, como nos referiu um dos intelectuais específicos que a integrava. Enlaçada de modo muito forte e permanente com os movimentos populares, esta estrutura funcionou em larga medida como a representação - no seio do Estado - dos interesses dos moradores. Originando em muitos casos tensões e conflitos com sectores mais relutantes, ou impotentes, perante a transformação das formas burocráticas de funcionamento e do próprio sentido de transformação política e social, tanto ao nível do Estado local como do Estado central. Sendo ele próprio uma entidade heterogénea, o Estado pode de facto desenvolver formas heterogéneas de relacionamento com a sociedade. A probabilidade de essa heterogeneidade ser acentuada e visível é particularmente forte em situações de crise revolucionária. O modo como Estado se relaciona com os cidadãos e com os movimentos sociais em situações desse tipo é consequência de duas formas de heterogeneidade. A primeira, que podemos designar por heterogeneidade «horizontal», refere-se às diferentes dinâmicas dos vários sectores e serviços do Estado. Alguns destes podem aproximar-se mais dos cidadãos e dos movimentos sociais, e outros das forças da «lei e da ordem» que procuram, por exemplo, defender a inviolabilidade da propriedade privada. Uns podem apoiar a legalidade revolucionária, outros a legalidade democrática, e outros ainda podem procurar fusões entre legalidades e legitimidades distintas. A segunda forma de heterogeneidade, que se situa numa relação ortogonal com a primeira, é a heterogeneidade «vertical». Em diferentes escalas ou níveis (administração central, administração local, serviços de autarquias ou agências locais de ministérios, por exemplo), agentes ou serviços do mesmo sector do Estado podem actuar de maneiras diferentes e criar formas diversas de articulação com diferentes actores e movimentos. Esta situação pode ocorrer, por exemplo, devido à grande proximidade entre serviços locais do Estado e movimentos sociais e cívicos ou, inversamente, através da aliança com opositores a esses movimentos (interesses económicos ligados à especulação fundiária ou à construção, por exemplo). Mas pode também acontecer que, à escala nacional e central, certos sectores ou serviços definam uma orientação claramente contra-hegemónica, que poderá vir a ser efectivamente seguida por esses sectores ou serviços em todas as escalas ou níveis, traduzida para formas mais ou menos radicais de intervenção nos patamares «locais» ou, simplesmente, encontrar oposição ou resistência, passiva ou activa, nos patamares intermédios. Este tipo de heterogeneidade é particularmente importante para se compreender como a «dualidade de impotências» atravessa, também, o interior do Estado. A esta dupla heterogeneidade devem ser acrescentadas duas outras dimensões: a diversidade no espaço e a evolução ao longo do tempo. Tanto a actuação do sector do Estado que lidava com a habitação como a acção dos membros dos governos responsáveis pelas políticas de habitação e pela operação SAAL devem ser analisadas tendo em conta este jogo de heterogeneidades, de diferenças e de evoluções temporais. Muitos dos intelectuais específicos anteriormente referidos «agarraram» efectivamente a oportunidade de mobilizar serviços do Estado para apoiar, patrocinar e, em certos casos, inclusive para dirigir iniciativas populares. Foram desenvolvidas novas formas de definição e de execução de políticas para a habitação, e o direito de todos os cidadãos a uma habitação decente converter-se-ia num direito inscrito na Constituição de 1976, tal como outros direitos sociais e económicos avançados, que haviam sido bandeiras dos movimentos populares durante a crise revolucionária. Por outro lado, e como observaria mais tarde Nuno Portas, a participação activa das populações na resolução dos seus problemas habitacionais em cooperação com o Estado e com as equipas técnicas que para o efeito se constituíram funcionou como um «empurrão» significativo para uma resposta mais ágil aos problemas da habitação, e também como uma contribuição relevante para a credibilidade e para a legitimidade da ordem social e política emergente (Portas, 1986). Esta é, talvez, a característica mais significativa da singularidade deste período e do processo SAAL na história das políticas de habitação em Portugal: procurava-se pela primeira vez criar uma ponte entre as energias de um Estado-Providência em fase de constituição e as energias de uma sociedade-providência enraizada em formas de sociabilidade mobilizadas para a realização de objectivos específicos no quadro de um horizonte mais amplo de transformação social. Naturalmente, os partidos e as organizações políticas também influenciaram o desenvolvimento deste processo, ainda que de formas nem sempre evidentes ou esperadas. Depois de terem sido impedidos de participar em qualquer actividade política organizada, antes de Abril de 1974, muitos cidadãos envolveram-se em organizações ou partidos de esquerda que, até aí, tinham tido uma existência clandestina ou, em muitos casos, nem sequer existiam antes da Revolução. Muitas dessas organizações juntaram-se aos movimentos populares e às lutas sociais, apoiando as suas causas e objectivos - mesmo quando criticavam ou se opunham às formas de acção desses movimentos, como aconteceu frequentemente com o Partido Comunista, durante quase todo o período a que nos referimos. Mas elas também procuraram influenciar os movimentos e as lutas e recrutar os dirigentes destas, de modo a ampliar a sua base política. Daqui resultaram, com alguma frequência, conflitos e desacordos internos no seio dos próprios movimentos. Com efeito, e o SAAL/Norte é disso um bom exemplo, a capacidade de influência, controlo e monitorização dos movimentos populares por parte destas organizações revelou-se em regra muito contida, quando não mal sucedida, face à espontaneidade e heterogeneidade social dos próprios movimentos, bem como em virtude de estes se orientarem mais por objectivos ligados a necessidades de curto prazo e relacionados com a luta pela habitação, e só de maneira indirecta por objectivos políticos mais amplos. Mas é necessário acrescentar que essas mesmas organizações, em muitos casos, forneceram uma boa parte dos recursos - nomeadamente competências no plano da organização, trabalho e, não poucas vezes, apoios materiais - que permitiram aos movimentos agir com eficácia. É ainda indispensável referir o papel dos militares. A sua intervenção durante este período foi, muitas vezes, orientada para o apoio activo aos movimentos populares, e em muitos casos foram os militares chamados a intervir como árbitros em situações de conflito - especialmente durante as acções de ocupação de casas devolutas - que, sem essa intervenção, poderiam ter acabado em confrontações violentas. O Quartel-General da Região Militar do Norte, no Porto, dispunha, inclusive, de uma «Divisão de Assuntos Civis» que assumia esse papel de mediação. Tanto as organizações políticas como os militares tiveram, portanto, papeis cruciais para a viabilidade e para a sobrevivência dos movimentos de moradores. Mas os efeitos de umas e de outros sobre estes movimentos caracterizam-se pela ambiguidade. No que diz respeito às organizações políticas, é certo que elas forneceram aos movimentos modelos de organização, activistas com competências de organização e de liderança, e, muitas vezes, apoio logístico e material. Mas elas foram também responsáveis pelo surgimento de hierarquias internas nos movimentos de moradores, por três vias. Em primeiro lugar, canalizando apoio e recursos para activistas que, mais tarde, viriam a ser recrutados para a organização e a actuar, no bom estilo leninista, como «correias de transmissão» entre a organização e os órgãos eleitos dos movimentos; em segundo lugar, através da importação, para os próprios movimentos e para os seus órgãos, de conflitos entre organizações e partidos sobre a definição dos objectivos do movimento, sobre as ligações entre os objectivos dos movimentos de moradores e objectivos políticos mais gerais, ou ainda sobre o próprio funcionamento quotidiano do movimento e dos seus órgãos; e, em terceiro lugar, através da promoção, no interior dos próprios movimentos, de uma fractura entre a vanguarda política «esclarecida» e as «massas», privadas de capacidade autónoma de definição de objectivos e modos de intervenção política. Estas três formas de intervenção das organizações nos movimentos tenderam a encorajar a reprodução de um modo passivo de delegar em processos «de cima para baixo» a resolução de problemas que deveriam ser enfrentados de maneira activa e criativa, mediante mecanismos de participação, perpetuando desse modo experiências de relação subordinada e paternalista dos cidadãos com o Estado, tão enraizadas na sociedade portuguesa. Quanto aos militares, é importante lembrar que o alinhamento das alas mais radicais das forças armadas com os movimentos populares funcionou como uma garantia de protecção às acções desses movimentos que invocavam o que então se designava por legitimidade revolucionária para levar a cabo iniciativas como a ocupação de casas devolutas, permitindo neutralizar tentativas por parte de outras forças, como a polícia, de impor os direitos de propriedade convencionais. Quando essa protecção desapareceu, a partir de Novembro de 1975, os movimentos de moradores e outros movimentos populares foram obrigados a procurar consolidar os direitos que haviam conquistado através do seu reconhecimento pela via da legislação produzida durante o período de «normalização» da sociedade e da ordem política. Estes factores ajudam, sem dúvida, a explicar muitas das fraquezas que estão na origem da derrota dos movimentos populares e das experiências de democracia participativa uma vez encerrada a crise revolucionária. 4.3. Objectivos e lógicas operativas do SAAL A 6 de Agosto de 1974, um despacho conjunto do Ministério de Administração Interna e da Secretaria de Estado da Habitação e Urbanismo (SEHU) determinava a criação de uma entidade designada por «Serviço Ambulatório de Apoio Local» (SAAL), como parte de uma primeira série de iniciativas no domínio das políticas de habitação. Segundo Nuno Portas, um arquitecto que ocupava então o cargo de Secretário de Estado, «o SAAL nasceu depois de várias representações de bairros de Lisboa e duas do Porto terem vindo aqui dizer que iriam auto-construir, se lhes fossem dispensados recursos financeiros e apoio técnico» (Ferreira, 1987: 84). Um momento crucial que antecede a formalização do processo corresponde às reuniões realizadas com moradores, das quais se destacam as que tiveram lugar no Teatro de S. Luís, «promovidas por técnicos de organismos oficiais ligados ao problema da habitação». Essas reuniões tinham em vista «pressionar as estruturas fechadas, burocráticas e tecnicistas em que funcionam as instituições do Estado», de modo a «proporcionar uma participação efectiva por parte da população, órgãos e entidades locais na sua decisão e realização» (Conselho Nacional do SAAL, 1976: 9-10). Os objectivos subjacentes a este diploma assentavam, segundo Nuno Portas, em quatro grandes pilares. Em primeiro lugar, tratava-se de ligar o Estado a certos sectores mais dinâmicos da sociedade civil, através de um mecanismo de descentralização. Não uma descentralização para as autarquias (...) - mas uma descentralização de facto, ainda que legalmente coberta só muito mais tarde, para os próprios interessados, quando organizados, passando por cima, algumas vezes, de prerrogativas dos Serviços de Estado (Portas, 1986: 638). Em segundo lugar, o programa SAAL visava ligar a função técnica existente nas instituições do Estado ou fora delas, aos agentes que deveriam servir», invertendo assim a tendência para as iniciativas de «racionalidade decidida no aparelho de Estado, mais ou menos central, e independentemente da vontade e recursos não monetários dos moradores a que se destinam (Portas, RCCS, 639).
Em terceiro lugar, através do SAAL pretendia-se também contrariar as incidências urbanísticas resultantes das políticas habitacionais até então desenvolvidas, reconhecendo aos moradores «um direito à permanência no sítio que as comunidades já habitavam», ou seja, «reconhecer uma certa continuidade às comunidades que viviam em condições más, mas em áreas que muito provavelmente lhes serviam», desde que existisse consenso sobre as condições de habitabilidade desses mesmos lugares (Portas, 1986, 639). Finalmente, outro dos objectivos inovadores subjacentes a esta iniciativa dizia respeito à necessidade de «encontrar uma forma de actuar que maximizasse a aplicação na habitação de toda a espécie de recursos dos moradores» (Portas, 1986, 641), fossem estes materiais ou humanos, de modo a maximizar a eficácia, a adequação e a celeridade do investimento estatal. As operações SAAL, como eram então designadas, tinham início com a identificação das zonas de intervenção e do tipo de acções a desenvolver. A esse primeiro passo seguia-se a programação conjunta de cada intervenção pelas brigadas técnicas e pelos moradores e as suas comissões. Cabia a um grupo de trabalho do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), serviço do Estado responsável pela gestão e organização do SAAL, ir dando resposta institucional, através das câmaras municipais, às exigências relativas aos meios necessários para a prossecução das diferentes tarefas. Procurava-se, deste modo, e simultaneamente, definir as medidas de política capazes de dar coerência às acções e, progressivamente, ao próprio programa como um todo. As energias que deste modo eram convocadas tinham, assim, uma tripla proveniência: a) o Estado, tanto o Estado central como o local, que tinha a seu cargo a realização dos trabalhos de infra-estruturação viária e sanitária e a obtenção ou disponibilização de terrenos e materiais de construção; b) os recursos técnicos e científicos disponibilizados através das brigadas multidisciplinares, que operavam tanto na identificação das zonas de intervenção como no próprio processo de construção; e c) as próprias populações que, com a sua mão-de-obra, recursos monetários ou combinações de ambos, participavam activamente nas operações. No caso do SAAL/Norte, um dos primeiros resultados positivos da operação foi a conversão de terrenos destinados a parques de estacionamento em terrenos para construir habitações. Pertencendo esses terrenos à Câmara Municipal, tornava-se assim possível uma resposta mais célere à urgência política em concretizar as intervenções, bem como à necessidade de edificar «casas volantes», que acolheriam os agregados familiares durante as obras nos locais onde continuariam a residir após a conclusão das operações. O enlace de energias e vontades por parte dos moradores e suas comissões, dos intelectuais específicos e dos sectores do aparelho de Estado integrados no processo permitiu que se alargasse gradualmente o campo de intervenção, até se atingir a quase globalidade do planeamento e gestão territorial do Porto, sem que tal estratégia tivesse sido previamente esboçada ou conscientemente assumida. Outra área em que o SAAL surgia como uma experiência inovadora era a da produção legislativa. De facto, e desde o seu início, o programa propôs uma lógica operativa que, até então, nunca havia sido posta em prática. Com efeito, os programas costumavam passar à fase de execução apenas na sequência da regulamentação dos seus mecanismos operativos. O SAAL, contrariamente a essa orientação, optaria consciente e explicitamente por uma concepção de legislação em processo. Tratava-se, segundo Nuno Portas, de uma iniciativa «mal definida à partida, como um risco assumido e não como um defeito» (Portas, 1986: 637). Os aspectos jurídicos eram gradualmente definidos e consagrados em função da informação e do conhecimento obtidos através das próprias experiências de intervenção. Graças a esta opção, «os problemas eram tratados na sua especificidade local», procurando assim atender-se às características sócio-espaciais de cada operação e aos modos de participação das populações beneficiárias. Essa opção, por sua vez, estava ligada à promoção de uma plasticidade organizacional, procurando experimentar modos flexíveis de organizar comissões ou associações de moradores, de maneira a permitir que a formas de institucionalização se adaptassem às especificidades locais. Esta plasticidade e gradualismo na normatividade e regulamentação do SAAL foi contudo responsável, em diversos momentos, pelo défice de legitimação jurídica do processo, não tanto pela estratégia em si mesma, mas sobretudo pela fragilidade e ambiguidade da conjuntura política então vivida. A necessidade de legislar e legitimar processos como a obtenção de terrenos, ocupação de casas devolutas degradadas, financiamento das operações, alteração de planos, ou a constituição das associações de moradores, entre outros, e a ausência de respostas céleres ou cabais por parte do Estado travou ou desacelerou em alguns casos, como sucedeu em algumas situações no âmbito do SAAL/Norte, o avanço das operações, comprometendo assim uma evolução mais expedita e determinada das próprias intervenções. 4.4. O SAAL enquanto processo de emancipação social e de democracia participativa Uma das mais fascinantes e estimulantes reflexões que a reconstrução histórica do processo SAAL suscita é a que o considera enquanto experiência de emancipação social e de democracia participativa. Neste sentido, um aspecto particularmente interessante é o da diversidade interna das motivações, expectativas e práticas dos vários actores que protagonizaram o processo. Sobre que bases se mobilizaram os movimentos de moradores, e quais os seus patamares de expectativa de transformação social e política? Eram eles movidos, sobretudo, pela reivindicação da melhoria das condições de habitabilidade e de resposta eficaz às carências habitacionais, ou pela exigência do reconhecimento da habitação como um direito consagrado nos documentos constitutivos do novo regime político saído da Revolução? De acordo com Vítor Matias Ferreira, que escrevia «em tempo real», os movimentos sociais urbanos podiam ser categorizados segundo o alcance das suas motivações, sendo possível identificar as seguintes categorias: a) movimentos reivindicativos, com base em exigências de carácter imediato, situadas ao nível da própria sobrevivência material das populações envolvidas; b) movimentos de protesto, que já se dirigiam a um adversário político-institucional, acrescentando assim uma motivação política às exigências materiais mais imediatas; e c) movimentos sociais propriamente ditos, que enunciavam um projecto de transformação social, com impactes que ultrapassavam a resolução de problemas específicos e que reformulavam as lógicas mais estritamente funcionais da acção política (Matias Ferreira, 1975: 14-17). Podemos sugerir que as mobilizações dos moradores em torno do SAAL revelam uma dinâmica ambígua que encontra expressão, por um lado, numa transformação no sentido de uma dinâmica mais emancipatória - que teria provavelmente ido bastante mais longe se o processo não tivesse tido um tempo de vida tão curto - e, por outro, na propensão recorrente dos movimentos de moradores para a dependência em relação a um Estado heterogéneo e às forças armadas e, por vezes, a organizações políticas, a fim de conseguirem realizar as suas aspirações a uma habitação decente e ao direito ao lugar. Em relação ao primeiro ponto, é interessante observar a sequência de objectivos articulados pelos movimentos populares durante as três fases do processo SAAL/Norte que foram referidas, desde a revogação dos regulamentos camarários, enquanto expressão simbólica da exigência de acabar com as políticas de habitação definidas durante o Estado Novo, até às reivindicações de qualificação de áreas residenciais e de soluções jurídicas para situações degradantes, como a do subaluguer. Ao longo de todo o processo, e devido à crescente politização deste - para a qual os partidos políticos contribuíram de maneira substancial, ainda que com resultados discutíveis, como já foi lembrado -, a exigência mais ampla de direito à habitação viria a ser expressa de modo consistente e coerente. Os movimentos de moradores ganharam, assim, capacidade para aprender com a experiência e com as interacções com outros actores, como o Estado e as brigadas técnicas. Tudo isto era traduzido, contudo, com alguma frequência, numa propensão para a dependência em relação ao Estado e a outros actores enquanto fornecedores de recursos «de cima para baixo» e, muitas vezes, de modo paternalista. Esta dinâmica contraditória é bem ilustrada pela relação entre os movimentos e comissões de moradores, por um lado, e o SAAL, por outro. No seio do próprio Estado, podiam identificar-se também dinâmicas de transformação, nomeadamente através de tentativas de incorporação de modos de funcionamento inovadores, orientados para uma maior abertura à participação social. É justo reconhecer que o SAAL suscitou simultaneamente - ainda que dentro de certos limites - uma transformação no interior do aparelho de Estado e nas relações deste com a sociedade. Os corpos científicos e técnicos que, desde o início, impulsionaram estas transformações, conferindo um conteúdo de mudança política a todas as intervenções técnicas, assumiram um papel crucial de mediadores nesse processo. Ao lutar por uma «dinâmica nova na Administração», promovendo a sua «interligação com o tecido social envolvente» (Coelho, 1986: 623), o processo SAAL estimulou assim, na perspectiva do Estado, a configuração deste enquanto agente activo de emancipação social e da democracia participativa. A riqueza analítica e a complexidade deste processo revelam-se ainda no modo como se colocaram importantes questões ideológicas, a respeito do papel e da intervenção dos partidos e organizações políticas, mas também dos sectores e serviços do Estado envolvidos. Um dos debates mais acesos então suscitados incidia própria metodologia adoptada, que contemplava a participação activa das populações, enquanto fornecedoras de recursos materiais (monetários) e de força de trabalho. Para os mentores do programa, esta orientação justificava-se pelas vantagens decorrentes da valorização e do aproveitamento de energias e de recursos de que as populações dispunham e se predispunham a disponibilizar, permitindo assim uma maior celeridade na execução das intervenções planeadas. Já no terreno dos partidos e organizações políticas, contudo, essa opção foi frequentemente criticada, muitas vezes em termos acalorados, com base no argumento de que, sendo a habitação um direito, não fazia qualquer sentido que as populações tivessem que suportar o esforço de o ver efectivamente realizado.. Assim, também no campo ideológico o SAAL estimulou contribuições relevantes para a abertura de novos temas de debate ideológico no seio da esquerda, especialmente a propósito da natureza da situação revolucionária e do poder de Estado, ou do sentido emancipatório das intervenções que propunha. Para os técnicos ou intelectuais específicos que constituíam as equipas pluridisciplinares de intervenção, o processo era também considerado como um desafio. Este decorria da aceitação do princípio da democratização da racionalidade técnica e da ampla disponibilização de informação aos cidadãos «comuns», que assim podiam confrontar uma e outra com as suas expectativas em relação ao direito à habitação e a espaços com qualidade de vida. Como seria de esperar, esse diálogo nem sempre se revelou pacífico nem muito menos fácil, mas implicou um intercâmbio de saberes e de experiências de que todos os actores acabaram por beneficiar. Neste sentido, um dos arquitectos que entrevistámos afirmou que a sua participação no processo, apesar da curta duração deste, marcara profundamente toda a sua actividade profissional posterior, obrigando-o a considerar abertamente a tensão entre os aspectos estéticos e os aspectos técnicos da sua actividade e com a necessidade de lidar com as funções e impactes sociais da arquitectura - uma tensão que, actualmente, passa «ao lado» de muitos arquitectos que tendem a perfilhar um ponto de vista mais «internalista» da sua profissão e do seu papel social. 4.5. A extinção do processo SAAL A 27 de Outubro de 1976, volvidos cerca de dois anos desde o início oficial do programa, um despacho conjunto do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção sugeria a extinção da metodologia do processo SAAL e da sua estrutura orgânica de intervenção. Segundo os ministros subscritores deste documento, Costa Brás e Eduardo Pereira, «após dois anos de experiência, conclui-se que algumas brigadas do SAAL se desviaram, de forma evidente, do espírito do despacho que as mandava organizar, actuando à margem do FFH e das próprias autarquias locais», considerando-se assim que as populações mal alojadas não tinham vindo a ser «acompanhadas como era imperioso que o fossem» (Conselho Nacional do SAAL, 1976: 452). Os factores que conduziram à extinção do SAAL são, contudo, mais complexos e diferenciados. Pouco depois de tomada essa decisão, assistir-se-ia a uma contenção do investimento público no sector habitacional, assim se inflectindo a tendência observada nos anos anteriores. O fim do SAAL, na perspectiva do Estado, era o resultado da «indefinição governamental» observada desde o seu início e que «não cessou de se acentuar até à ruptura. A resposta dos poderes políticos surgiu apenas onde, quando e na medida da pressão das populações e das situações de facto consumado com que foram deparando» (Brochado Coelho, 1986: 657). No campo legislativo, apenas tardiamente surgiram importantes diplomas que consolidariam os mecanismos de financiamento das operações SAAL e no domínio da obtenção de terrenos, sendo muitas vezes ignorados os trabalhos jurídicos elaborados no decurso do processo (Brochado Coelho, 1986: 657). Por outro lado, a máquina administrativa e técnica do Estado revelou-se cada vez menos capaz, e com menos vontade, de dar resposta administrativa às dinâmicas de adesão ao programa e ao crescente número de pedidos de intervenção, quer devido a limitações financeiras, quer pelos bloqueios gerados muitas vezes à escala municipal, por razões de natureza urbanística e de planeamento local. A somar-se a estes factores, observou-se uma exigência crescente dos moradores, concomitante com a progressiva institucionalização do SAAL. Nas palavras de Nuno Portas, «as reivindicações do apport do Estado passaram a 100% e as pessoas retiraram qualquer afectação possível de recursos». Ao mesmo tempo, os moradores tornavam-se também cada vez mais exigentes relativamente à arquitectura e aos acabamentos das habitações, observando-se ainda muitas situações em que os técnicos acabavam por se impor aos associados que, contudo, à margem da intervenção, continuavam a auto-investir nos alojamentos (Portas, 1986: 643). Parece ser claro, contudo, que na base do processo de extinção do SAAL se encontram, fundamentalmente, razões conjunturais de natureza política, social e histórica ligados ao momento que se vivia, mais do que razões inerentes a uma eventual efemeridade intrínseca do programa. A incapacidade do Estado, ainda a iniciar o período de transição da ditadura para a democracia, em acompanhar o ritmo do processo durante um período de «dualidade de impotências»; a ausência de experiências passadas e duma memória da participação social e política e de intervenção cívica, da confrontação e do diálogo entre diferentes saberes e experiências; e, finalmente, a dinâmica de «normalização» em que assentou o período pós-revolucionário, com as suas tentativas de eliminar ou de condenar à irrelevância quaisquer experiências que pudessem aparecer como alternativas à «normalidade» da democracia representativa e parlamentar são alguns dos factores que contribuíram para o fim do processo. Provavelmente, são estas as principais causas que explicam o fim do SAAL e o fracasso da maturação, consolidação e continuidade de uma das mais importantes experiências de participação popular durante o período revolucionário. Todavia, julgamos que o SAAL foi, de facto, um movimento/processo com um forte potencial emancipatório e uma experiência singular de democracia participativa, se o considerarmos sob o ponto de vista da configuração de actores nele envolvidos e das relações entre eles. Cada um dos actores colectivos procurou, à sua maneira, articular energias que se esperava viessem a produzir um conjunto de transformações políticas, urbanísticas e «metodológicas» de sentido muito amplo. A compreensão dos movimentos sociais associados ao SAAL exige que se olhe de perto para essa configuração particular e para a dinâmica da interacção dos actores intervenientes. O que nos leva, por sua vez, a sugerir um conceito de dinâmica de emancipação social abrangendo não só movimentos sociais ou iniciativas com origem na sociedade civil, como alianças específicas entre movimentos sociais e iniciativas de cidadãos, sectores do Estado e intelectuais específicos. 5. A memória da Revolução e do SAAL/Norte: um recurso para a reinvenção da participação? Vários obstáculos se levantam à mobilização da memória da Revolução e do SAAL/Norte enquanto recurso para a reinvenção da participação e para a revitalização de movimentos sociais. Ao longo dos anos, a memória «oficial» da Revolução procurou activamente apagar activamente todos os episódios que, de alguma forma, apontassem para a possibilidade de um modo alternativo de organização da sociedade ou de envolvimento dos cidadãos no processo político, ou de extensão da própria noção de política àquelas áreas da vida social geralmente excluídas do campo institucionalmente delimitado da actividade política «legítima». Apesar do crescimento das desigualdades e da exclusão, e do incumprimento das promessas de uma sociedade mais justa e com mais igualdade, as intervenções críticas foram cada vez mais dificultadas pela noção, muito difundida, de que o valor supremo da democracia é o consenso. Qualquer posição de crítica às noções «centristas» do «bem público» ou do «realismo político» é invariavelmente denunciada como «fracturante» e, por isso, como uma ameaça à estabilidade e à unidade política da nação. A memória da Revolução é, ela própria, activamente expurgada de qualquer noção de que a Revolução tenha sido um processo de transformação social e política, atravessado por contradições, protagonizado por um conjunto heterogéneo de actores colectivos, de movimentos sociais e de iniciativas populares, dando origem a uma profusão de experiências de acção colectiva e de democracia participativa, mas também a tentativas de articulação entre o Estado e as organizações de base, as forças armadas e os movimentos sociais, as organizações e partidos políticos e as iniciativas populares, com o seu cortejo de sucessos e de erros, as suas hesitações, os seus excessos e os seus compromissos. De facto, a Revolução é, com frequência, vista como um «hiato» anómalo num processo que deveria ter seguido o seu curso «normal», do derrube da ditadura à criação das instituições «normais» da democracia parlamentar de tipo Ocidental. As sucessivas revisões da Constituição de 1976 - onde ainda se inscreviam as contradições e os projectos políticos alternativos surgidos durante o período revolucionário - foram momentos particularmente significativos no apagar da memória da democracia participativa e do papel dos movimentos sociais na nova ordem democrática. Daqui decorre a indução à conformidade em relação à ordem social prevalecente e à acomodação às desigualdades e injustiças existentes. Como lembra Boaventura de Sousa Santos, a conformidade em relação ao presente parece alimentar-se da conformidade em relação ao passado, um passado cuja celebração é reduzida a um feriado oficial - o 25 de Abril - e a uma asséptica «celebração da liberdade e da democracia» que, em nome do consenso, é surda e muda em relação a tudo o que justifique o inconformismo e a crítica: «não podemos repensar a transformação social e a emancipação sem reinventar o passado» (Santos, 1996:7). Definir as articulações possíveis entre essa reinvenção do passado e a reinvenção da participação, através de uma recuperação activa e criativa da memória dos movimentos sociais e da vontade de emancipação durante o período revolucionário está longe de ser uma tarefa fácil. À esquerda, as frequentes referências às promessas incumpridas da Revolução corre, muitas vezes, o risco de se transformar em nostalgia - e, como tal, de perder a energia indispensável à mobilização - de um passado irrecuperável sem poder de «irrupção» no presente. Outro obstáculo é o de como considerar as diferenças entre os contextos de 1974-75 e do presente, de modo a identificar os constrangimentos e as oportunidades que vão emergindo no caminho para um futuro diferente do que foi naturalizado como necessário e inevitável pelo presente neoliberal. Comecemos por uma revisão - necessariamente breve, incompleta e provisória - da diversidade de modos como a memória dos movimentos populares e da democracia participativa foi neutralizada ou eliminada das narrativas «oficiais» da Revolução. Essas experiências são geralmente minimizadas ou condenadas como uma série de excessos desnecessários e perversos que não teriam trazido qualquer contribuição positiva para a democracia em Portugal. A cronologia «normalizadora» da construção e institucionalização da democracia em Portugal inclui o golpe militar que derrubou a ditadura em 25 de Abril de 1974, referências (ambíguas) ao processo de descolonização, às eleições para a Assembleia Constituinte em 1975, à intervenção militar de 25 de Novembro de 1975 que pôs fim ao processo revolucionário; e, por fim, à votação da nova Constituição em 1976 e às eleições legislativas, presidenciais e locais, realizadas nesse mesmo ano. Nem mesmo o movimento militar responsável pelo derrube da ditadura escapou a essa «normalização», através de uma distinção entre aqueles que, aparecendo como precursores do papel «apropriado» das forças armadas, subordinadas ao poder político, limitaram o seu papel ao derrube de uma ditadura ilegítima, entregando de seguida o poder aos civis, e aqueles que, exorbitando esse mandato - que, importa não o esquecer, seria atribuído retrospectivamente -, tiveram uma intervenção activa no processo de transformação social e política. É significativo, também, que a maior parte das narrativas da restauração da democracia em Portugal tendam a concentrar-se, por um lado, no próprio golpe militar e nos seus antecedentes e preparação, e, por outro, no período que se seguiu à votação da Constituição de 1976. Na melhor das hipóteses - embora com algumas importantes excepções -, todo o período de dois anos que vai do golpe militar à votação da Constituição é reduzido a uma confrontação entre duas dinâmicas políticas opostas, estritamente alinhadas com os dois campos que se opunham durante a Guerra Fria, estando em jogo, alegadamente, o futuro de Portugal enquanto democracia de tipo Ocidental ou enquanto regime de tipo Soviético. O resultado líquido dessas versões da história recente de Portugal foi o apagar de um dos períodos mais vigorosos e criativos da história deste país e, com ele, da memória dos movimentos sociais e da democracia participativa. A vitalidade e diversidade de experiências que emergiram durante esse período incluíram novas formas de organização e de participação dos cidadãos no «governo» dos seus locais de trabalho, em empresas industriais, escritórios e campos, movimentos e comissões de moradores, novas experiências no domínio da educação, campanhas de solidariedade com as populações coloniais e com os movimentos anti-coloniais e as vítimas de ditaduras e de regimes repressivos, movimentos de mulheres e de minorias, o surgimento e difusão de novas experiências e de modos alternativos de organizar a vida quotidiana, e as primeiras expressões publicas de preocupações com o ambiente e de mobilização em torno dos problemas ambientais. Nesse momento histórico particular viriam, assim, a concentrar-se com uma densidade invulgar a passagem de um período de quase cinco décadas de repressão e de perseguição das iniciativas dos cidadãos, dos movimentos sociais e das reivindicações de participação política para uma experiência de participação aparentemente sem restrições, que não cabia nas definições circunscritas da democracia parlamentar e representativa. A experiência aparentemente única e irrepetível da Revolução portuguesa de 1974/75 suscita interrogações compreensíveis e fundadas acerca da possível relevância dessa experiência para a passagem de uma democracia de baixa intensidade para uma democracia de alta intensidade no contexto actual de globalização. Uma das diferenças mais evidentes entre os dois contextos é a ausência de um objectivo estratégico claro para os movimentos sociais e para as iniciativas de participação e as - bem conhecidas - dificuldades de articulação de problemas e de causas específicos com um horizonte mais amplo de transformação social. Em 1974-75, esse horizonte chamava-se socialismo. As lutas em torno de problemas específicos, como a habitação, eram vistas como parte de um processo de mudança mais amplo baseado na igualdade e na justiça social. O projecto de mudança - apesar da heterogeneidade das concepções de socialismo e de participação que então se encontravam na sociedade portuguesa - identificava-se, em grande medida, com a Constituição de 1976, que definia explicitamente como objectivo o socialismo e uma sociedade sem classes, e que inscrevia na ordem constitucional diferentes formas de democracia participativa. Durante a década de 1980, as sucessivas revisões do texto constitucional levaram a um alinhamento deste com as concepções liberais do Estado e da sociedade, eliminando a referência ao socialismo. O papel central do Estado como actor crucial do processo de transformação seria, assim, progressivamente apagado. Na ausência de um projecto alternativo e comparável de mudança social global, que outras formas de solidariedade será possível imaginar, que permitam, ao mesmo tempo, a mobilização local e as ligações translocais de dinâmicas emancipatórias e a dupla obrigação - vertical, entre os cidadãos e o Estado, e horizontal, entre cidadãos e organizações cívicas - sobre a qual terá de assentar a reinvenção radical da democracia (Santos, 1998, 1999)? A perda do poder de mobilização de termos como «revolução» ou «socialismo» e a sua associação a processos históricos que, com frequência, levaram a resultados opostos às expectativas de emancipação e de democracia radical sugerem que, para além das palavras, devemos olhar para os sinais emergentes de modos alternativos, não-teleológicos, de conceber e de promover a transformação social. Vivemos num período de turbulência, em que pequenas causas podem gerar efeitos de grande alcance, flutuações amplas nos processos políticos e sociais e na dinâmica da economia, acelerando a instabilidade e incerteza crescentes do sistema-mundo capitalista. O futuro aponta para momentos de bifurcação, em que as escolhas efectivadas através da mobilização social e da intervenção activa dos cidadãos podem fazer a diferença em termos do futuro em que iremos viver (Wallerstein, 1995). A oportunidade de um futuro emancipatório, um futuro que terá de ser construído através de processos parciais, desiguais e contraditórios e da inscrição de trajectórias irreversíveis no desenvolvimento histórico, pode residir em iniciativas de base e na procura de novas maneiras de trazer o Estado - ou sectores do Estado - a constituir alianças emancipatórias e solidárias com iniciativas cívicas e movimentos sociais (Santos, 1999). Algumas lições do processo SAAL/Norte são relevantes para os objectivos deste estudo de caso. Essas lições foram formuladas por alguns dos actores mais reflexivos que participaram no processo, e elas convergem com as linhas gerais do que foi apresentado ao longo deste capítulo. Uma das forças do processo SAAL/Norte foi a sua capacidade de mobilização de um conjunto heterogéneo de actores em torno de objectivos específicos e viáveis. «Ter uma casa decente» e o «direito ao lugar» resumem de modo adequado, como vimos, esses objectivos. Eles permitiram a abertura de espaços de democracia e de respeito pelas diferenças baseadas na classe, no sexo, na etnia, na religião e na filiação partidária. A própria diversidade e heterogeneidade dos movimentos enraizados na luta pelo direito a viver em lugares que os moradores pudessem reconhecer como seus, e a complementar a habitação um conjunto de equipamentos urbanos que permitissem uma apropriação activa desses lugares não só como lugares para morar mas como espaços de vida e de construção de solidariedades de base local foram uma condição do seu sucesso. A ligação ao lugar é uma dimensão crucial do processo. A deslocação forçada de moradores de um determinado bairro para outros lugares, dispersando-os, em muitos casos, e sem as condições necessárias ao forjar de solidariedades e a um sentido de comunidade que só pode surgir de uma interacção face a face prolongada mostrou ser fatal para a maior parte dos movimentos. Recordemos que as lutas contra estas deslocações forçadas correspondem a uma das características mais duráveis das lutas populares urbanas, especialmente na cidade do Porto, e esteve ligada, nomeadamente, a projectos de reforma urbanística e de realojamento de populações no início do século XX. Será fácil, assim, compreender porque continuam a existir grupos de actores comprometidos com a luta pelo «direito ao lugar» que, em muitos casos, se sobrepõe mesmo, ainda que temporariamente, à exigência de melhoria das condições de habitação, e a que um arquitecto se referiu como o resultado mais durável do processo SAAL/Norte. Um aspecto que convém mais uma vez, sublinhar é o do papel das mulheres no trazer um problema convencionalmente definido como privado para a esfera pública. Não causará surpresa, por isso, o facto de as dirigentes mais activas dos movimentos de moradores no Porto, hoje, serem mulheres, e que as mulheres constituam, também, uma fracção importante dos intelectuais específicos envolvidos no terreno em bairros considerados «difíceis». Mas há outras dimensões que são relevantes para a revitalização dos movimentos e lutas de moradores. Um problema crucial é a necessidade de alianças entre técnicos ou intelectuais específicos comprometidos com a mudança e a emancipação social e os movimentos de moradores. Durante a operação SAAL/Norte, muitos arquitectos, engenheiros, advogados, assistentes sociais e voluntários foram obrigados a entrar em negociações e em diálogos com movimentos e comissões de moradores e a negociar os sentidos e os modos específicos de realização prática da «habitação decente». Apesar de também terem ocorrido tentativas assimétricas de imposição de pontos de vista estéticos e funcionais por parte de alguns arquitectos, muitos do participantes no processo esforçaram-se por incorporar as visões e as preferências «profanas» na concepção das casas e por maximizar os aspectos encarados pelos moradores como cruciais para a viabilização de padrões de sociabilidade em torno de formas específicas de organização do espaço. Os «conhecimentos rivais» de especialistas e de «leigos» viriam assim a tornar-se, em certos momentos, recursos para o desenvolvimento de novos conceitos de habitação, articulando um leque variado de preferências e de possibilidades estéticas e funcionais. Algumas dessas preocupações foram, posteriormente, recuperadas para a concepção de habitações sociais para grupos de moradores com características particulares, como as famílias ciganas. Presentemente, contudo, a situação dominante parece ser a de os técnicos serem vistos pelos moradores como aliados do poder, especialmente do poder local, impondo os seus pontos de vista através do recurso às suas credenciais técnicas e ao seus diplomas («canudos») contra os dos moradores. Estes tendem a ser desqualificados como incompetentes em matérias definidas como «técnicas». A necessidade de novas alianças com técnicos dispostos a alinhar com os moradores numa base simétrica é encarada como uma condição indispensável à contestação da autoridade dos técnicos «oficiais», trazendo à luz do dia as controvérsias que dividem os próprios técnicos e as dimensões sociais e políticas das intervenções urbanísticas e na habitação. Parece estar a ocorrer, neste domínio, o que acontece noutros campos em que o conhecimento técnico ocupa uma posição central na definição e execução de políticas públicas, e que foram evocados na Introdução deste capítulo. Da experiência do SAAL, nomeadamente do SAAL/Norte, decorre ainda um elemento que denota potencialidades muito interessantes e promissoras para reflectir sobre as possibilidades actuais de fomentar e incrementar formas de democracia participativa. Referimo-nos à dimensão de aprendizagem da cidadania e da participação no espaço público, que se constrói de modo gradual e a partir das vivências e aspirações mais directamente ligadas ao quotidiano dos indivíduos. A pluralidade de actores e a natureza participada do processo, para além da exigência e abrangência crescentes na sua evolução, permitiram efectivamente um alargamento do campo de preocupações dos cidadãos, inicialmente centrado na sua casa e na sua comunidade, e que alastraram progressivamente ao espaço público num sentido mais amplo e menos vinculado às experiências mais localizadas dos sujeitos envolvidos. A natureza e o sentido deste processo, construído consistente e gradualmente a partir de micro-escalas de vida, pode hoje revelar-se uma estratégia tangível na discussão e participação cívica em torno de múltiplas questões que, de modo mais ou menos directo, afectam o quotidiano de pessoas e colectividades. Outro aspecto central diz respeito à relação com o Estado, um tema crucial para a compreensão do processo SAAL/Norte. O sucesso e a legitimação deste dependiam de um apoio claro por parte de sectores do Estado e de actores a eles ligados ou por eles mandatados. O colapso final do processo foi consequência directa da retirada do Estado e da deslegitimação do processo, por parte deste, enquanto desafio à democracia «real» e à normalização do quadro institucional da jovem democracia portuguesa. Até que ponto poderá, hoje ou num futuro próximo, ser reconstruída essa aliança com sectores do Estado, numa base participatória e solidária (Santos, 1999a, b)? Aparentemente, a sua viabilidade dependerá do reconhecimento do que acima designámos por «dupla heterogeneidade» do Estado, isto é, da capacidade de diferentes sectores e níveis da organização do Estado e dos serviços estatais abrirem espaços para experiências alternativas com movimentos ou iniciativas de base. Tal não tem acontecido, até agora, mas algumas oportunidades começam a aparecer, para as quais poderá ser crucial o «alistamento» de técnicos para a promoção de políticas alternativas.
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