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Cultura e território
Cláudia Pato de Carvalho

O interior de Portugal inclui um território extenso, desigual e desequilibrado (em relação às zonas costeiras), com um conjunto de recursos naturais, patrimoniais, humanos e sociais dos quais pouco sabemos e dos quais não existe uma inventariação estruturada e organizada longitudinalmente. No que respeita especificamente à área cultural, as zonas do interior apresentam grandes desafios em termos da formulação de políticas públicas. A maioria destas políticas é orientada para as cidades e áreas de maior intensificação e interação económica, carecendo de adaptabilidade às especificidades e necessidades dos locais do interior. Por essa razão, os territórios do interior apresentam acesso desigual a padrões aceitáveis de qualidade e crescentes dificuldades económicas, sociais e ambientais em termos de emprego, oportunidades empresariais, culturais e logística. Esta regiões são normalmente vistas como pouco atraentes, caracterizadas pela distância, pela ruralidade e, em certos casos, pelas duras condições climatéricas.

Por outro lado, é possível adivinhar o potencial de alguns territórios remotos e de baixa densidade, onde as possibilidades de criação de emprego diferenciado, de valorização de recursos materiais e imateriais e de criação de sentido de comunidade são mais verosímeis do que em algumas regiões densamente povoadas.

A situação de confinamento decorrente da crise pandémica resultante do impacto da COVID-19 pode exigir uma mudança de paradigma sobre a forma como olhamos para estes territórios. Essa perceção deverá não ser tão centrada nos ganhos económicos, mas mais na distinção cultural e geográfica das regiões periféricas e semiperiféricas e na identificação de uma variedade de recursos culturalmente relacionados que oferecem um caráter distintivo a esse local específico. Antes de mais, a noção de inovação precisa de ser ampliada. Tradicionalmente, a inovação tende a ser reduzida à investigação e desenvolvimento (I&D) que acontece nos grandes centros urbanos. Mas a inovação também acontece nos locais (tradicionalmente menos atrativos), de outras formas e possibilitando outras articulações com igual impacto. A prática cultural – como atividade, política, espaço de intervenção e de reflexão – pode criar condições para repensar estes territórios a partir de perspetivas inovadoras.

Esta mudança de paradigma pode surgir de um processo de mapeamento cultural. Trata-se de uma abordagem sistemática para identificar, registar e classificar os recursos culturais, materiais e imateriais de uma comunidade. É considerado um campo de investigação interdisciplinar e uma ferramenta metodológica no âmbito do planeamento participativo e do desenvolvimento comunitário. O objetivo é tornar visível a forma como os bens culturais locais, estórias, práticas, memórias e rituais podem transformar os lugares em locais com significado. O mapeamento cultural pode influenciar o planeamento cultural, as políticas culturais e ajudar a definir uma estratégia integrada para uma ação cultural.



Como citar:
Carvalho, Cláudia Pato de (2020), "Cultura e território", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 26.04.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30094. ISBN: 978-989-8847-24-9