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Tecnologia
Tiago Santos Pereira

O espírito inventivo, juntamente com a atividade continuada de investigação, garante que novas tecnologias estão permanentemente a ser desenvolvidas na procura de soluções de base tecnológica para problemas existentes ou no abrir portas para novos desafios até então não imaginados. Os progressos na saúde ou as novas tecnologias de comunicação são disso excelentes exemplos. Aliada ao espírito empreendedor, a empresas consolidadas ou a iniciativas públicas de promoção do bem-estar, a tecnologia pode assim desenvolver-se com sucesso e rápida difusão. No entanto, o mercado explora a sua novidade com maior rapidez do que questiona os seus impactos. A tecnologia nem sempre é uma solução para um problema existente, correspondendo por vezes à criação de novas necessidades. O desenvolvimento das redes sociais digitais são disso exemplo, sendo rapidamente adotadas sem se imaginar os seus efeitos. Noutros casos, os benefícios para alguns trazem prejuízos para outros, invadindo, por exemplo, a esfera privada ou causando prejuízos coletivos, como no caso de danos ambientais. O que está aqui em causa é a capacidade da sociedade de influenciar a direção, a adoção ou as consequências das novas tecnologias.

A alternativa é suficientemente clara: precisamos de espaços, formais e informais, que fomentem o debate em torno das novas tecnologias e dos seus impactos. A tecnologia é frequentemente vista como símbolo inexorável do progresso a que a sociedade se deve moldar, adaptar, procurando potenciar os seus benefícios, sem nos darmos conta da limitação que nos impomos. Raramente pensamos o contrário – em moldar, adaptar, ou limitar a tecnologia. O debate e avaliação de tecnologias é assim essencial não só para reconhecer que tecnologia e sociedade se moldam, se coproduzem, mas também para contribuir para a reflexão sobre que sociedades queremos ser, que problemas definimos como centrais, e que opções devemos considerar ou promover. O espírito inventivo não é visível apenas quando uma solução é proposta; está também patente quando desenvolvemos soluções alternativas. O espírito empreendedor, de que falava Schumpeter, não está apenas presente quando faz chegar as soluções ao mercado; está efetivamente patente quando faz chegar as soluções às pessoas e aos problemas que as sociedades enfrentam. Esse sim, é o grande desafio.

Sheila Jasanoff apela ao recurso a “tecnologias de humildade”, métodos que procuram lidar com a incerteza associada às novas tecnologias e aos seus impactos, promovendo a participação de cidadãos, peritos, decisores públicos e outras partes interessadas. Em vários países, instituições de base parlamentar promovem estes processos de avaliação de tecnologias. Tendo na sua base o debate livre, aberto, crítico, informado pelo conhecimento e experiência de cada participante, estes processos têm um objetivo que é central para uma democracia informada: imaginar diversos caminhos para um futuro que é coletivo.



Como citar:
Pereira, Tiago Santos (2020), "Tecnologia", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 28.03.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30486. ISBN: 978-989-8847-24-9